Geane de Jesus Silva,
psicopedagoga, professora de Psicologia da Educação e
coordenadora pedagógica, Jitaúna, BA.
Endereço eletrônico: enaeg@hotmail.com
Brigas, ofensas, disseminação de comentários
maldosos, agressões físicas e psicológicas, repressão. A escola pode ser palco
de todos esses comportamentos, transformando a vida escolar de muitos alunos em
um verdadeiro inferno.
Gislaine, aluna da 2ª série, de oito anos, estava faltando
frequentemente à escola. Quando comparecia, chorava muito e não participava das
aulas, alegando dores de cabeça e medo. Certo dia, alguns alunos procuraram a
professora da turma dizendo que a garota estava sofrendo ameaças. Teria que dar
suas roupas, sapatos e dinheiro para outra aluna, caso contrário apanharia e
seria cortada com estilete.
Carlos, da 5ª série, foi vítima de alguns colegas por muito tempo,
porque não gostava de futebol. Era ridicularizado constantemente, sendo chamado
de gay nas aulas de educação física. Isso o ofendia sobremaneira, levando-o a
abrigar pensamentos suicidas, mas antes queria encontrar uma arma e matar
muitos dentro da escola.
Os casos descritos acima são reais e revelam a agressão sofrida por
crianças dentro da escola, colhidos e narrados por Cleo Fante como parte de uma
pesquisa sobre a violência nas escolas, publicados em seu livro “Fenômeno Bullying: como prevenir a
violência nas escolas e educar para a paz”. Esses e muitos outros casos de
agressões e violências entre os alunos desde as séries iniciais até o ensino
médio, demonstram uma realidade assustadora que muitos desconhecem, ou não
percebem, trazendo à tona a discussão sobre o fenômeno bullying, o grande vilão
de toda essa história. Mas o que é? Quais as causas? Como prevenir?
Significado do termo
A palavra bullying é derivada
do verbo inglês bully que significa
usar a superioridade física para intimidar alguém. Também adota aspecto de
adjetivo, referindo-se a “valentão”, “tirano”. Como verbo ou como adjetivo, a
terminologia bullying tem sido
adotada em vários países como designação para explicar todo tipo de
comportamento agressivo, cruel, intencional e repetitivo inerente às relações
interpessoais. As vítimas são os indivíduos considerados mais fracos e frágeis
dessa relação, transformados em objeto de diversão e prazer por meio de
“brincadeiras” maldosas e intimidadoras.
Desconhecimento e indiferença
Estudos indicam que as simples “brincadeirinhas de mau-gosto” de
antigamente, hoje denominadas bullying, podem revelar-se em uma ação muito
séria. Causam desde simples problemas de aprendizagem até sérios transtornos de
comportamento responsáveis por índices de suicídios e homicídios entre
estudantes.
Mesmo sendo um fenômeno antigo, mantém ainda hoje um caráter oculto,
pelo fato de as vítimas não terem coragem suficiente para uma possível
denúncia. Isso contribui com o desconhecimento e a indiferença sobre o assunto
por parte dos profissionais ligados à educação. Pode ser manifestado em
qualquer lugar onde existam relações interpessoais.
Consequências marcantes
As consequências afetam a todos, mas a vítima, principalmente a típica
(ver quadro), é a mais prejudicada, pois poderá sofrer os efeitos do seu sofrimento
silencioso por boa parte de sua vida. Desenvolve ou reforça atitude de
insegurança e dificuldade relacional, tornando-se uma pessoa apática, retraída,
indefesa aos ataques externos.
Muitas vezes, mesmo na vida adulta, é centro de gozações entre colegas
de trabalho ou familiares. Apresenta um autoconceito de menos-valia e
considera-se inútil, descartável. Pode desencadear um quadro de neuroses, como
a fobia social e, em casos mais graves, psicoses que, a depender da intensidade
dos maus-tratos sofridos, tendem à depressão, ao suicídio e ao homicídio
seguido ou não de suicídio.
Em relação ao agressor, reproduz em suas futuras relações, o modelo que
sempre lhe trouxe “resultados”: o do mando-obediência pela força e agressão. É
fechado à afetividade e tende à delinquência e à criminalidade.
Isso, de certa maneira, afeta toda a sociedade. Seja como agressor, como
vítima, ou até espectador, tais ações marcam, deixam cicatrizes imperceptíveis
em curto prazo. Dependendo do nível e intensidade da experiência, causam
frustrações e comportamentos desajustados gerando, até mesmo, atitudes
sociopatas.
O papel da educação
A educação do jovem no século XXI tem se tornado algo muito difícil,
devido à ausência de modelos e de referenciais educacionais. Os pais de ontem,
mostram-se perdidos na educação das crianças de hoje. Estão cada vez mais
ocupados com o trabalho e pouco tempo dispõem para dedicarem-se à educação dos
filhos. Esta, por sua vez, é delegada a outros, ou em caso de famílias de menor
poder aquisitivo, os filhos são entregues à própria sorte.
Os pais não conseguem educar seus filhos emocionalmente e, tampouco,
sentem-se habilitados a resolverem conflitos por meio do diálogo e da
negociação de regras. Optam muitas vezes pela arbitrariedade do não ou pela
permissividade do sim, não oferecendo nenhum referencial de convivência pautado
no diálogo, na compreensão, na tolerância, no limite e no afeto.
A escola também tem se mostrado inabilitada a trabalhar com a
afetividade. Os alunos mostram-se agressivos, reproduzindo muitas vezes a
educação doméstica, seja por meio dos maus tratos, do conformismo, da exclusão
ou da falta de limites revelados em suas relações interpessoais.
Os professores não conseguem detectar os problemas, e muitas vezes,
também demonstram desgaste emocional com o resultado das várias situações
próprias do seu dia sobrecarregado de trabalhos e dos conflitos em seu ambiente
profissional. Muitas vezes, devido a isso, alguns professores contribuem com o
agravamento do quadro, rotulando com apelidos pejorativos ou reagindo de forma
agressiva ao comportamento indisciplinado de alguns alunos.
O que a família pode fazer?
Não há receita eficaz de como educar filhos, pois cada família é um
mundo particular com características peculiares. Mas, apesar dessa constatação,
não se pode cruzar os braços e deixar que as coisas aconteçam, sem que os
educadores (primeiros responsáveis pela educação e orientação dos filhos e
alunos) façam algo a respeito.
A educação pela e para a afetividade já é um bom começo. O exercício do
afeto entre os membros de uma família é prática primeira de toda educação
estruturada, que tem no diálogo o sustentáculo da relação interpessoal. Além
disso, a verdade e a confiabilidade são os demais elementos necessários nessa
relação entre pais e filhos. Os pais precisam evitar atitudes de autoproteção
em demasia, ou de descaso referente aos filhos. A atenção em dose certa é
elementar no processo evolutivo e formativo do ser humano.
O que a escola pode fazer?
Em relação à escola, em primeiro lugar, deve conscientizar-se de que
esse conflito relacional já é considerado um problema de saúde pública. Por
isso, é preciso desenvolver um olhar mais observador tanto dos professores
quanto dos demais profissionais ligados ao espaço escolar. Sendo assim, deve
atentar-se para sinais de violência, procurando neutralizar os agressores, bem
como assessorar as vítimas e transformar os espectadores em principais aliados.
Além disso, tomar algumas iniciativas preventivas do tipo: aumentar a
supervisão na hora do recreio e intervalo; evitar em sala de aula menosprezo,
apelidos, ou rejeição de alunos por qualquer que seja o motivo. Também pode-se
promover debates sobre as várias formas de violência, respeito mútuo e a
afetividade tendo como foco as relações humanas.
Mas tais assuntos precisam fazer parte da rotina da escola como ações
atitudinais e não apenas conceituais. De nada valerá falar sobre a
não-violência, se os próprios profissionais em educação usam de atos
agressivos, verbais ou não, contra seus alunos. Ou seja, procurar evitar a
velha política do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.
Ações exemplares
Há diversos exemplos claros de ação eficiente contra o bullying no espaço escolar. Uma delas é
o programa “Educar para a paz”, criado e desenvolvido por Cleo Fante e equipe,
que trabalha com estratégias de intervenção e prevenção contra a violência na
escola. Além disso, também existem sites sobre o assunto como que visam a alertar
e informar profissionais e pais no combate ao bullying. Destaca-se o trabalho da Associação Brasileira
Multiprofissional de Proteção à Criança e ao Adolescente, com os sites: www.abrapia.org.br e www.bullying.com.br
Características de bullying
Segundo Cleo
Fante, no livro “Fenômeno Bullying:
como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz”, os atos de bullying
entre alunos apresentam determinadas características comuns:
• Comportamentos deliberados e danosos, produzidos de forma repetitiva num
período prolongado de tempo contra uma mesma vítima;
• Apresentam uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da
vítima;
• Não há motivos evidentes;
• Acontece de forma direta, por meio de agressões físicas (bater, chutar, tomar
pertences) e verbais (apelidar de maneira pejorativa e discriminatória,
insultar, constranger);
• De forma indireta, caracteriza-se pela disseminação de rumores desagradáveis
e desqualificantes, visando à discriminação e exclusão da vítima de seu grupo
social.