Vem ganhando força em
instituições de ensino de todo o mundo a avaliação por competências, uma
abordagem alinhada à educação de hoje e do futuro
Instituto
Singularidades
Uma abordagem que leva em conta as competências e aptidões dos alunos e
não apenas suas notas vem ganhando corpo em escolas, universidades e mesmo no
ambiente corporativo, como explica o professor Lucius Provase. É a avaliação
por competências.
Segundo ele, trata-se de um sistema recente, mas que leva em conta
aspectos educacionais para os quais a educação tradicional ainda não se abriu,
como o feedback dado pelo professor ao aluno. Conversamos com Provase, que
ministrará o curso de verão Avaliação baseada em competências – da nota ao
aprendizado, e ele nos explicou outros aspectos deste método de avaliação tão
alinhado com a escola do futuro. Leia mais na sequência.
A avaliação por competências é
uma forma muito mais alinhada com a escola dos dias de hoje e do futuro. Como
ela foi construída?
A educação baseada em competências é recente na formulação precisa e
objetiva como agora vemos, mas sua origem pode ser retomada nas discussões
sobre aprendizagem desde o início do século XX, principalmente nos Estados
Unidos, quando a ideia de “mastery” ganhava
força.
Alguns dos seus pilares, no entanto, como o feedback no centro da aprendizagem, objetivos de aprendizagem
claros e explícitos e a crença de que qualquer aluno ou aluna pode dominar uma
competência, habilidade ou conceito, o backward
design e, principalmente, a
organização a partir da aprendizagem e não do horário, são compartilhados por
abordagens pedagógicas dos países que dominam os rankings de avaliações
internacionais como Finlândia, Estônia e Coreia do Sul.
Da maneira como se organiza hoje, podemos dizer que foi uma sequência de
tentativas e erros dos governos norte-americanos, não apenas no âmbito federal,
mas também nos estados, já que os EUA são uma federação e os estados têm
autonomia para tomar decisões sobre currículo e metodologia.
Essas tentativas buscavam aprimorar a educação naquele país, algo que
começa com a ideia de standards
(padrões), o mínimo que cada aluno deve saber em cada etapa do ensino.
Este também é o conceito que orienta a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Tal conceito se desenvolve a partir das observações dos programas que,
nos EUA, adotaram os standards, além
do uso de dados e pesquisas específicas sobre a aprendizagem, que chegaram à
educação baseada em competências e a sua aplicação, a avaliação baseada em
competências
O pilar fundamental deste tipo
de avaliação é o feedback aluno-professor. Como essa dinâmica vem se dando,
dentro da sua experiência, uma vez que as gerações X e Y tinham dificuldades em
lidar com este “cara a cara”, mas a Z, dos nativos digitais, parece estar mais
aberta?
O feedback ainda é pouco
utilizado como ferramenta de avaliação, pois ainda nos apoiamos na nota para
averiguar se um aluno ou uma aluna “sabe” a matéria. Digo isso porque o receio
vem, justamente, da falta de contato tanto do educador quanto do estudante com
essa forma de aprendizagem/avaliação.
Aliás, é assim que o feedback
deve ser visto: tanto como um momento em que o aluno pode ampliar e praticar a
metacognição, ou seja, o aprender a aprender, quanto o professor pode avaliar o
que o aluno consegue dominar de uma determinada habilidade ou conteúdo.
Dito isso, a falta de familiaridade com o processo do feedback parece ocorrer mais por uma
questão cultural do que geracional: nós, brasileiros (com todo o problema que
uma generalização desse tamanho pode trazer), ainda não vemos o feedback como uma oportunidade de
aprender e avaliar, mas simplesmente como uma crítica.
Fazendo um parêntese, é por essa razão, por ter no feedback seu pilar, que a avaliação baseada em competência também é
adotada em ambientes de trabalho, ou seja, vai além do ambiente educacional.
É necessário que uma escola
que opte por adotar o sistema de avaliação tradicional pelo de competências
refaça seu projeto pedagógico?
Não, de forma alguma. É preciso entender que, da maneira como a BNCC foi
produzida, ela abre espaço para esse tipo de mudança, já que estamos saindo de
uma abordagem mais conteudista para uma abordagem por competências e
habilidades.
Assim, é perfeitamente possível que uma escola adote esse sistema de
avaliação sem abandonar seu projeto pedagógico. A única mudança seria definir
quais competências devem ser avaliadas, quais competências atravessam as
diferentes disciplinas daquela escola. Para isso, só é preciso tempo e diálogo
entre o corpo docente, não mudança de currículo.
Que dificuldades uma escola
que quer migrar do sistema de avaliação tradicional para o por competências
pode enfrentar?
A primeira delas é o diálogo entre o corpo docente. Definir quais
competências devem ser avaliadas, alinhá-las com a BNCC, não é uma tarefa
realizada de um dia para outro ou em uma semana.
A segunda seria uma mudança de mentalidade não apenas de professores e
alunos, mas, e talvez o mais complexo, de pais e mães. Estes cresceram
acostumados a um sistema de avaliação no qual o número é a única informação
necessária.
Como eles vão lidar com um sistema que diz que sua filha ou seu filho
“domina”, “está progredindo” ou “desperta preocupação” para competências que
podem ser tão díspares quanto “expressar-se de forma corajosa” ou “construir
uma comunidade”?
Estes exemplos que dei são reais, de escolas norte-americanas que
implementaram a educação baseada em competências e mostram o quanto esse tipo
de abordagem se abre para trabalhar pelos alunos.
E quais os benefícios para a
aprendizagem dos alunos e seu desenvolvimento pessoal?
Na minha opinião, o maior benefício é dar ao aluno a agência sobre sua
aprendizagem. Ao ter o domínio de uma competência como regulador da relação
avaliação versus aprendizagem, e não o tempo que o estudante passa na escola, é
o estudante quem irá dizer e determinar como se deve dar o processo de
aprendizagem, ou seja, é quem irá, de fato, tomar conta de seu aprendizado.
Para isso, ele também deve ter ciência de seu processo de aprendizagem,
a metacognição, deve saber quais são os objetivos de cada etapa e como será
avaliado. Ao se ver envolvido dessa maneira no processo, a consequência é que o
engajamento acontece de maneira muito mais frequente e até mais naturalmente do
que em outros contextos.
Na sua opinião, a avaliação
por competências pode ser aplicada em qualquer tipo de instituição escolar
(pública, privada ou ONG)?
Certamente. Esse tipo de avaliação pode ser usada em ambientes educacionais
que trabalhem com projetos e apresentem uma abordagem multidisciplinar, como
também pode ser usado por escolas que foquem nas provas mais tradicionais e na
organização por disciplinas.
Muitas universidades norte-americanas, sobretudo na área da saúde, têm
utilizado a avaliação baseada em competências em seus cursos, pois entendem que
é essa abordagem que irá fornecer os dados mais precisos sobre o conhecimento
de seus alunos.
Como disse, até mesmo ambientes de trabalho utilizam a avaliação baseada
em competências para remanejar funcionários e treiná-los se necessário. A
avaliação baseada em competências é flexível por natureza, por essa razão sua
adequação a diversos modelos institucionais é bastante simples.
Lucius
Provase é mestre e doutor em Teoria
Literária
pela Universidade de São Paulo (USP).
Atualmente,
conclui estágio pós-doutoral pela
Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Possui
vasta
experiência como professor em
escolas
brasileiras e internacionais.
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