Os professores são os únicos adultos que encaram os jovens - Mario S. Cortella
Uma das maiores referências do país em educação, Mario Sergio Cortella,
passou por Caxias no início deste mês para falar com mais de quatro mil
pessoas, entre elas professores, alunos e funcionários da Marcopolo. Defensor
do ensino público, Cortella avalia o ensino politécnico como uma promessa de
boa forma de educar e também entende que os professores são desrespeitados por
serem os únicos com coragem de desafiar os jovens.
Mario Sergio Cortella foi assessor e chefe de gabinete de Paulo Freire,
é licenciado em filosofia, mestre e doutor em Educação. É professor da PUC/SP
há 36 anos, com docência e pesquisa na pós-graduação em Educação e no
Departamento de Teologia e Ciências da Religião, atuando também como
comentarista da Rádio CBN e do Jornal da Cultura.
Leia abaixo trecho da entrevista com o professor.
Pioneiro: De que forma a família pode ser mais participativa em sala de
aula?
Cortella: Não é a família que ajuda a escola a educar, é a escola que
ajuda a família a fazer a escolarização da criança. Escolarização é um pedaço
da educação. Educação é o acompanhamento das escolhas e capacidades do aluno. É
a família que é auxiliada pela escola e não o inverso. A escola não consegue
ter esse papel porque uma família tem dois ou três filhos, enquanto o professor
tem de 30 a 40 alunos.
Pioneiro: E o ambiente escolar se mostra atraente para o convívio de
pais e filhos?
Cortella: É difícil generalizar escolas. Cada professor é um, cada
escola apresenta uma realidade.
Pioneiro: E se dividirmos por escola pública ou privada?
Cortella: A escola privada no Brasil é muito restrita, sem significado
até no ponto estatístico, porque 87% das pessoas que estão na educação básica
frequentam escolas públicas. Numa sociedade, 13% não é algo que a gente dê
relevância. Por isso, uma questão séria no Brasil não é escola pública versus
escola privada, e sim escola boa versus escola ruim. Escolas boas existem em
ambos os campos. Mas, objetivamente, a escola privada no Brasil é absolutamente
minoritária.
Pioneiro: Então o senhor é um defensor da escola pública?
Cortella: Claro. Porque é uma instituição republicana, coloca várias
camadas sociais em contato, agrega docentes que têm uma dedicação intensa,
oferece uma condição maior humanitária.
Pioneiro: Enquanto isso, a valorização do professor em escola municipal
é maior que em âmbito estadual, por exemplo.
Cortella: Sim. Isso acontece porque estamos lidando com dimensões de
gestão diferente. Uma coisa é lidar com todos os municípios do Rio Grande do
Sul e outra coisa é lidar com uma cidade. Estado é algo abstrato, cidade não.
Comunidade Caxias do Sul é concreta, o Rio Grande do Sul é apenas um traço no
mapa.
Pioneiro: E além da má remuneração, ocorre ainda a falta de respeito com
os professores...
Cortella: Isso acontece tanto porque nós, professores, somos os únicos
adultos que encaram o jovem hoje. As crianças tem autonomia, fazem a comida
sozinha usando o micro-ondas, não falam mais com os pais. Os pais são reféns
das crianças: ela decide onde vai almoçar, o que a família assistirá na
televisão. A primeira pessoa que ela encontra no dia que pergunta: 'onde está
teu caderno? e o uniforme? pode desligar o celular?', é o professor.
Por Raquel Fronza
Fonte: RBS