por Padre Ivo Pedro Oro
A festa da Páscoa é a mais importante no calendário litúrgico da Igreja
Católica. Para prepará-la bem, desde os primeiros séculos do cristianismo,
costuma-se ter não apenas um ou três dias de preparação, mas quarenta. O número
quarenta na Bíblia é simbólico. Lembra o tempo necessário de treinamento para
viver uma vida nova, uma nova realidade. Assim, temos os quarenta anos do povo
israelita no deserto, preparando-se para chegar à terra prometida. Temos os
quarenta dias de retiro e deserto de Jesus, vencendo as tentações de seu tempo,
preparando-se para realizar a sua missão.
A quaresma vai da quarta-feira de cinzas até a celebração da bênção dos
óleos, na quinta-feira santa. Portanto, um pouco mais de quarenta. Mas a
vivência deste tempo deve ter o “espírito de quarenta”, ou seja, de
treinamento, fortalecimento, penitência para uma profunda mudança de vida.
Tempo de penitência e conversão
Este é um tempo forte em que Deus nos convoca a voltarmos para Ele e
para os irmãos e irmãs, no amor e fraternidade, vencendo o egoísmo, a ganância
e o fechamento. Ninguém muda e se aperfeiçoa sem sacrifício e sem esforço. Para
estarmos unidos aos sentimentos de Cristo e trilhando o caminho da Páscoa,
fazemos na quaresma nossa “penitência”: um tempo mais denso e intenso de
espiritualidade, cultivando a oração, o amor a Deus na escuta de sua Palavra e
a solidariedade aos irmãos. Mas não é tempo de tristeza, e sim de alegria
interior pela vida nova que, em Cristo, Deus nos oferece.
Tradicionalmente, há séculos, a Igreja estabelecia jejum na alimentação
da quarta-feira de cinzas e abstinência de carne todas as sextas-feiras
quaresmais. Isso ainda está em vigor, mas pode-se adaptar para outras coisas
(abstinência de bebida alcoólica, de doces, de enlatados, do exagero de
produtos de embelezamento, de uso de celular ou de outros supérfluos). Isto
terá um valor espiritual maior se, o que gastaríamos com tais coisas, for doado
em solidariedade aos pobres, sobretudo através de iniciativas e instituições
sociais. Senão, seria uma poupança em benefício de si próprio.
As penitências têm para nós um valor pedagógico e teológico. Ao mesmo
tempo em que nos fortalecem para termos mais autodomínio e autocontrole sobre
nossas tendências e sobre os vícios (as tentações do prazer, do acumular e do
poder), nos levam a participar do sofrimento, paixão e morte de Jesus, para
ressuscitarmos com Ele para uma vida nova. É como diz a oração do Prefácio da
quaresma: “Pela penitência da quaresma, corrigis nossos vícios, elevais nossos
sentimentos, fortificais nosso espírito fraterno e nos garantis uma eterna
recompensa”; e “o jejum e a abstinência que praticamos, quebrando nosso orgulho,
nos convidam a imitar vossa misericórdia, repartindo o pão com os
necessitados”.
Cultivar e guardar a criação
A Campanha da Fraternidade constitui um modo excelente de vivermos o
sentido de conversão e renovação da quaresma. Neste ano, as Igrejas nos convidam
a mudarmos de vida e a prepararmo-nos para a Páscoa cultivando e guardando a
obra da criação de Deus, possibilitando a recuperação dos diversos biomas. Sem
esse compromisso com a vida do planeta, nossa alegria pascal não será plena. Somos chamados a viver a paz conosco mesmos
(paz interior), com nosso próximo (familiares, vizinhos, colegas e comunidade),
com a natureza (defendendo a água, o solo, o ar, as matas, a biodiversidade) e
com Deus (dimensão do perdão e da reconciliação).