Boaventura Sousa Santos
O mundo contemporâneo exige que pensemos,
mas priva-nos frequentemente das
condições para pensar.
Recentemente, os cientistas sociais do CEDEC, um prestigiado centro de investigação sociológica do Brasil, propuseram-me que, juntamente com eles, tentasse responder à pergunta: porquê pensar? O interesse específico deles era encontrar razões e caminhos para pensar o Brasil, mas queriam encontrá-los a partir de uma reflexão mais geral sobre porquê e como pensar as sociedades dos nossos dias e a nossa existência pessoal nelas. A pergunta soa necessariamente estranha num tempo em que tanto se fala da sociedade de informação e do conhecimento, a qual conota o triunfo do esforço mental sobre o esforço físico, num tempo que se diz autorreflexivo, em que os indivíduos se assumem cada vez mais como sujeitos autônomos, senhores das suas escolhas, capazes de usar a reflexão para alterarem, tanto os processos de trabalho, como as trajetórias de vida. A verdade é que, num tempo que parece exigir o pensamento ativo de todos nós, são muitos, talvez a grande maioria da população mundial, que não têm condições para pensar pelas mais variadas razões: porque estão demasiado subnutridos para terem sequer energia para pensar; porque vivem um quotidiano tão cansativo e absorvente que não lhes deixa tempo para pensar; porque na ânsia de fruir a sociedade de consumo, pensam que parar para pensar seria um desperdício; porque acreditam que os meios de comunicação social e as elites políticas e culturais pensam por eles tudo o que há a pensar. Por isso, aceitei o repto e eis algumas das respostas que propus para a pergunta: por quê pensar?
Primeira resposta: porque as condições que destroem a capacidade ou a disponibilidade de pensar destroem também a vida, a qualidade de vida e sobretudo a felicidade. Vivemos num mundo que tanto esgota as pessoas pelo trabalho como pela falta dele. Crescentemente, o bem estar mínimo é obtido à custa de fortes doses de medicalização.
Segunda resposta: porque não podemos confiar em quem pensa por nós. Nunca como hoje o pensamento público esteve tão ligado a interesses minoritários mas poderosos que avaliam a sociedade — quer pelo que mostram dela, quer pelo que ocultam — em função dos benefícios que podem colher dela. Promovem o conformismo (a aceitação do que existe), o situacionismo (a celebração do que existe) e o cinismo (o conformismo com má consciência).
Terceira resposta: porque nem tudo está pensado. O possível, por ter mais energia, é mais rico que o real. Por isso, não é legítimo reduzir o real ao que existe. Há alternativas e o importante é que o pensar que os permite ver seja o mesmo que os permite avaliar. Só assim poderemos distinguir as boas das más alternativas.
Quarta resposta: porque pensar não é tudo. A lucidez das nossas ações pressupõe que elas sejam pensadas, mas se forem só pensadas nunca serão ações. É preciso agir e sentir porque o pensamento só é útil a quem não se fica pelo pensar. Aqueles que se arrogam a só pensar, passam a vida a espalhar a morte no que escrevem, a mesma morte que está dentro deles.
Quinta resposta: porque as ações lúcidas não conduzem sempre a resultados lúcidos. Quantas causas nobres terminaram em crimes hediondos? De quantas boas ações está o inferno cheio? O lado mais positivo do mundo em que vivemos reside em que aqueles que o querem mudar para melhor não dispensam ter razões para o que fazem e para o que é feito em nome deles.
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