Especialista em Literatura
Indígena, Janice Thiel selecionou, a pedido de Carta Educação, 10 obras
escritas por índios e não-índios. Pode ser um bom ponto de partida para
trabalhar a temática indígena em sala de aula:
A Terra sem Males: Mito
guarani
O mito guarani de A Terra sem Males é o foco desta obra direcionada para
o público infantojuvenil.
A simplicidade da
narrativa somam-se a complexidade
do
mito e sua relevância
na cultura guarani. O leitor
não índio, possivelmente, construirá um diálogo
de parte do mito com a narrativa bíblica do Dilúvio, mas a narrativa abre as
portas para uma discussão sobre as especificidades
da cultura desse povo. Informações que seguem
a narrativa são acompanhadas por grafismos geométricos,
que dialogam com formas de expressões indígenas. Questões diversas, como
a história dos guarani,
a
resistência
e diversidade indígena
no Brasil, as migrações e a demarcação das terras podem ser aprofundadas, servindo
como propostas
para pesquisa.
A Terra sem Males: Mito
guarani. São Paulo,
Jakson de Alencar, Paulus, 2009 (Coleção Mistura
Brasileira)
Das Crianças Ikpeng para o
Mundo Marangmotxíngmo Mïrang
Os pequenos ikpeng são os guias de uma narrativa que descreve 24 horas
em sua aldeia. O texto, acompanhado do filme que o inspirou, em um enredo
circular e edição bilíngue, é ideal para apresentar a cultura do povo ikpeng,
do Mato Grosso. A linguagem é concisa, mas densa de informações e
possibilidades de discussão sobre o que aproxima e o que diferencia o povo
ikpeng de outras culturas. Tarefas, brincadeiras, costumes passados e
presentes, festas e rituais, objetos ancestrais e cotidianos, papéis sociais,
medos e perigos da floresta, além de mudanças incorporadas pelo contato com
culturas europeias, fazem parte da obra. O texto promove
a abertura cultural ao outro
e constrói pontes para a compreensão das diferenças sem
preconceitos.
Das Crianças
Ikpeng para o Mundo Marangmotxíngmo
Mïrang,
de Rita Carelli (Adaptação e
ilustrações).
São
Paulo:
CosacNaify, 2014 (Coleção Um Dia na Aldeia)
A Terra dos Mil Povos:
História indígena do Brasil contada por um índio
Este foi o primeiro livro escrito por um autor indígena brasileiro que
li e a obra me apresentou novas possibilidades de ver os índios na história e
na literatura.
O texto mostra o
poder da palavra na tradição ancestral indígena, aponta a pluralidade de
etnias, conta como os povos nativos leem o mundo, constroem suas identidades e
suas relações com os não índios, revelam respeito pelo poder criador e pela
terra. O livro é um relato individual e ancestral, mas muito mais que isso:
trata-se de um convite para conhecermos a história tribal brasileira, a
contribuição e presença dos povos indígenas no Brasil de hoje.
A Terra dos Mil Povos:
História indígena do Brasil
contada por um índio, de Kaka Werá Jecupé.
São
Paulo: Peirópolis, 1998 (Série Educação para a Paz)
Câmera na Mão, o Guarani no
Coração
Ler O Guarani, de José de Alencar, constitui desafio para muitos jovens.
Contudo, o texto de Scliar pode promover o interesse pela leitura da obra de
Alencar. Em uma linguagem contemporânea, o narrador conta, em primeira pessoa,
como foi motivado à leitura de
O Guarani para
produzir um filme e concorrer a um prêmio. O que o leitor acompanha, porém, é a trajetória do personagem
que vai aos poucos se transformando em leitor, não só de livros, mas de
discursos, estereótipos, realidades sociais e contextos culturais. O personagem
e seus amigos leem
O Guarani e o
leitor também
o faz, enquanto todos aprendem a apreciar
criticamente a construção do índio pela literatura
do século XIX.
Câmera na Mão, o Guarani no
Coração, de Moacyr
Scliar.
2ª ed.
São Paulo: Ática, 2008
Kurumi Guaré no Coração da
Amazônia
De autor amazonense, a obra narra aventuras infantis e descreve o povo
maraguá. Além de acompanhar registros da memória do narrador, uma auto e
cosmorrepresentação, e ensinamentos dos povos da floresta, o leitor pode
observar a composição multimodal do texto e os símbolos maraguá. Grafismos
indígenas constituem uma poética que traduz uma vontade política de expressão
de identidade, contam histórias complementares e podem sinalizar a origem do
texto na tradição ancestral. A compreensão da obra envolve uma leitura dos
símbolos maraguá, do Glossário Nheengatú e de termos regionais amazônicos. Há
um enredo nos desenhos da obra de Yamã que lança o leitor para uma rede de
significados construídos na interação entre palavra e imagem.
Kurumi Guaré no Coração da
Amazônia, de
Yaguarê Yamã.
São Paulo: FTD, 2007
Wamrêmé Za’ra: Nossa palavra – Mito e história do povo xavante, de
Sereburã
“Ouça o que dizem os antigos. Preste atenção na fala dos velhos sábios,
pois eles guardam a Palavra Criadora.” Esta frase de Ailton Krenak, inserida em
uma carta nas páginas iniciais desta obra, marca
o
tom do texto xavante. Um envelope contendo a carta inclui cartões-postais com
ilustrações que narram histórias encontradas nos objetos de arte dos povos
indígenas. Como um prefácio, as imagens anunciam as palavras dos membros mais
velhos da aldeia Pimentel Barbosa. Suas vozes foram gravadas
e traduzidas para a escrita por xavantes do Núcleo de Cultura Indígena. Em
edição bilíngue, o texto é acompanhado por
desenhos de jovens artistas da aldeia, fotos dos xavante e dos warazu, não índios, e por um
panorama histórico que vai do século XVI ao século XX.
Wamrêmé Za’ra: Nossa palavra –
Mito e história
do povo xavante, de Sereburã; Hipru; Rupawê;
Serezadbi;
Sereñimirâmi. São Paulo: Editora Senac, 1998
Sepé Tiaraju: Romance dos Sete
Povos das Missões
Há obras que buscam reconstruir, pela ficção, figuras indígenas
heroicas.
É o caso do romance
que, narrado pela perspectiva
de um jesuíta, em um vaivém da memória, destaca a
resistência
dos Sete Povos das Missões (RS) e de um dos líderes e guerreiros
indígenas
do Sul do Brasil, Sepé Tiaraju. No texto, Tiaraju é apresentado pela visão do
colonizador, Michael, ou Padre Miguel. Seu olhar constrói o herói indígena e a
história da colonização dos povos indígenas pela missão catequizadora dos
jesuítas
e pela política europeia.
Documentos históricos, como os tratados de Tordesilhas e de Madrid, além de
conflitos e migrações indígenas formam o contexto da obra.
Sepé Tiaraju: Romance dos Sete
Povos das
Missões, de Alcy Cheuiche. Porto Alegre: AGE, 2012
O Karaíba: Uma história do
pré-Brasil
No romance O Karaíba, Munduruku narra, em linguagem poética, a história
de povos que viviam numa terra ainda não chamada Brasil, numa época na qual os
índios não eram assim chamados. Não haviam sido colonizados, mas antecipavam
mudanças vindas do contato com europeus. O texto nos apresenta essa terra como
um personagem com um passado, com povos que vivem à sombra de uma profecia
anunciada pelo velho Karaíba, de que
“um
grande monstro”
viria
e destruiria tudo. A obra preenche uma lacuna histórica
e literária e apresenta costumes, crenças e leituras do mundo pela visão
cultural indígena. Assim, constrói vozes para povos que não tiveram
sua palavra registrada e enfrentaram a crueldade
da colonização europeia
e
da escravidão.
O Karaíba: Uma história do
pré-Brasil, de
Daniel Munduruku. Barueri, SP.: Manole, 2010
Amazonas: Pátria da água =
Water Heartland
Com prosa e poesia, Thiago de Mello traça sua gênese e conduz os
leitores em uma viagem pela extensão do Rio Amazonas, percorrendo sua história
e dos homens que nele navegaram: os índios que chegaram à Amazônia, as
icamiabas, os exploradores e cronistas europeus e o poeta. Nesta edição
bilíngue, que conta com as encantadoras fotografias de Luiz Cláudio Marigo, o
poeta descreve com suavidade a beleza
e
a tristeza das águas,
da floresta, das plantas e dos animais da Amazônia e trata de seus
espíritos
protetores, que tentam defender a floresta da ganância, do lucro, da caça
predatória.
O poeta retrata os
cantos dos índios,
suas angústias
e sofrimentos, mas anuncia a esperança de que a vida
ainda pode ser salva.
Amazonas: Pátria da água =
Water Heartland.
Textos e poemas, Thiago de Mello. SP: Boccato, 2007
Maíra
O entrelaçamento das culturas indígenas e europeias nunca esteve tão em
evidência quanto neste romance de Darcy Ribeiro. Nele, o autor emprega seus
conhecimentos para criar uma obra com esferas culturais e vozes narrativas que
se cruzam: dos índios, dos não índios e dos seres sobrenaturais ou demiurgos. O
texto revela o encontro de cosmogonias e o entrelugar cultural de Avá/Isaías,
um índio mairum que se torna sacerdote cristão,
e
Alma, jovem carioca que vive com os índios.
A
história
tem início
com uma investigação policial, mas conduz à investigação das identidades
culturais brasileiras, em uma narrativa cuja confluência de discursos é projetada
no capítulo final. Vale a pena ler esta obra para apreciar
seu caráter multicultural e literário.
Maíra, de Darcy Ribeiro.
São Paulo: Global, 2014
Fonte:
CartaCapital
Nenhum comentário:
Postar um comentário