Ave Musa
incandescente
do deserto do Sertão!
Forje, no Sol do meu Sangue,
o Trono do meu clarão:
cante as Pedras encantadas
e a Catedral Soterrada,
Castelo deste meu Chão!
Nobres Damas e Senhores
ouçam meu Canto espantoso:
a doida Desaventura
de Sinésio, O Alumioso,
o Cetro e sua centelha
na Bandeira aurivermelha
do meu Sonho perigoso!
–
Ariano Suassuna, em “Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do
vai-e-volta”. 8ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
§
A Onça, por ser
esperta
A Onça, por ser esperta,
já começa o seu Caminho,
Fez da sua Furna o ninho
e esturra que está alerta!
Será a Cadeia aberta!
Quanto ao Porco, é muito certo:
Fugirá para o Deserto,
e a Onça, com seu bramido,
libertará O Ferido,
o nosso Prinspe-Encoberto!
A Onça vai esturrando
atrás do Porco-selvagem:
matá-lo-á na passagem,
com nosso Prinspe ajudando!
O Rei vai ressuscitando
no Prinspe, sua Criança
E a Espora da remonstrança,
Pedra do Reino e da Prata,
no sangue desta Escarlata
–
Ariano Suassuna, em “Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do
vai-e-volta”. 8ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2006., p. 695.
§
Noturno
Têm para mim Chamados de outro mundo
as Noites perigosas e queimadas,
quando a Lua aparece mais vermelha
São turvos sonhos, Mágoas proibidas,
são Ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse Mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo Aqui.
Será que mais Alguém vê e escuta?
Sinto o roçar das asas Amarelas
e escuto essas Canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.
Diluídos na velha Luz da lua,
a Quem dirigem seus terríveis cantos?
Pressinto um murmuroso esvoejar:
passaram-me por cima da cabeça
e, como um Halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um Fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.
Que vale a natureza sem teus Olhos,
ó Aquela por quem meu Sangue pulsa?
Da terra sai um cheiro bom de vida
e nossos pés a Ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mão…
Mas, não: a luz Escura inda te envolve,
o vento encrespa as Águas dos dois rios
e continua a ronda, o Som do fogo.
Ó meu amor, por que te ligo à Morte?
–
Ariano Suassuna, em “Ariano Suassuna – Um perfil biográfico”, de Adriana Victor
e Juliana Lins, Editora Zahar – 2007, p. 50. (originalmente publicado em
“suplemento cultura, do Jornal do Commercio”, 7/10/1945).
§
Iluminogravura
‘A viagem’, Ariano Suassuna (1980)
A viagem
[Com mote de Fernando Pessoa]
Meu sangue, do pragal das Altas Beiras,
boiou no Mar vermelhas Caravelas:
À Nau Catarineta e à Barca Bela
late o Potro castanho de asas Negras.
E aportou. Rosas de ouro, azul Chaveira,
Onça malhada a violar Cadelas,
Depôs sextantes, Astrolábios, velas,
No planalto da Pedra sertaneja.
Hoje, jogral Cigano e tresmalhado,
Vaqueiro de seu couro cravejado.
Com Medalhas de prata, a faiscar,
bebendo o Sol de fogo e o Mundo oco,
meu coração é um Almirante louco
Que abandonou a profissão do Mar.
–
Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e
iluminogravura pelo autor, 1980.
§
Iluminogravura,
‘A Infância’, Ariano Suassuna (1983)
A infância
[Com mote de Maximiano Campos]
Sem lei nem Rei, me vi arremessado
bem menino a um Planalto pedregoso.
Cambaleando, cego, ao Sol do Acaso,
vi o mundo rugir. Tigre maldoso.
O cantar do Sertão, Rifle apontado,
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.
E veio o Sonho: e foi despedaçado!
E veio o Sangue: o marco iluminado,
a luta extraviada e a minha grei!
Tudo apontava o Sol! Fiquei embaixo,
na Cadeia que estive e em que me acho,
a Sonhar e a cantar, sem lei nem Rei!
– Ariano Suassuna, “Poemas”. [seleção e notas de Carlos Newton Júnior].
Recife: Editora Universitária da UFPE, 1999.
§
Iluminogravura
‘A estrada’, Ariano Suassuna
A estrada
[Com mote de augusto dos
anjos]
No relógio do Céu, o Sol ponteiro
Sangra a Cabra no estranho céu chumboso.
A Pedra lasca o Mundo impiedoso,
A chama da Espingarda fere o Aceiro.
No carrascal do sol, azul braseiro,
Refulge o Girassol rubro e fogoso.
Como morrer na sombra do meu Pouso?
Como enfrentar as flechas desse Arqueiro?
Lá fora, o incêndio: o roxo lampadário
das Macambiras rubras e auri-pardos
Anjos-diabos e Tronos-vai queimando.
Sopra o vento – o Sertão incendiário!
Andam monstros sombrios pela Estrada
e, pela Estrada, entre esses Monstros, ando!
–
Ariano Suassuna, “Poemas”. [seleção e notas de Carlos Newton Júnior]. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 1999.
§
Iluminogravura
‘O sol de Deus’, Ariano Suassuna
O sol de Deus
[Com tema de Renato Carneiro
Campos]
Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.
Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao som do Sino.
Verei o Jaguapardo e a luz da Tarde,
Pedra do Sonho e cetro do Divino.
Ela virá-Mulher- aflando as asas,
com o mosto da Romã, o sono, a Casa,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.
Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.
–
Ariano Suassuna, “Poemas”. [seleção e notas de Carlos Newton Júnior]. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 1999.
§
Iluminogravura
‘O amor e a morte’, Ariano Suassuna
O amor e a morte
[Com tema de Augusto dos
Anjos]
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruivo Leoparda.
O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.
Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.
E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.
–
Ariano Suassuna, “Poemas”. [seleção e notas de Carlos Newton Júnior]. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 1999.
§
Iluminogravura
‘O mundo do Sertão’, Ariano Suassuna (1980)
O mundo do Sertão
[com tema do nosso armorial]
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.
Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.
E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,
o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
–
Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e
iluminogravura pelo autor, 1980.
§
Dístico
Sob o Sol deste Pasto Incendiado,
montado para sempre num Cavalo
que a Morte lhe arreou,
vê-se, aqui, quem, na vida, bravo, ardente
e indeciso, sonhou.
Pelas cordas-de-prata da Viola,
os cantares-de-sangue e o doido riso
de seu Povo cantou.
Foi dono da Palavra de seu tempo,
Cavaleiro da gesta sertaneja,
Vaqueiro e caçador.
Se morreu moço e em sangue, teve tempo
de governar seus pastos e rebanhos,
e a feiosa velhice
jamais o degradou.
Glória, portanto, à Morte e a suas garras,
pois, ao sagrá-lo, assim, da vida ao meio,
do Desprezo o salvou:
poupou-lhe a Cinza triste, a Decadência,
gravou sua grandeza em pedra e fogo,
e assim a conservou.
–
Ariano Suassuna (9 de outubro de 1970), “Poemas”. [seleção e notas de Carlos
Newton Júnior]. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1999.
A mulher e o reino
Oh! Romã do pomar, relva esmeralda
Olhos de ouro e azul, minha alazã
Ária em forma de sol, fruto de prata
Meu chão, meu anel, cor do amanhã
Oh! Meu sangue, meu sono e dor, coragem
Meu candeeiro aceso da miragem
Meu mito e meu poder, minha mulher
Dizem que tudo passa e o tempo duro
tudo esfarela
O sangue há de morrer
Mas quando a luz me diz que esse ouro puro se acaba pôr finar e
corromper]
Meu sangue ferve contra a vã razão
E há de pulsar o amor na escuridão
– Ariano Suassuna, “Poemas”. [seleção e notas de Carlos Newton Júnior].
Recife: Editora Universitária da UFPE, 1999.
§
Iluminogravura
‘A Acauhan – A malhada da onça’, Ariano Suassuna
A Acauhan – A
malhada da onça
[Com mote de Janice Japiassu]
Aqui morava um Rei quando eu menino:
vestia ouro e Castanho no gibão.
Pedra da sorte o meu Destino
pulsava, junto ao meu, seu Coração.
Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava, com voz rouca, o Desatino,
o sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu Pai. Desde esse dia
eu me vi como um Cego sem meu guia
que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
Ele a Brasa que impele ao fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto ensanguentado.
– Ariano Suassuna, “Dez
Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e iluminogravura pelo
autor, 1980.
§
Abertura sob a pele
de ovelha
Falso Profeta, insone, Extraviado,
vivo, Cego, a sondar o Indecifrável:
e, jaguar da Sibila — inevitável,
meu Sangue traça a rota deste Fado.
Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado,
busco a Estrela que chama, inapelável.
E a Pulsação do Ser, Fera indomável,
arde ao sol do meu Pasto — incendiado.
Por sobre a Dor, a Sarça do Espinheiro
que acende o estranho Sol, sangue do Ser,
transforma o sangue em Candelabro e Veiro.
Por isso, não vou nunca envelhecer:
com meu Cantar, supero o Desespero,
sou contra a Morte e nunca hei de morrer.
–
Ariano Suassuna, “Poemas”. [seleção e notas de Carlos Newton Júnior]. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 1999.
§
Iluminogravura
‘A Morte – A Moça Caetana’, Ariano Suassuna (Recife, 1980)
A morte – A Moça
Caetana
[Com tema de Deborah Brennand]
Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.
Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.
Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,
pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.
–
Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e
iluminogravura pelo autor, 1980.
§
Iluminogravura
‘Lápide’, Ariano Suassuna
Lápide
[Com tema de Virgílio, o
Latino, e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo]
Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.
Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.
Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido
que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!
–
Ariano Suassuna, “Poemas”. [seleção e notas de Carlos Newton Júnior]. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 1999.
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