Ensinem
afeto nas escolas. Os bons profissionais precisam ser, antes de tudo, bons
seres humanos
Ana
Helena Lopes
Um médico que saiba calcular
as doses do medicamento é um bom profissional, mas um médico que saiba dosar as
palavras na hora de dar um diagnóstico terrível é um bom ser humano.
Um professor que saiba transmitir o conteúdo é um bom profissional, mas
um professor que consiga transformar o conteúdo de cada aluno é um bom ser
humano. Um repórter que cubra notícias com informações precisas é um bom
profissional, mas um repórter que se (re)descubra fazendo uma matéria é um bom
ser humano. Um policial que resgata uma criança sequestrada é um bom
profissional, mas um policial que se emocione enquanto entrega a criança de
volta para a mãe é um bom ser humano.
É que acontece que bons profissionais são confundidos com máquinas –
precisas, frias e incansáveis – e, por isso, ecoa pelo mundo inteirinho um
pedido: ensinem afeto nas escolas. Precisamos formar seres humanos. Os bons
profissionais precisam ser, antes de tudo, bons seres humanos.
A matemática não basta se as
contas não servirem para mostrar como a divisão do dinheiro é injusta, como uns
poucos ganham muito e uns muitos ganham pouco.
A história não é suficiente se os livros não contarem que os povos
indígenas já moravam aqui antes de serem descobertos e roubados e explorados
pelos europeus. A gramática não serve de nada se as regras não explicarem que
pode haver um sujeito oculto sentado ao lado da sua carteira e você nem notou
que ele também gosta de conversar, de dar risadas e de trocar figurinhas na
hora do recreio.
Ensinar afeto é tarefa
complexa, muito mais que as matérias que são ensinadas na escola. Porque
ensinar afeto é abrir a porta para os sentimentos, é se colocar na pele do
outro, é sofrer com a dor do colega, é se alegrar com a conquista do amigo. É
reservar um tempo para olhar para o céu, para acompanhar a formiguinha
trabalhando, a flor se abrindo, o feijãozinho crescendo no algodão. É dar a
mão, o colo, o abraço, o calor.
Ensinar afeto é explicar que tudo bem sentir medo, que não é o fim do
mundo tirar uma nota baixa na prova, que não tem problema errar, que não faz
mal algum cair e que é permitido pedir ajuda.
Aliás, ensinar afeto é compartilhar diferentes maneiras de ajudar e de
ser ajudado. É entender que a gente também está vivendo e errando e aprendendo
durante a viagem e não vale focar apenas na chegada.
Eu sei, isso não cai no vestibular, nem no concurso público. Isso não
conta muitos pontos no Lattes e nem faz o perfil no Linkedin ganhar mais visualizações.
Isso não é pré-requisito para a vaga disputada e isso não é diferencial no
processo seletivo. Isso não aumenta as chances de passar de ano e nem de ser
escolhido para a entrevista de emprego.
Mas é que isso não tem nada a ver com passar na frente, com ser
escolhido, com se dar bem no mercado de trabalho, com virar bicho na faculdade.
Isso tem a ver com ser humano.
E, no fim, afeto é tudo o que importa, acredite! Você vai preferir
encontrar pela vida bons seres humanos do que bons profissionais.
Acontece que só consegue ensinar afeto quem aprendeu a escutar (pois já
não bastava apenas ouvir), quem aprendeu a enxergar (pois já não bastava apenas
ver), quem aprendeu a sentir (pois não bastava apenas tocar).
E coisas como o afeto, depois
que se aprende, nunca mais se esquece, feito andar de bicicleta: a gente passa
a usar os ouvidos da alma e os olhos do coração.
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