Sempre pensei que fosse sábio
desconfiar de quem não lê literatura. Ler ou não ler romances é para mim um critério.
Quer saber se tal político merece seu voto? Verifique se ele lê literatura. Quer
escolher um psicanalista ou um psicoterapeuta? Mesma sugestão. E, cuidado, o
hábito de ler, em geral, pode ser melhor do que o de não ler, mas não me basta:
o critério que vale para mim é ler especificamente literatura – ficção
literária.
Você dirá que estou apenas
exigindo dos outros que eles sejam parecidos comigo. E eu teria de concordar,
salvo que acabo de aprender que minha confiança nos leitores de ficção
literária é justificada. Algo que eu acreditava intuitivamente foi confirmado
em pesquisa que acaba de ser publicada pela revista Science, reading literary fiction improves theoryof mind [Ler
ficção literária melhora a teoria da mente], de David C. Kidd e Emanuele
Castano. Kidd e Castano aplicaram esses testes em diferentes grupos, criados
a  partir 
de  uma  amostra 
homogênea:  1)  um 
grupo  que  acabava 
de  ler  trechos 
de  ficção  literária, 
2)  um grupo  que  acabava  de 
ler  trechos  de 
não  ficção,  3) 
um  grupo  que 
acabava  de  ler 
trechos  de  ficção popular,  4) 
um  grupo  que 
não  lera  nada. 
Conclusão:  os  leitores 
de  ficção  literária 
enxergam  melhor  a complexidade  do outro 
e, com  isso, podem  aumentar 
sua  empatia  e  seu  respeito 
pela  diferença de  seus semelhantes.  Com um pouco de otimismo, seria possível apostar
que ler literatura seja um jeito de se precaver contra sociopatia e psicopatia*.
A pesquisa mede o efeito imediato da leitura de trechos literários.  Não sabemos se existem efeitos cumulativos da
leitura passada: o que importa não é se você leu, mas se está lendo. A pesquisa
constata também que a ficção popular não tem o mesmo efeito da literária. A diferença
é explicada assim: a leitura de ficção literária nos mobiliza para entender a
experiência das personagens.  Segundo os
pesquisadores, “contrariamente à ficção literária,
a ficção popular tende a retratar o mundo e as personagens como internamente consistentes
e previsíveis. Ela pode confirmaras expectativas do leitor em vez de promover o
trabalho de sua teoria da mente”. 
Na próxima vez em
que eu for chamado a sabatinar um candidato a um emprego, não me esquecerei de
perguntar: qual é o romance que você está lendo?
Contardo
Calligaris. Adaptado de www1.folha.uol.com.br. 
*
Sociopatia e psicopatia: doenças psicológicas caracterizadas pelo comportamento
antissocial

 
Nenhum comentário:
Postar um comentário