Pesquisar este blog

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Você é o que você lê


Sempre pensei que fosse sábio desconfiar de quem não lê literatura. Ler ou não ler romances é para mim um critério. Quer saber se tal político merece seu voto? Verifique se ele lê literatura. Quer escolher um psicanalista ou um psicoterapeuta? Mesma sugestão. E, cuidado, o hábito de ler, em geral, pode ser melhor do que o de não ler, mas não me basta: o critério que vale para mim é ler especificamente literatura – ficção literária.
Você dirá que estou apenas exigindo dos outros que eles sejam parecidos comigo. E eu teria de concordar, salvo que acabo de aprender que minha confiança nos leitores de ficção literária é justificada. Algo que eu acreditava intuitivamente foi confirmado em pesquisa que acaba de ser publicada pela revista Science, reading literary fiction improves theoryof mind [Ler ficção literária melhora a teoria da mente], de David C. Kidd e Emanuele Castano. Kidd e Castano aplicaram esses testes em diferentes grupos, criados a  partir  de  uma  amostra  homogênea:  1)  um  grupo  que  acabava  de  ler  trechos  de  ficção  literária,  2)  um grupo  que  acabava  de  ler  trechos  de  não  ficção,  3)  um  grupo  que  acabava  de  ler  trechos  de  ficção popular,  4)  um  grupo  que  não  lera  nada.  Conclusão:  os  leitores  de  ficção  literária  enxergam  melhor  a complexidade  do outro  e, com  isso, podem  aumentar  sua  empatia  e  seu  respeito  pela  diferença de  seus semelhantes.  Com um pouco de otimismo, seria possível apostar que ler literatura seja um jeito de se precaver contra sociopatia e psicopatia*. A pesquisa mede o efeito imediato da leitura de trechos literários.  Não sabemos se existem efeitos cumulativos da leitura passada: o que importa não é se você leu, mas se está lendo. A pesquisa constata também que a ficção popular não tem o mesmo efeito da literária. A diferença é explicada assim: a leitura de ficção literária nos mobiliza para entender a experiência das personagens.  Segundo os pesquisadores, “contrariamente à ficção literária, a ficção popular tende a retratar o mundo e as personagens como internamente consistentes e previsíveis. Ela pode confirmaras expectativas do leitor em vez de promover o trabalho de sua teoria da mente”.
Na próxima vez em que eu for chamado a sabatinar um candidato a um emprego, não me esquecerei de perguntar: qual é o romance que você está lendo?

Contardo Calligaris. Adaptado de www1.folha.uol.com.br.

* Sociopatia e psicopatia: doenças psicológicas caracterizadas pelo comportamento antissocial

Nenhum comentário:

Postar um comentário