Em 1914, Monteiro Lobato (1882-1948) publicou um
pequeno texto no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO que o lançou ao estrelato, “Velha praga”. À época, encontrava-se
no início de sua vida de fazendeiro (herança dos avós) e causava-lhe incômodo a
prática de se realizar queimada da vegetação no preparo do solo para o plantio
de lavouras. A virulência do texto é dirigida ao caboclo, homem da roça,
geralmente um agregado do grande latifundiário, analfabeto e sem nenhum apoio
institucional. Furioso, Lobato compara as ações do matuto paulista ao fogo
germânico que assolava a Europa, durante a primeira guerra mundial. Além desta
aproximação, acrescentou a de o caboclo ser tal qual um parasita, um piolho da
terra. É nesse escrito que surge o Jeca, símbolo do homem brasileiro atrasado,
ignorante e preguiçoso.
Entretanto, quatro anos mais tarde, o futuro criador
do sítio do pica-pau amarelo, aproveitando-se das lições de Arthur Neiva
(1880-1943), Belisário Pena (1868-1939) e de outros sanitaristas brasileiros,
reformula totalmente sua concepção a respeito do caboclo brasileiro, ao
penitenciar-se no prefácio da quarta edição de Urupês (1918): “Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca,
por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas
todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz
papudo, feio, molenga, inerte."
A partir daí, não ficou apenas na criação de
personagens fictícias de obras fundantes da literatura brasileira para crianças
e jovens, O poço do Visconde, Gramática da Emília e A chave do tamanho como
representação da sua convicção sobre a relevância do conhecimento científico,
social, artístico e cultural. Ele lançou campanhas pelo saneamento básico, fez
denúncias das mazelas sociais a que estava submetida as pessoas pobres e expôs
a relação entre as questões sanitária e econômica: "Só a alta crescente do índice de saúde coletiva trará a solução
do problema econômico.” E ainda foi um defensor entusiasmado do trabalho
pioneiro de Manguinhos: "Só de lá
que tem vindo e só de lá há de vir a verdade que salva e vence..."
Com sua visão abrangente dos problemas sanitários e
econômicos do país, não se limitou apenas aos clamores dirigidos às classes
dirigentes, mas buscou uma forma de alertar e educar a população, o povo, a
vítima principal da falta de saneamento. É nesse contexto que escreve Jeca Tatu
– a ressurreição, ou mais conhecido como Jeca Tatuzinho. Então, o Jeca, tido e
visto como atrasado, ignorante e preguiçoso, descobria que sofria de amarelão.
Com apoio e esclarecimento, o caboclo reconhece o valor da “Nhá Ciência”, se
trata, se instrui e se torna um rico e esclarecido cidadão.
É certo, também, que ao transformar sua personagem —
de pessoa miserável em todos os aspectos a homem sadio, esclarecido e bem
sucedido graças ao conhecimento e aceitação dos avanços da ciência —, Lobato
também foi acusado de eugenia e de se submeter à “ditadura da ciência”.
De qualquer modo, decorrido um século após o
nascimento do Jeca Tatu e de sua transformação, ainda somos assombrados por
velhas pragas, como a desconfiança infundada nos estudos e experiências
científicas, na indiferença diante de informações ou esclarecimentos sobre
procedimentos profiláticos e, sobretudo, em teorias conspiratórias.
Ainda perduram, como almas penadas, jeca tatus
contaminados e infestados por parasitas e piolhos extremamente letais como o
preconceito, o atraso, a ignorância e a preguiça, vetores do atraso mental e
social.
José Batista de
Sales
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