“A vida é assim: esquenta e
esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da
gente é coragem.”
– Grande Sertão: Veredas,
Guimarães Rosa.
Sempre me pego pensando sobre o sentido da vida. Pergunto-me se
cumprimos um destino ou se fazemos o nosso próprio destino, se há um sentido
maior para tudo que fazemos ou se estamos apenas flutuando na brisa, se a vida
vale à pena ou se é uma causa perdida. Estamos sempre com pressa, correndo aqui
e acolá, em tentativas desesperadas de encontrar um lugar para nos encaixar, de
sermos mais amados, de prolongar os instantes de eternidade que escoam pelas
nossas mãos.
A complexidade da vida não permite que consigamos defini-la em um único
sentido, já que somos precários e finitos, de tal modo que nunca conseguiremos
ter a totalidade do que a define. Assim como, nunca estivemos do outro lado
para saber o que de fato nos espera. Dessa maneira, a única certeza que
possuímos é que estamos vivos e que enquanto estamos vivos, devemos impor à
vida, que por ora possuímos, a grandeza que ela necessita.
Se devemos ter uma vida grandiosa, consequentemente, algo, a meu ver,
nós podemos concluir: a vida não é uma causa perdida. Por mais que na maior
parte do tempo encontremos um mundo duro e seco, que vai aos poucos minando o
nosso interesse e, sobretudo, a nossa capacidade de sentir; a vida está cheia
de belezas e magia. O grande problema é que estamos sempre ocupados demais para
perceber as alegrias que a vida nos proporciona. Possuímos uma cegueira
seletiva, a qual não nos permite enxergar o que é essencial na vida.
As nossas vidas burocráticas e automatizadas retiram a sensibilidade e a
poesia que possibilitam o olhar lúdico sobre as coisas e que nos permite
reparar nos pequenos prazeres da vida, os quais escondem a verdadeira beleza e
felicidades que esta possui. Por que uma criança fica encantada com a chuva,
com uma flor ou com um pássaro? Por que as crianças se divertem fazendo
desenhos ou comendo um biscoito? Porque em tudo isso há beleza, no entanto, conforme
vamos “crescendo”, vamos deixando a criança que há em nós morrer e, assim,
deixamos de enxergar o mundo de forma poética, isto é, com o coração, para tão
somente vê-lo com os olhos. É por esse motivo que Saint-Exupéry dedicou “O
Pequeno Príncipe” à criança que seu amigo Léon Werth foi um dia, já que para
enxergar o que há de belo no mundo, deve-se necessariamente se olhar com o
coração.
O olhar poético não torna o mundo mais belo por ser mais ingênuo, e sim
por ser mais lúcido, uma vez que percebe todas as tristezas que retiram nossa
potência e nossa vontade de viver, bem como, enxerga as verdadeiras belezas da
vida, desvinculadas das mentiras disfarçadas de felicidade que nós adultos
compramos para preencher o nosso vazio. Sendo assim, é preciso coragem para ser
criança e explorar a vida, com curiosidade para descobrir o que ela esconde,
permitindo-se estar sem a padronização da vida adulta, apenas brincando de
forma distraída, já que como bem atenta Guimarães Rosa: “Alegria só em raros momentos de
distração”.
Até que o ciclo se encerre e os sinos toquem, a vida é como uma noite
fria puxando o nosso cobertor, cheia de dor e penúria. É o abismo que olha
profundamente nossos olhos numa tentativa de sedução. É tristeza, porque há
tanto para se fazer em apenas uma vida. Todavia, a vida é também um desafio que
está repleto de alegria. É a aurora que vem sobre as colinas toda manhã, é o
canto dos pássaros, é o cheiro da chuva, é a conversa gostosa, é o abraço
apertado, é o riso demorado. Até a morte a vida pode não ter um sentido maior,
mas ela não é uma causa perdida, porque o que é essencial está a nossa espera
em raros momentos de distração se estivermos atentos observando com os olhos
poéticos do coração.
Até que o ciclo se encerre e os sinos toquem ou até a morte, a vida é
cheia de momentos tristes, de perdas e derrotas que nos levam para o fundo do
poço, que tornam nosso coração tão seco e quebradiço que perdemos a capacidade
de sentir. Mas é também uma experiência maravilhosa, repleta de momentos de
felicidades que representam a eternidade que possuímos. Até a morte a vida é
sinuosa e complexa, sem qualquer manual de instrução, mas, como dito, para quem
sabe prestar atenção, ela está repleta de alegria e é isso que a torna bela e
grande. Assim, a grandeza da vida consiste em ter a coragem de nunca deixar a
criança que existe em nós morrer para que sempre consigamos ter poesia nos
olhos e enxergar as felicidades, pois lembrando mais uma vez Guimarães Rosa:
“A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e
depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
*ERICK
MORAIS
Um
menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida…
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