Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.
Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em
torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos
seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade… Bem pertinho é modo de
dizer.
Na verdade, o queijo estava imensamente longe porque entre ele e os
ratos estava um gato… O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia
nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se
aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um
ratinho… Os ratos odiavam o gato.
Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum
os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou
sonhavam com um cachorro…
Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos,
denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram
mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia
chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais.
“Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os camundongos,
“então todos serão felizes”…
– O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.
– Socializaremos o queijo, dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções.
Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato
morresse! Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam,
mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não
diminuem: crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: “o
queijo, já!”…
Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa
bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que
nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam
cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era.
O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos
surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados
numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu.
Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos
de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de
crescer, diminuem.
Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco
para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem
inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto queijo
haviam comido. E os olhares se enfureceram.
Arreganharam os dentes. Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios
inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas.
E, ato contínuo, começaram a brigar entre si.
Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se
restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos
seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para
ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo
dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram
condenados a ficar esperando. Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro,
não podiam compreender o que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos
ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato o olhar
malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de
antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença
alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente
que os nomes são tão parecidos.
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