Família é prato difícil de preparar. São muitos
ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano
Novo.
Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família
exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os
segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o
desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação
sobre o que se vai comer e aquele fastio.
Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma
um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o
número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida.
Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais
brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu,
murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele
o surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais
consistente.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A
gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia
a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui,
que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente
na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro
pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é
prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie.
Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho
que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo.
Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.
Trecho do livro: O arroz de Palma, de Francisco Azevedo.
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