Pesquisar este blog

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Minha cidade tem história!, por Neri de Paula


Sempre que volto de algum jantar entre amigos, ou de uma parada no S.O.S Bar, cujo lugar me lembra que Paris é aqui, gosto de caminhar com passos curtos e passar lentamente olhando as torres da Matriz Senhor Bom Jesus. É uma igreja meio gótica. Quando digo isso, é porque tem uma influência da arquitetura de Brasília, as torres são retas e sem curvas, e sem os adornos góticos das antigas igrejas. Em resumo, é uma mistura da antiga moderna arquitetura dos tempos de Brasília ala Niemeyer, sem os efeitos góticos das igrejas alemãs. Enfim, é única. Os edifícios que foram se erguendo e que tentam dizer que minha cidade está se modernizando, ainda não apaga por completo as tradições: festas da igreja, procissões, romarias, tradições estas que se estendem. Estão vivas na festa de São Roque, protetor da garganta, no Barro Preto, já cinquentenária. E outras mais que se estendem em tantas outras comunidades... É um ato de sabor e fé. Mas poucos sabem que a Matriz Senhor Bom Jesus, primeiramente foi erigida em 1883, e era de madeira. Diz a lenda que em mil novecentos e cinquenta e lá vai pedrada, ela pegou fogo. Reza esta lenda, que uma cabrita entrou na igreja para comer as flores que estavam no altar, derrubou as velas, e então a igreja foi vorazmente destruída pelo fogo. No mesmo lugar, durante quase duas décadas a comunidade foi erguendo lentamente, passo a passo, a Matriz que ainda hoje não foi engolida pelos arranha-céus.

Logo que retornei, somente uma torre tinha luz, mas a principal não tinha. Vez que outra, ficava admirado quando a lua cheia a iluminava por completo, e preocupado ficava: a torre mais alta não tem luz! Vai que um avião desavisado atravesse a torre maior ao meio? Menos mal, agora tem. Pensei então: os padres acordaram, e iluminaram a igreja por completo, e até o relógio funciona. Um tempo atrás subimos eu, Renan e Maria Zolet, até o ponto máximo das torres. Lá no sino, cravado em bronze, o nome de centenas de famílias que ao longo do tempo patrocinaram não só os sinos, mas a própria construção. Foram anos de festas e contribuições. Acho que era um tempo em que quem ajudava a construir uma igreja, ganhava um espaço no céu. Nos tempos de hoje, quase todo mundo sabe que o dinheiro não compra e não dá legitimidade aos crimes e pecados. A Matriz, da qual poucos sabem que foi erigida nos tempos do império, lá em 1883, nos tempos de hoje, continuam a ver a cidade crescer verticalmente em torno dela, e à frente dela, se estende uma praça que teve outros nomes no passado, mas que em algum momento, talvez para brindar a liberdade, tornou-se efetiva como Praça Tiradentes. “Liberdade, antes que tardia”. Em outros tempos, essa praça teve jardins belíssimos, esculturas incríveis feitas de cerca-viva... Na década de 70, eu, bem menino, arregalava os olhos para ver o desfile das saias hippies e floreadas das moças, e das largas Pantalonas dos rapazes.

Nesse tempo de criança, eu e um outro amigo, descobrimos que atrás do palco, ou quer seja, de um elevado para discursos políticos e patrióticos, tinha um ninho de galinha, recheado de ovos. Eu e meu amigo, depois de brincarmos por horas nos brinquedos da praça, tínhamos uma missão: roubar dois ou três ovos para o final de semana, para que escondidos, fazermos gemada ou cozinhá-los. Se a galinha botou na praça, os ovos eram públicos, e se nós descobrimos, não estávamos roubando nada. Mas a moral era rígida, então furtávamos por longos fins de semana, um pouquinho por vez. A ingenuidade era tanta, que colocávamos os ovos da galinha nos bolsos, e um se revezava na guarda, para que ninguém percebesse. Assim chegávamos em casa, e misteriosamente ou fazíamos gemada, ou então cozinhávamos cheios de mistério. Era um segredo só nosso. A galinha botava na praça, nós roubávamos os ovos, e com eles nos alimentávamos. Era uma aventura incrível.

Hoje, ao passar pela praça, a igreja está iluminada. Uma luz à direita, uma luz à esquerda, uma luz ao centro. E de repente, um edifício está surgindo entre a torre do centro e da direita, cada vez mais alto. Este edifício já tem uma luzinha de aviso, nenhum avião vai bater no prédio. As torres estão protegidas, e a minha memória agradece à galinha e ao amigo, que na inocência e desfrute da democracia, aproveu-se daquilo que era comum à todos, não era uma galinha dos ovos de ouro, mas salvaguardou a gula, e até mesmo a fome de dois meninos que brincavam inocentemente numa praça que era comum à todos.

Nas noites de lua cheia, e até mesmo sob a neblina do inverno, fico feliz ao ver que depois de muitos anos apagadas, os administradores da igreja resolveram iluminar nossa bela Matriz, que no próximo ano completará 137 anos de existência, pois foi edificada em 1883, mas lamentavelmente nem o clero e muito menos os padres, e nem mesmo os fiéis sabem disso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário