Politicamente
incorreto: 14 músicas antigas que nunca seriam lançadas hoje
Letras
sexistas, machistas, racistas e homofóbicas eram comuns no passado, mas a luta
pela igualdade social não permite mais isso
Yolanda
Reis Publicado no Site Rolling Stone
Os Beatles em cena de
A Hard Day's Night, de 1964, ano de lançamento
de "You Can't Do That"
(Foto: Divulgação)
Desde a Constituição de 1988 e uma nova nação focada, idealmente, em
igualdade e direitos humanos, assuntos de preconceito e violência ganham
espaço. Mesmo assim, o Brasil é um dos piores lugares em relação à violência
contra minoria sociais. Somos o país que mais mata pessoas LGBTQ+, temos também
uma taxa de feminicídio (homicídio de mulher estimulado pelo gênero) 74% maior
do que a média mundial, além de um racismo estrutural resultante de uma
abolição tardia da escravidão e uma negligência com a reintegração na
sociedade.
Historicamente, porém, o Brasil não tem ações diretas para combater
esses problemas. A violência contra a mulher, por exemplo, só ganhou sua
principal lei, chamada Maria da Penha, em 2006 - pouco mais de uma década
atrás, e ainda não faz um ano que nasceu uma lei contra importunação sexual. Em
relação a questão de preconceito contra LGBTQ+, não há ainda uma lei específica
de criminalização - uma votação corre na justiça, mas o presidente Jair
Bolsonaro acredita que é uma decisão “errada” tratar o ato como criminoso. Já o
preconceito racial é um crime desde 1988, mas não há medidas efetivas em vigor
e as políticas públicas de inclusão social são menosprezadas - e não à toa, 71%
das pessoas que são assassinadas no Brasil são pretas ou pardas.
O Brasil enfrentou, e ainda enfrenta, muitos problemas de discriminação.
Mas, nos últimos anos, com leis e conscientização social, o panorama, aos
poucos, ganha esperança de mudança. O preconceito e a violência com minorias
sociais agora gera respostas - vide os movimentos de exposição de abusos sexual
e a mudança dos “rostos padrão” de toda a mídia, além da inclusão crescente da
comunidade LGBTQ+ em pautas governamentais e culturais, e a discussão em âmbito
governamental para fim da violência dessas minorias.
Com esse crescimento de conscientização, algumas atitudes que eram
aceitas antes não seriam hoje. Como exemplo, separamos 14 músicas antigas,
lançadas entre 1929 e 1999, com teor racista, sexista, machista e homofóbicos
que provavelmente (e ainda bem) não veriam a luz do dia em 2019. Veja trechos:
“Esporrei na Manivela” (1995),
Raimundos
A música fala sobre um problema tão sério no Brasil que gerou a Lei de
Importunação Sexual em 2018: abuso, muitas vezes sem contato físico direto, em
público. Na letra, o eu-lírico conta a história de como ele entrou em um trem,
colocou o pênis para fora da calça e encoxou as mulheres que estavam ali.
“O coletivo é muito bom para
sarrar /
Pois o povo aglomerado sempre
tende a se esfregar /
Com as nega véia é perna aqui
perna acolá /
E se a xereca é mal lavada faz
a ricota suar /
Se é nos calombos ou nas
freiadas /
Se é nas curvas ou nas
estradas /
São situações propícias para o
ato de sarrar /
No coletivo o que manda é a
lei do pau /
Quem tem esfrega nos outros /
Quem não tem só se dá mal”
Ciúme (1985), Ultraje a Rigor
De moderninha, não tem nada. A letra da canção cai em uma armadilha que
tenta destruir - um cara tentando não ser machista, mas sendo extremamente
machista. O eu-lírico não quer controlar a namorada, mas não gosta nem de
deixá-la sair, e não quer que ela tenha amigos.
"Eu quero levar uma vida
moderninha /
Deixar minha menininha sair
sozinha /
Não ser machista e não bancar
o possessivo /
Ser mais seguro e não ser tão
impulsivo /
Mas eu me mordo de ciúme /
[...]
Ela me diz que é muito bom ter
liberdade /
E que não há mal nenhum em ter
outra amizade /
E que brigar por isso é muita
crueldade /
Mas eu me mordo de ciúme"
Me Lambe (1999), Raimundos
Além de ser bem sexista, a letra de "Me Lambe" ainda normaliza
o relacionamento sexual entre um adulto e uma mulher menor de idade. Enquanto
isso, o Brasil é o 11º país com mais casos de abuso sexual de menores de idade,
cerca de 50 denúncias por dia. Porém, historicamente, a maioria dos casos de
abuso infantil não são denunciados, portanto é impossível saber o número real.
“O quê o que que essa criança
tá fazendo aí toda mocinha? /
Vê, já sabe rebolar, e hoje em
dia quem não sabe /
Se ela der mole eu juro que eu
não faço nada /
Dá cadeia e é contra o costume
/
Mas se eu tiver na rua e ela
de mão dada com outro cara eu morro de ciúme!
[...]
Me fala a verdade, quantos
anos você tem? /
Eu acho que com a sua idade /
Já dá pra brincar de fazer
neném /
Como a vista é linda da roda
gigante é tão grande /
Acho que ela viajou que eu era
um picolé me lambe /
No parque de diversões foi que
ela virou mulher das forte /
Menina pega a boneca e bota
ela de pé”
“Run for your Life” (1966), Beatles
Já foi permitido por lei, aqui no Brasil, matar uma mulher que traísse.
E mesmo anos e anos depois disso ser proibido, em média, a cada quatro horas,
uma mulher é morta no Brasil por alguém que é próximo dela, normalmente um
cônjuge. Portanto, na letra de “Corra Por Sua Vida”, é muito difícil ver o
humor que muitas vezes alegam que músicas do teor têm.
“Bom, eu preferia te ver
morta, garotinha /
Do que te ver com outro homem
/
Melhor ficar esperta,
garotinha /
Ou você não vai saber que
estou aqui /
Melhor correr por sua vida,
garotinha /
Se esconda, garotinha /
Se eu te pegar com outro homem
/
É o seu fim, garotinha”
“Faixa Amarela” (1999), Zeca
Pagodinho
A música começa como uma declaração de amor, com um homem querendo
encher a mulher de presentes e adorá-la, mas no meio tem uma ameaça de
espancamento se ela "vacilar" com ele.
“Mas se ela vacilar, vou dar
um castigo nela /
Vou lhe dar uma banda de
frente /
Quebrar cinco dentes e quatro
costelas /
Vou pegar a tal faixa amarela
/
Gravada com o nome dela /
E mandar incendiar /
Na entrada da favela”
“Amor de Malandro” (1929),
Chico Alves
A estimativa é de que apenas metade dos casos de violência contra a
mulher sejam denunciados. Mesmo assim, em 2014, 405 mulheres eram atendidos em
postos públicos de saúde todos os dias, a maioria vítima de espancamento - 70%
causados por parceiros ou ex-parceiros. Difícil dizer que amor é violento, mas
é o que o mito do “amor de malandro” diz, desde esta música de Chico Alves e
muitos anos depois, também.
“O amor é o do malandro /
Oh, meu bem /
Melhor do que ele ninguém /
Se ele te bate é porque gosta
de ti /
Pois bater-se em quem não se
gosta /
Eu nunca vi”
“You can't do that” (1964), Beatles
John Lennon e Paul McCartney arrependeram-se de algumas das letras
misóginas dos Beatles - mas, ao mesmo tempo, Lennon disse mais de uma vez que
batia em mulheres. Uma indicação disso talvez fossem as letras em tom de
ameaça, como esta que critica uma mulher por falar com outro homem.
“Eu tenho algo a dizer que
pode lhe causar dor /
Se eu pegá-la falando com
aquele garoto novamente /
Eu vou decepcioná-la /
E deixá-la chateada /
Pois eu já lhe disse /
Você não pode fazer isso”
“O Rock das Aranha” (1980),
Raul Seixas
Este ano, comemoram-se 50 anos do início da luta LGBTQ+ pela igualdade
social. Portanto, uma letra de fetichização de garotas lésbicas não seria bem
quista.
“Subi no muro do quintal /
E vi uma transa que não é
normal /
Eu vi duas mulheres /
Botando aranha prá brigar /
Vem cá mulher deixa de manha /
Minha cobra quer comer sua
aranha /
Meu corpo todo se tremeu /
E nem a cobra entendeu /
Como é que pode duas aranhas
se esfregando /
Eu tô sabendo, alguma coisa tá
faltando”
“Silvia” (1995), Camisa de
Vênus
De novo, um caso de traição sendo tratado com violência - além de um
xingamento gratuito.
“Todo homem que sabe o que
quer /
Pega o pau pra bater na mulher
/
Ô Silvia, piranha! Ô Silvia,
piranha!”
“Mulata Assanhada” (1968),
Elza Soares
Elza Soares é mulher e é negra, mas cantou uma música de Ataulfo Alves
considerada racista e sexista. Fala de uma mulher negra que é linda - a ponto
do eu-lírico não parar de olhar para ela, e desejar até a escravidão para poder
tê-la por força.
“Ai, mulata assanhada /
Ai, meu Deus, que bom seria /
Se voltasse a escravidão /
Eu comprava essa mulata /
E prendia no meu coração /
E depois a pretoria /
É quem resolvia a questão”
“Preto de Alma Branca” (197?),
Tião Carreiro & Pardinho
Os “Reis do Gado” e “inventores do pagode” caíam em estereótipos da
época, e tinham músicas bem racistas e sexistas, inclusive em uma que conta a
história de um trabalhar de fazenda, um homem negro, que é demitido de seu
emprego por estar muito velho mas mesmo assim salva a filha do patrão de um
atropelamento, o que faz dele um “preto de alma branca”.
“Minha Nega na Janela” (1979),
Gilberto Gil e Germano Matias
A música é uma exemplificação bem clara de uma violência doméstica e
sexismo, já que o eu-lirico não quer que sua esposa fique na janela, então ao
vê-la parada, bate nela e a joga na cozinha. Além disso, também tem um teor
racista e compara a mulher, que é negra, a um macaco.
“Minha nega na janela /
Diz que está tirando linha /
Êta nega tu é feia /
Que parece macaquinha /
Olhei pra ela e disse /
Vai já pra cozinha /
Dei um murro nela /
E joguei ela dentro da pia /
Quem foi que disse /
Que essa nega não cabia?”
"One in a Million" (1988), Guns N’ Roses
Na música, Axl Rose canta sobre ser “um garoto branco” de cidade pequena
que tenta se descobrir como pessoa em meio a uma metrópole - mas não gosta de
ver gente diferente, como negros, imigrantes e “bichas”.
“Imigrantes e bichas /
não fazem sentido para mim /
eles vêm ao meu país /
e acham que podem fazer o que
quiserem /
como começar um mini-Irã /
Ou espalhar doenças /
e falam de cada jeito /
é tudo grego para mim”
"Lôraburra" (1993),
Gabriel, O Pensador
A música é bem ofensiva à mulheres. Mas é quase uma menção honrosa nesta
lista, pois Gabriel, O Pensador, sabia bem que as letras não são adequadas para
2019, portanto refez a faixa e arrumou o que tinha de errado. Veja as duas
composições:
“Existem mulheres que são uma
beleza /
Mas quando abrem a boca /
Hmm que tristeza! /
Não não é o seu hálito que
apodrece o ar /
O problema é o que elas falam
que não dá pra aguentar /
Nada na cabeça /
Personalidade fraca /
Tem a feminilidade e a
sensualidade de uma vaca”
“Existem mulheres que são uma
beleza /
Não, hoje eu sei e afirmo com
certeza /
Que a beleza na verdade tá em
toda mulher /
Tá em todos os sentidos, só
não vê quem não quer /
Se quer saber, o quê /
Onde é lugar de mulher /
É na empresa, na balada e mais
onde ela quiser /
Liberdade na cabeça,
personalidade forte”
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