Sempre que volto de algum jantar entre amigos, ou de uma parada no S.O.S
Bar, cujo lugar me lembra que Paris é aqui, gosto de caminhar com passos curtos
e passar lentamente olhando as torres da Matriz Senhor Bom Jesus. É uma igreja
meio gótica. Quando digo isso, é porque tem uma influência da arquitetura de
Brasília, as torres são retas e sem curvas, e sem os adornos góticos das
antigas igrejas. Em resumo, é uma mistura da antiga moderna arquitetura dos
tempos de Brasília ala Niemeyer, sem os efeitos góticos das igrejas alemãs.
Enfim, é única. Os edifícios que foram se erguendo e que tentam dizer que minha
cidade está se modernizando, ainda não apaga por completo as tradições: festas
da igreja, procissões, romarias, tradições estas que se estendem. Estão vivas
na festa de São Roque, protetor da garganta, no Barro Preto, já cinquentenária.
E outras mais que se estendem em tantas outras comunidades... É um ato de sabor
e fé. Mas poucos sabem que a Matriz Senhor Bom Jesus, primeiramente foi erigida
em 1883, e era de madeira. Diz a lenda que em mil novecentos e cinquenta e lá
vai pedrada, ela pegou fogo. Reza esta lenda, que uma cabrita entrou na igreja
para comer as flores que estavam no altar, derrubou as velas, e então a igreja
foi vorazmente destruída pelo fogo. No mesmo lugar, durante quase duas décadas
a comunidade foi erguendo lentamente, passo a passo, a Matriz que ainda hoje
não foi engolida pelos arranha-céus.
Logo que retornei, somente uma torre tinha luz, mas a principal não
tinha. Vez que outra, ficava admirado quando a lua cheia a iluminava por
completo, e preocupado ficava: a torre mais alta não tem luz! Vai que um avião
desavisado atravesse a torre maior ao meio? Menos mal, agora tem. Pensei então:
os padres acordaram, e iluminaram a igreja por completo, e até o relógio
funciona. Um tempo atrás subimos eu, Renan e Maria Zolet, até o ponto máximo
das torres. Lá no sino, cravado em bronze, o nome de centenas de famílias que
ao longo do tempo patrocinaram não só os sinos, mas a própria construção. Foram
anos de festas e contribuições. Acho que era um tempo em que quem ajudava a
construir uma igreja, ganhava um espaço no céu. Nos tempos de hoje, quase todo
mundo sabe que o dinheiro não compra e não dá legitimidade aos crimes e
pecados. A Matriz, da qual poucos sabem que foi erigida nos tempos do império,
lá em 1883, nos tempos de hoje, continuam a ver a cidade crescer verticalmente
em torno dela, e à frente dela, se estende uma praça que teve outros nomes no
passado, mas que em algum momento, talvez para brindar a liberdade, tornou-se
efetiva como Praça Tiradentes. “Liberdade, antes que tardia”. Em outros tempos,
essa praça teve jardins belíssimos, esculturas incríveis feitas de
cerca-viva... Na década de 70, eu, bem menino, arregalava os olhos para ver o
desfile das saias hippies e floreadas das moças, e das largas Pantalonas dos
rapazes.
Nesse tempo de criança, eu e um outro amigo, descobrimos que atrás do
palco, ou quer seja, de um elevado para discursos políticos e patrióticos,
tinha um ninho de galinha, recheado de ovos. Eu e meu amigo, depois de
brincarmos por horas nos brinquedos da praça, tínhamos uma missão: roubar dois
ou três ovos para o final de semana, para que escondidos, fazermos gemada ou
cozinhá-los. Se a galinha botou na praça, os ovos eram públicos, e se nós
descobrimos, não estávamos roubando nada. Mas a moral era rígida, então
furtávamos por longos fins de semana, um pouquinho por vez. A ingenuidade era
tanta, que colocávamos os ovos da galinha nos bolsos, e um se revezava na
guarda, para que ninguém percebesse. Assim chegávamos em casa, e
misteriosamente ou fazíamos gemada, ou então cozinhávamos cheios de mistério.
Era um segredo só nosso. A galinha botava na praça, nós roubávamos os ovos, e
com eles nos alimentávamos. Era uma aventura incrível.
Hoje, ao passar pela praça, a igreja está iluminada. Uma luz à direita,
uma luz à esquerda, uma luz ao centro. E de repente, um edifício está surgindo
entre a torre do centro e da direita, cada vez mais alto. Este edifício já tem
uma luzinha de aviso, nenhum avião vai bater no prédio. As torres estão
protegidas, e a minha memória agradece à galinha e ao amigo, que na inocência e
desfrute da democracia, aproveu-se daquilo que era comum à todos, não era uma
galinha dos ovos de ouro, mas salvaguardou a gula, e até mesmo a fome de dois
meninos que brincavam inocentemente numa praça que era comum à todos.
Nas noites de lua cheia, e até mesmo sob a neblina do inverno, fico
feliz ao ver que depois de muitos anos apagadas, os administradores da igreja
resolveram iluminar nossa bela Matriz, que no próximo ano completará 137 anos
de existência, pois foi edificada em 1883, mas lamentavelmente nem o clero e
muito menos os padres, e nem mesmo os fiéis sabem disso.
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