Coloque o orgulho no seu devido lugar!
Júlio Furtado
A Olimpíada está aí, com todo o glamour e na contramão
das previsões catastróficas, funcionando dentro que podemos chamar de
“normalidade”. O Rio está mais bonito, mais seguro, mais bem cuidado e
transpirando cortesias e “welcomes”.
É normal sermos invadidos por um sentimento de orgulho e torcida para que tudo
seja tão impecável quanto a Cerimônia de Abertura. Afinal, estamos há bastante
tempo num baixo-astral crônico, alimentado por escândalos, inflação, desemprego
e doenças. A festa de abertura funcionou como um poderoso analgésico em meio a
tanta dor.
Já vi escolas colando cartazes com frases de otimismo
e motivação dizendo coisas como “Provamos que somos capazes e mostramos ao
mundo o que é o Brasil!”. Essa frase me fez pensar nos efeitos dessa convulsão
motivacional, bem típica do caráter mágico que permeia nossa cultura. De fato,
a cerimônia foi linda, bem ensaiada, emocionante, arrancando elogios de grande
parte da imprensa internacional.
Emocionei-me ao assistir à entrada dos atletas
palestinos, dos refugiados e, claro, ver nossos atletas explodindo de alegria.
Algumas passagens foram marcantes, como o hino cantado por Paulinho da Viola e
o desfile da Gisele, eternizando a Garota de Ipanema.
A empolgação, porém, precisa ser costurada com a linha
da razão e com a agulha da realidade, sob pena de se transformar em otimismo
compulsivo e ingênuo. Achei bonita a mensagem de preservação do planeta, mas
soou-me falsa quando lembrei que não houve “tempo” nem “dinheiro” para
despoluir a Baía de Guanabara. Gostei da representação estética da favela e de
sua cultura ao fundo, mas não conseguia parar de pensar que o processo de
“pacificação” está em risco por causa da falta de investimento em recursos,
urbanização e programas de inclusão social. Foi bacana ver tantas
representações de pluralidade cultural e respeito às diferenças, mas isso não
me fez esquecer a realidade que ainda massacra as minorias.
Vamos torcer e até mesmo sentir arrepios como um
bálsamo ao nosso momento de preocupações, mas sintamos esperança que fortalece
para enxergarmos a realidade e lutarmos para transformá-la. Que seja um orgulho
que sirva de matéria-prima para a elaboração de nossa consciência e de
combustível para ações.
Júlio Furtado é professor e escritor
Fontes:
Imagens: Internet
Texto: Jornal O Dia
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