Por Coletivo Leitor
No dia 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher. A data, instituída em 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU), tem origem controvertida e costuma ser associada a eventos ocorridos na Rússia e nos Estados Unidos. Os defensores da origem soviética elegem como marco uma manifestação de trabalhadoras russas do setor têxtil contra a carestia e o desemprego, a qual estaria na origem da Revolução de 1917. Antes dela, porém, em 1910, a professora e jornalista Clara Zetkin (1857-1933), uma das pioneiras do movimento feminista, já havia proposto em 1910, no Congresso Internacional das Mulheres Socialistas, em Copenhague, Dinamarca, a criação de uma jornada anual de protestos em defesa dos direitos das mulheres.
Nos Estados Unidos, um antecedente histórico importante foi a Convenção sobre os Direitos da Mulher, em Seneca Falls, que deu origem ao movimento sufragista norte-americano – ainda que, para votar, as americanas tivessem de aguardar até 1920 (as brasileiras esperariam um pouco mais, até a Constituição de 1932). Também decisivos para a luta pela igualdade de direitos foram um protesto de tecelãs por melhores condições de trabalho, ocorrido em Nova York, em 1857, e a Grande Passeata das Mulheres, que teve lugar na mesma cidade, em 26 de fevereiro de 1909. Tal passeata reuniu cerca de 15 mil mulheres, ainda reivindicando melhores condições de trabalho (na época, a jornada diária era de 16 horas). Outro marco importante foi o incêndio na Triangle Shirtwaist Company, que vitimou 146 operários, 125 dos quais eram mulheres.
Ainda que muitos se esqueçam do significado político subjacente ao 8 de março, equiparando-o a comemorações como a do Dia das Mães, a permanência da desigualdade de gênero, sobretudo no âmbito do mercado de trabalho, obriga-nos a retomar o espírito combativo que anima a data. Vale lembrar que no Brasil ainda são poucos os homens que dividem com suas companheiras o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos, o que continua limitando o aumento da participação das mulheres na força de trabalho. Isso sem falar da menor oportunidade de escolhas no mercado formal, que obriga as mulheres a exercer funções consideradas femininas, menos valorizadas socialmente (mais de 90% do trabalho doméstico remunerado é assumido por mulheres), nem da desigualdade salarial. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), no quarto trimestre de 2019, a diferença percentual de pessoas desocupadas era de 53,8% das mulheres contra 46,2% dos homens, e o rendimento médio feminino era 26% menor que o masculino.
Os números acima dão uma ideia superficial do longo caminho a ser percorrido em direção à igualdade efetiva de direitos entre homens e mulheres. Na construção desse caminho, contudo, um desafio importante é o de repensar a educação de jovens e crianças com especial atenção aos estereótipos de gênero.
Em Para educar crianças feministas (São Paulo: Companhia das Letras, 2019), a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, alerta nos seguintes uma amiga que havia lhe perguntado o que era preciso fazer para criar a própria filha sem preconceitos:
“Nunca lhe diga para fazer ou deixar de fazer alguma coisa ‘porque você é menina’.
‘Porque você é menina’ nunca é razão para nada. Jamais.
Lembro que me diziam quando era criança para ‘varrer direito, como uma menina’. O que significava que varrer tinha a ver com ser mulher. Eu preferia que tivessem dito apenas para ‘varrer direito, pois assim vai limpar melhor o chão’. E preferia que tivessem dito a mesma coisa para os meus irmãos.
[…] Uma jovem nigeriana uma vez me contou que passou muitos anos se comportando ‘como menino’ – gostava de futebol e não achava graça em vestidos – até que a mãe a obrigou a abandonar seus interesses ‘de menino’ e agora ela agradece à mãe por ajudá-la a começar a se comportar como menina. A história me deixou triste. Fiquei imaginando o que ela teve de abafar e silenciar dentro de si, o que sua personalidade perdeu, pois aquilo que a moça chamava de ‘se comportar como menino’ era, na verdade, se comportar como ela mesma”.
Ainda no âmbito da educação, a literatura para jovens e crianças pode também funcionar como um repositório de estereótipos de gênero, ou, ao contrário, como ferramenta para refletir criticamente sobre esses modelos tradicionais sobre os quais se assenta a identidade dita feminina. Assim é que nos últimos anos vêm ganhando espaço livros que viram do avesso, por exemplo, os contos de fada, questionando o imaginário das princesas e as associações entre a feminilidade e fragilidade, recato, obediência, domesticidade. Livros sobre princesas que “soltam pum” (Até as princesas soltam pum, de Ilan Brenman e Ionit Zilberman. São Paulo: Brinque-Book, 2017), ou sobre o trabalho doméstico feito por meninos, como se vê em Príncipe Cinderelo, de Babette Cole (São Paulo: Martins Fontes, 2020) ou sobre uma Chapeuzinho Vermelho que de boba não tem nada (Uma Chapeuzinho Vermelho, de Marjolaine Leray. São Paulo: Companhia das Letras, 2012) são apenas alguns exemplos dessa tendência. Ao lado desses livros, as crianças podem ler também biografias sobre mulheres cientistas, esportistas, ativistas políticas, artistas, mostrando que a esfera pública não é domínio exclusivo dos homens, mesmo que a participação feminina nesse âmbito ainda tenha muito a conquistar para que se dissolva a dolorosa assimetria entre as expressões “homem público” (um político, um formador de opinião, uma celebridade) e “mulher pública” (sinônimo para designar as profissionais do sexo).
Comemore então o Dia Internacional da Mulher lendo três obras sobre mulheres admiráveis:
Quarto de despejo – diário de uma favelada, de Carolina de Jesus
O diário da catadora de papel Carolina Maria de Jesus deu origem a este livro, que relata seu cotidiano na favela. A linguagem simples, mas contundente, comove o leitor pelo realismo e pelo olhar sensível da autora na hora de contar o que viu, viveu e sentiu nos anos em que morou na comunidade do Canindé, em São Paulo, com três filhos.
A Outra face – história de uma garota afegã, de Deborah Ellis
Os 11 anos, a afegã Parvana está em apuros. Com o pai preso e o irmão mais velho morto, quem sustentará a casa se, pelas leis do talibã, as mulheres não podem trabalhar? Só resta a ela se disfarçar de menino…
A premiada escritora canadense Deborah Ellis ouviu histórias como a de Parvana em campos de refugiados afegãos no Paquistão e na Rússia.
Aída, de Rosana Rios, Giuseppe Verdi e Antonio Ghislanzoni
No alto Egito, duas mulheres se apaixonam pelo mesmo homem, Radamés, capitão da guarda. De um lado, está Amnéris, filha do faraó, e, do outro, Aída, princesa etíope feita escrava pelos egípcios e por quem Radamés também se apaixona. Aída terá de escolher entre viver seu grande amor com o líder inimigo e se manter fiel a seu pai e sua nação. Uma história de amor e coragem de uma escrava capaz de mudar o destino de dois povos.
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