Bráulio Tavares
São evidentes as
semelhanças entre a Cultura Digital de hoje (Internet, mp3, computadores,
smartphones, etc.) e a Cultura Oral de antigamente (comunidades rurais,
tecnologia zero, contatos face-a-face, etc.). Essa Cultura Oral é a tese, o
início; a Cultura Moderna urbana (a indústria, a tecnologia, o comércio) é a
antítese, que veio para produzir algo novo. A Cultura Digital vai ser essa
síntese, quando se instaurar por completo dentro dos nossos hábitos, do nosso
cotidiano e principalmente dentro do nosso mercado de trabalho (ou seja, quando
for possível ganhar a vida no interior dela).
Na Cultura Oral, as
criações artísticas (histórias, anedotas, canções, danças) eram feitas por
indivíduos, mas esse autor isolado rapidamente desaparecia, e até mesmo não
fazia questão de aparecer. Na modernidade (a indústria fonográfica, editorial,
etc.), o autor individual passou a ser reconhecido, celebrado, remunerado. A
Cultura Digital está nos levando de volta à situação anterior. O que é
necessário é fazer uma síntese entre os aspectos positivos de uma e de outra.
Na Cultura Oral, as
pessoas produziam histórias e canções para falar de si, para comentar a vida
comunitária, para exprimir seus impulsos de transcendência (refletir sobre o
mundo, a vida). Foram os “primitivos” que inventaram o conceito de “Arte pela
Arte”, não foram os burgueses. A burguesia (o mundo moderno) impôs de vez o
conceito de Arte por Profissão. (E olhe, nada tenho contra isto – sou um
artista profissional.) Como vamos fazer a síntese? Porque o mundo nos empurra
(caso o mundo não acabe por outros fatores) cada vez mais na direção de um
futuro voltado à Arte pela Arte.
Na Cultura Oral, uma
obra não tem uma forma fixa; cada vez que é reproduzida sofre interferências.
Uma anedota não tem uma “versão original” – tem uma historieta básica que cada
um reproduz ao seu modo, com suas palavras. Peças da “Commedia dell’Arte”, canções populares, mitos e lendas, romances em
verso, histórias de Trancoso, nada disto tem um Original, só tem versões. Já a
Modernidade produziu o conceito de uma obra escrita, impressa, registrada,
arquivada, e qualquer reprodução tem que ser feita igualzinha a esse original,
sem mudar uma vírgula. Interferências nesse original são severamente punidas.
(Em princípio, ninguém mexe num texto de Shakespeare ou num romance de Balzac.)
Na Cultura Digital, a facilidade de mexer e propagar essas alterações torna
inviável essa vigilância. Vai ser preciso encontrar uma síntese; talvez
escritores e compositores passem a produzir obras já contando com as possíveis
intervenções alheias, quem sabe até estimulando-as, dialogando com elas.
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