Ao caminhar pela Rua Shiroka, localizada na capital da República Tcheca,
um excursionista atento encontrará a sua frente o famoso Café Franz Kafka, local
frequentado por turistas todos os anos. No entanto, mesmo Praga sendo a cidade
natal de Kafka, que nasceu sob o domínio do Império Austro-Húngaro, ninguém
encontrará no Café nada além da alusão ao nome do escritor tcheco. O
estabelecimento, que induz a uma expectativa de um café ao redor de imagens
ilustres de Kafka, se converte apenas em um convite sedutor aos aficionados
pela biografia e obras de um escritor que, para muitos, foi tão estranho.
Essa estranheza, típica reação da maioria dos leitores de Franz Kafka, é
o resultado do primeiro contato que temos com suas obras. Ao lado desse aspecto
hermético, a produção kafkiana adquiriu poderes e enigmas que impossibilitaram
uma classificação teórica. Livre de um conceito específico, Kafka foi
assimilado como religioso, surrealista, profeta e simbolista, porém, foram
nessas múltiplas interpretações que ele alcançou êxito literário e tornou-se,
nas palavras de Günther Anders, um “fabulador realista”. O realismo de Kafka
tornou-se dinâmico e significativo quando buscou a liberdade diante do poder
burocrático, e adquiriu voz profética quando pressentiu os horrores do nazismo.
Percebemos, então, que a grandeza de Kafka não cabe em um espaço
mercadológico avulso. Através do talento criador de todo artista, podemos
entender os aspectos essenciais da condição humana, o que não é diferente das
obras de Kafka, criadora “de mundos absurdos, a que deu forma, nos quais
vivemos sem compreender”, como dizia Torrieri Guimarães. Essa criação, que
verte o absurdo no real, sem jamais encontrar a paz, concebe uma parábola em
resposta às questões metafísicas impostas pela modernidade. A aproximação e o
contato direto com a narrativa kafkiana é o único momento disponível e possível
para um verdadeiro café com Kafka.
ANDERS, Günther. Kafka: pró e
contra. 2 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
GUIMARÃES, Torrieri. Prefácio.
In: KAFKA, Franz. A colônia penal e outros contos. Rio de Janeiro: Ediouro,
1987.
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