Rodrigo
Casarin
Fonte:
UOL
Um dos maiores nomes da literatura nacional, Ana Maria Machado está com
livro novo na praça. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2003,
entidade que presidiu entre 2012 e 1013 e onde ocupa a cadeira de número 1,
autora de mais de 100 livros infantojuvenis que já superaram as 20 milhões de
cópias vendidas em 17 países e vencedora de prêmios como o Machado de Assis,
oferecido pela própria ABL, e o Hans Christian Andersen, a honraria mundial
mais importante destinada a autores de obras para crianças e jovens, não há
dúvidas de que a senhora de 74 anos tem muito a dizer sobre o universo
literário. E é justamente isso que seu novo título, “Ponto de Fuga”, comprova.
A obra reúne treze ensaios escritos entre 1988 e 2005, boa parte deles
apresentados em eventos literários em diversas partes do mundo. Nos textos, a
autora fala de diversos elementos que envolvem o mundo das letras, como o
mercado editorial, a formação de leitores e como a escola pode ajudar ou
prejudicar no despertar do interesse dos jovens pela literatura. “Se republico, é porque acho que ainda vale.
Esses textos são reflexões conscientes e embasadas sobre as questões. Podem
mudar ligeiramente em algumas circunstâncias, mas não são para descartar
segundo a moda de cada ano”, diz a autora em entrevista ao UOL.
No livro, a questão de como se introduzir a arte aos potenciais leitores
surge como uma das preocupações primordiais. “Em termos bem simples, estou convencida de que o que leva uma criança
a ler, antes de mais nada, é o exemplo. Da mesma forma que ela aprende a
escovar os dentes, comer com garfo e faca, vestir-se, calçar sapatos e tantas
outras atividades cotidianas", escreve Ana Maria. "Não é natural, é cultural. Entre os povos que comem diretamente
com as mãos, não adianta dar garfo e colher aos meninos, se eles nunca viram
ninguém utilizá-los. Isso é tão evidente que nem é o caso de insistir. Se
nenhum adulto em volta da criança costuma ler, dificilmente vai se formar um
leitor”, registra ela no texto “Entre Vacas e Gansos: Escola, Leitura e
Literatura”.
Já em “Muito Prazer: Notas Para uma Erótica da Narrativa”, a autora
constata: “Se é verdade que tenho
encontrado muitos adolescentes e adultos que não têm vocação leitora, nunca se
aproximaram de livros ou até alguns que deles se afastaram em certa idade,
também é verdade que nunca encontrei uma criança alfabetizada, com pleno acesso
a livros e num ambiente leitor sem cobranças, que não gostasse de ler. Pode
rejeitar um certo tipo de livro, ou desenvolver preferências que não são as que
o adulto escolheria para ela, mas isso não significa que não goste de ler”.
“Estou
convencida de que o que leva uma criança a ler, antes de mais nada, é o
exemplo. Se nenhum adulto em volta da criança costuma ler, dificilmente vai se
formar um leitor.”
Ana Maria Machado, no ensaio
"Entre Vacas e Gansos: Escola, Leitura e Literatura", que integra o
livro "Ponto de Fuga"
Literatura adulta
Autora de títulos como “Bento que Bento É o Frade”, de 1977, seu livro
de estreia, “História Meio ao Contrário”, vencedor do Jabuti de 1978, “Bisa
Bia, Bisa Bel”, de 1982, que levou o prêmio de melhor livro juvenil da Fundação
Nacional do Livro Infantil Juvenil, e “Menina Bonita do Laço de Fita”, uma de
suas obras mais reverenciadas, o nome de Ana Maria costuma ser diretamente
relacionado ao público jovem. No entanto, sua produção voltada para os adultos
também é considerável.
Capa
do livro "Ponto de Fuga", de Ana Maria Machado
Em 1983, lançou “Alice e Ulisses”, sucedido por uma dezena de outros
livros pensados a esse público, para o qual o último trabalho de ficção foi “Um
Mapa Todo Seu”, lançado no início do ano passado. Questionada sobre o que lhe
dá mais prazer, se escrever para crianças e adolescentes ou adultos, ela diz
que a comparação acabaria com a graça do ofício. “Para ficar só num exemplo gastronômico, não consigo saber se gosto
mais de camarãozinho frito na beira da praia ou jabuticaba recém-tirada do pé”,
ilustra.
“Escrever para crianças e
adultos é diferente, como é diferente conversar com adulto ou com criança. No
caso infantil, o prazer é mais próximo da brincadeira. No caso adulto, tem uma
densidade mais consciente", explica. "Ambas
as atividades são difíceis e apresentam desafios. O universo do leitor infantil
tem um repertório menor de acumulação de experiências leitoras que permitam
referências intertextuais, então fica mais difícil trabalhar nessa área. Mas
justamente por essa dificuldade, traz um desafio mais instigante”.
O que anda lendo
“Acho que a literatura
brasileira contemporânea vai muito bem, oferecendo uma variedade incrível de
leituras atraentes”, diz Ana Maria sobre a produção atual, destacando
nomes como Bernardo Carvalho, Miltom Hatoum e Cristovão Tezza – a quem
generosamente chama de “novos já consagrados” –, mas também elencando outros
nomes ao falar de quem vem lhe agradando. “Gente
como Daniel Galera, Paulo Scott, Socorro Acioli, Tatiana Salem Levy, Miguel
Sanches Neto, Michel Laub, José Luiz Peixoto [este português]… São tantos, tão
diferentes entre si. Temos muitos nomes interessantes produzindo coisas muito
boas e está até difícil acompanhar”.
Falando a respeito de suas últimas leituras, que fez neste verão, conta
que está fascinada por “S.”, dos norte-americanos J. J. Abrams (diretor de "Star Wars: O Despertar da Força) e
Doug Dorst. Também andou lendo policiais de Agatha Christie, “Quarenta Dias”,
de Maria Valéria Rezende, último vencedor do Prêmio Jabuti, “Um Defeito de
Cor”, romance de Ana Maria Gonçalves, “Trilhas”, de Leonardo Froes, “Diários da
Presidência”, de Fernando Henrique Cardoso” e “Patrimônio”, de Philip Roth,
além de fazer releituras de Roland Barthes e Raimundo Faoro.
Lygia Fagundes Telles e o
Nobel
Sobre a indicação da colega Lygia Fagundes Telles para concorrer ao
Prêmio Nobel de Literatura, Ana Maria é toda elogios. “A Lygia merece tudo de bom. É uma grande autora, das grandes no mundo.
Merece muito mais que uma indicação. Merecia já ter ganho. Como outros autores
brasileiros também indicados, aliás. Este ano ou há mais tempo. Sei de outras
instituições que indicaram outros nomes como Ferreira Gullar, Nélida Piñón,
Rubem Fonseca. Ou antes, Drummond, Ariano Suassuna, João Cabral, Jorge Amado”,
diz.
No entanto, questiona o alarde feito em torno da indicação realizada
pela União Brasileira dos Escritores (UBE). “Foi
uma grande jogada de marketing da instituição, divulgando por toda parte como
se fosse uma premiação. É apenas a indicação de um nome por uma instituição,
entre centenas que se enviam todo ano à Academia Sueca. As universidades e
associações de classe de todo o país, em várias instâncias, são convidadas a
levantar nomes. E elas o fizeram, sendo que este ano a UBE sugeriu a Lygia,
como sugerira o Moniz Bandeira anteriormente. Só espero que esse oba-oba em
torno do nome dela não a prejudique, porque gostaria muito que ela ganhasse”.
E se acredita que há realmente chances do prêmio vir para Lygia? "Não faço a menor ideia do que se passa
na cabeça de quem decide isso".
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