Luiz
Henrique Gurgel
Muitos
séculos antes da marchinha junina “pula fogueira iaiá, pula fogueira ioiô”,
povos pagãos da Europa já juntavam madeira, punham fogo e dançavam em volta
para festejar o solstício de verão - que é de inverno aqui no hemisfério sul do
planeta -, período em que no norte os dias ficam bem maiores que as noites,
exatamente o contrário do que ocorre aqui no sul. E isso para os europeus em
geral, mas especialmente para os do norte do continente, era um motivo e tanto
para festa, pois além das temperaturas aumentarem, começavam os tempos de
colheitas e, portanto, de comida. Sem falar que o inverno em regiões no extremo
norte, como na atual Finlândia, chega a ter apenas seis horas de luz solar. Em
outros lugares, como a Lapônia, em dezembro o sol não aparece ou apenas dá uma
passadinha no horizonte e já se põe. O restante é uma noite só e ainda por cima
bem gelada.
Por isso
dançar e comemorar em volta de uma fogueira se transformou numa das festas mais
importantes para esses povos. As fogueiras eram símbolos de fertilidade - como
nas juninas de hoje, lá também se realizavam casamentos – e também de
renascimento e até de proteção contra “maus espíritos”. Com a cristianização
dos europeus, esses encontros pagãos foram se transformando e a fogueira para
celebrar o solstício foi ganhando novo significado e se fixando, pouco a pouco,
desde a Idade Média, no dia 24 de junho, para celebrar São João Batista. Conta
a tradição cristã que Isabel, mãe de João Batista e prima de Maria, mãe de
Jesus, acendeu uma fogueira para avisar à prima do nascimento de João nesse
dia.
Até hoje a
fogueira de São João é acesa nas festas europeias, de norte a sul e de leste a
oeste do continente. E não se espalharam apenas pelo Brasil, países como
Canadá, Estados Unidos, Porto Rico e Austrália também organizam, a seu modo,
“arraiás”.
Nossa
herança festeira é portuguesa e eram originalmente chamadas de “Festa Joanina”,
em homenagem a São João. Há também quem diga que “junina” viria de junho, o mês
das celebrações, e as notícias mais antigas dizem que elas ocorrem por aqui ao
menos desde 1583. A simbologia rural também sempre esteve associada às comemorações,
aconteciam sempre às vésperas do período de colheita de alguns alimentos,
especialmente o milho.
Tornada uma
das mais importantes festas populares do Brasil, permanece seja nos
tradicionais arraiais rurais no interior, com quermesses em igrejas, ou nas
grandes metrópoles. Há também as festas gigantescas, como as de Caruaru
(Pernambuco) e Campina Grande (Paraíba), ou as festas dos bois de Parintins
(boi-bumbá) e do Maranhão (bumba-meu-boi).
Também tem
Santo Antônio e São Pedro
Apesar das
celebrações surgirem por causa de São João, outros dois santos católicos
entraram na festa. Dia 13 é a data de morte de Santo Antônio de Pádua,
franciscano português que se chamava, na verdade Fernando de Bulhões. É o santo
católico mais popular do ocidente e, especialmente no Brasil, o mais cultuado
por quem busca casamento. Câmara Cascudo cita em seu Dicionário do Folclore
Brasileiro, uma antiga e marota quadrinha para o santo, entoada por mulheres
solteiras desde tempos imemoriais: “Meu Santo Antônio querido, eu vos peço, por
quem sois;/ Dai-me o primeiro marido,/ Que o outro arranjo depois”.
São Pedro é
mais celebrado em arraiais litorâneos, é padroeiro dos pescadores e é quem
encerra as festas do mês. Dia 29 é considerada como a data de seu martírio em
Roma.
É provável
que não haja escola no Brasil que não inclua as Festas Juninas em seu
calendário oficial. Elas marcam o fim de um semestre e o início das férias de
meio de ano. Período mais que apropriado de celebração e de parada para
recomeçar o trabalho em agosto.
O que as
Festas Juninas inspiraram em Bandeira, Graciliano e Drummond
A festa
também deixou suas marcas em alguns escritores brasileiros. Num dos mais belos
poemas de Manuel Bandeira, “Profundamente”, do livro Libertinagem (1930), uma
Festa de São João em família, recordada pelo poeta, serve de elo para ligar sua
infância à vida adulta, no presente: “Quando eu tinha seis anos/Não pude ver o
fim da festa de São João/ Porque adormeci/ Hoje não ouço mais as vozes daquele
tempo (...)/ Estão todos dormindo/Estão todos deitados/Dormindo/Profundamente”.
Em livro
anterior, O Ritmo Dissoluto (1924), usa os balõezinhos de São João em outro
belo poema, “Na Rua do Sabão”, como símbolo para o homem que quer voar,
elevar-se e viajar, sem controle: “Ele foi subindo... muito serenamente... para
muito longe.../ Não caiu na Rua do Sabão./ Caiu muito longe... Caiu no mar –
nas águas puras do mar alto”.
O alagoano
Graciliano Ramos incluiu num de seus mais importantes romances, São Bernardo
(1934), uma típica festa junina do interior nordestino: “Nas noites de São
João, uma fogueira enorme iluminava a casa de seu Ribeiro. Havia fogueiras
diante das outras casas, mas a fogueira do major tinha muitas carradas de
lenha. As moças e os rapazes andavam em redor dela, de braço dado. Assava-se
milho verde nas brasas e davam-se tiros medonhos de bacamarte. O major possuía
um bacamarte, mas o bacamarte só desenferrujava nos festejos de São João.”
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