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segunda-feira, 26 de julho de 2021

26 de Julho - Dia dos Avós


Dona Aninhas era como todos conheciam a portuguesa Ana Elisa do Couto (1926-2007) em Penafiel, cidade de 15 mil habitantes na região do Porto. E se hoje ela tem uma placa afixada em praça pública na terra natal não é sem motivo: foi por causa dela, avó de quatro netas e dois netos, que o dia 26 de julho se tornou reconhecido como Dia dos Avós em Portugal – data também celebrada no Brasil.

 

Nos anos 1980, porque ela achava que ninguém dava o valor merecido aos avôs e avós, decidiu se tornar uma missionária da causa. Dona Aninhas esteve em países como Brasil, França, Estados Unidos, Alemanha, África do Sul, Espanha, Angola, Suíça e Canadá, sempre defendendo que se comemorasse o Dia dos Avós. E a data escolhida tinha um forte motivo: dia 26 de julho é quando a Igreja Católica celebra São Joaquim e Santa Ana, pais de Maria, avós de Jesus.

 

Uma história, entretanto, que nem na Bíblia está. "Não há nomes, pormenores, nem citações da vida e da existência dos pais de Maria", afirma o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Ambos são citados no evangelho apócrifo de São Tiago, não reconhecido pela Igreja. Portanto, não constam em livros canônicos."

 

Isso não impediu que São Joaquim e Santa Ana viessem a ser reconhecidos e celebrados pela Igreja como pais de Maria.

 

Foto que mostra Santa Ana e São Joaquim (Sant'Anna e San Gioacchino)

 pintados por Giotto na Cappella Degli Scrovegni, em Pádua

 

Religiosidade

 

Desde o século seis há registros do culto e da veneração aos pais de Maria. "No mundo ocidental, a popularização acontece, sobretudo no século 14", pontua Altemeyer.

 

O teólogo lembra que São João Damasceno, monge sírio que viveu entre 676 e 747, quando comentava o Natal, já abordava os pais de Maria com esses nomes, como sendo o casal São Joaquim e Santa Ana.

 

"Sua festa era celebrada originalmente em 20 de março, junto a São José. Depois, acabou transferida para 16 de agosto, por causa do triunfo da filha, Maria, na Assunção, no dia precedente", conta Altemeyer. "Em 1879, o papa Leão 23, cujo nome de batismo era Gioacchino, ou seja, versão italiana de Joaquim, oficializou a festa em toda a Igreja. Já o dia 26 de julho foi determinado pelo papa Paulo 6º."

 

No imaginário religioso, por sua vez, é famosa a representação dos avós de Jesus na Capela dos Scrovegni, em Pádua – pintada por Giotto (1276-1337).

 

Fonte: BBC

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Violência nas escolas

 Violência nas escolas: ela reproduz as loucuras da nossa sociedade

  

Por Luis Pellegrini

 

A violência entrou de vez no currículo escolar dos brasileiros. Só que agora, infelizmente, em vez de um saudável e democrático conflito no campo das ideias, alunos, professores, diretores e funcionários precisam cada vez mais conviver com agressões, ameaças e abusos.

Não é preciso ir longe para se verificar tudo isso. Basta recorrer ao buscador do Google e pedir “violência nas escolas”. Aparecem centenas de artigos, análises, denúncias, resumo de encontros e simpósios de especialistas em ciências da educação e do comportamento, além de livros inteiros, disponibilizados gratuitamente, na tentativa de analisar o problema e apresentar possibilidades de solução. Se você for ao Youtube, vai encontrar coisa ainda pior: é imenso o acervo de postagens, contendo cenas às vezes alucinantes de violência destrutiva pura, com frequência captadas e publicadas pelas câmeras celulares dos próprios alunos. Há vídeos de brigas, de bullying, de quebra-quebras, de mutilações e até de assassinatos cometidos dentro das salas de aula e nos pátios das escolas.

Exemplos disso são dois casos de agressão ocorridos recentemente em Brasília. Na maior universidade da capital do país, um professor acabou no hospital após ser agredido por um estudante. Em uma escola pública de ensino básico, um aluno foi morto a facadas pelo colega.

 

Violência não é fenômeno isolado

 

“A violência nas escolas reproduz a violência na sociedade, não é um fenômeno intramuros isolado”, afirma a coordenadora de Ciências Humanas e Sociais da Unesco no Brasil, Marlova Noleto. Segundo a educadora, os ambientes escolares deixaram de ser lugares protegidos e muitos pais perderam a tranquilidade ao levar os filhos à escola.

Ela destaca que a ausência de regras claras de convivência entre alunos e professores contribui para o aumento da violência.

Para o professor da faculdade de Educação da Universidade de Brasília e da Universidade Católica Célio da Cunha, há uma profunda crise de valores humanos. "A violência na escola vem da Idade Média, é uma prática inconcebível no século 21. A escola tem que refletir uma cultura de respeito, da merendeira ao diretor", diz. Cunha defende que é preciso recuperar a dimensão humana da educação, que foi transformada em um negócio.

A educadora Marlova Noleto aponta para a importância de um bom clima na escola. “Na escola, aprendemos não só a ser, mas a fazer, a viver juntos e a conhecer. Um conjunto de regras e valores educam para a vida, não educam apenas no ambiente escolar”, acredita. A especialista reconhece que, em primeiro lugar, é preciso que o professor goste do que faz. “Ensinar é um ato de amor e é sempre uma via de mão dupla. É preciso estar aberto para ensinar e aprender”, aponta.

“Na maioria dos casos, o aluno reproduz na sala de aula aquilo que vive em sua própria casa, no convívio com a família, e nas ruas. Há, de modo geral, uma crescente banalização da má educação, uma ausência de consciência de limites, uma violência instalada nos lares. Reflexo de um fenômeno que se alastra por toda a sociedade”, opina a matemática Nelma Pellegrini Franco, que amargou trinta anos de magistério em escolas públicas de São Paulo.

 

Estimular o respeito à diferença

 

Em muitos casos, a violência na escola é decorrente do medo de ser reprovado ou de ameaças que o aluno sofre em casa. Marlova Noleto diz que é preciso incluir as famílias no processo de educação e ajudar as crianças desde cedo a desenvolver um sentido ético. “Quando estimulamos nossos alunos a respeitar a diferença, estamos também evitando a violência”, observa. Em última instância, destaca Marlova, a educação deve propiciar também a satisfação dos alunos. “Se o processo de aprendizagem não trouxer também felicidade, dificilmente aprenderemos com qualidade”, afirma.

Para Miriam Abramovay, coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e coordenadora de pesquisas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura), os conflitos são resultado de relações sociais ruins e da falta de diálogo. Pesquisadora do tema há mais de dez anos, Miriam defende a criação de políticas públicas de prevenção da violência escolar, diagnóstico dos problemas e a formação específica de professores: “Um bom professor é o que ensina bem a disciplina, mas também que sabe ser amigo, que sabe entender o que é ser jovem”.

Em recente entrevista à jornalista Marcelle Souza, do Portal UOL, Miriam Abramovay diz que a escola deve ser espaço de proteção e não de violência:

 

Aumentaram os casos de violência na escola?

Eu acho que não dá para dizer que aumentou ou não a violência no ensino. Não existe nenhuma pesquisa que abarque todo o Brasil e que faça uma avaliação do que aconteceu nesses últimos dez anos sobre a violência nas escolas. Se você pegar os casos de violência em geral ou de mortalidade dos jovens, a situação é cada ano pior. Então, é óbvio que por um lado a escola recebe essa influência, mas por outro ela também produz violência, que são muito específicas do âmbito escolar.

 

A ciberviolência e a divulgação de vídeos de violência na internet aumentaram a sensação de violência?

Eu acho que é uma questão muito importante e a escola não tem as ferramentas mínimas para poder prevenir esse tipo de violência. A escola é muito centrada em si mesma, no que pensam os adultos. Em segundo lugar, ela não sabe o que acontece na vida desse jovem. Colocar uma coisa na internet é uma forma de exibicionismo e nós vivemos numa sociedade do espetáculo. Isso tem um valor muito grande, principalmente para o jovem.

 

O que motiva os atos de violência na escola hoje em dia?

Brigar, eles sempre brigaram, isso sempre aconteceu. Mas eu acho que estamos vivendo um fenômeno da exacerbação da masculinidade e da cultura da violência. Aparece aquele que é mais violento, que sabe brigar melhor. Eu digo masculinidade, mas é para garotos e garotas. Aí também entra o uso das armas, porque a arma é símbolo de força e de poder.

 

Qual é o principal motivo do conflito entre professores, alunos e diretores?

Eu acho que as relações sociais -- aluno-aluno, aluno-professor e professor-diretor-- estão muito ruins. Ainda acho que as mais complicadas são as relações com os adultos. Isso porque a escola é muito centrada nela mesma e muito pouco do que se propõe é dialogar com os jovens. Eu acho que isso cria um clima muito ruim. Nós estamos fazendo uma pesquisa e percebemos que o professor que os alunos mais gostam coincide com a matéria que eles mais gostam. Ou seja, a relação entre o professor e os jovens ainda é muito importante. Um bom professor é o que ensina bem a disciplina, mas também o que sabe ser amigo, que sabe entender o que é ser jovem.

 

Por que ocorrem casos de abuso sexual dentro da escola?

A escola não é uma torre de marfim, ela também reproduz as próprias loucuras da nossa sociedade. Eu acho que tem ainda o abuso dos professores e das professoras relacionado à fragilidade do que é ser adolescente. Nós temos uma postura de negação a tudo o que é jovem, no sentido de não ser positivo. Por outro lado, existe admiração, porque são bonitos e estão vivendo coisas que os adultos já viveram, o que causa muito fascínio em muitos professores também. Acho que é uma falta de limite desses professores e professoras e uma falta de autoridade. A escola tinha que ser um local de proteção e não de reprodução dessa violência. Você pesquisa a violência escolar desde o início dos anos 2000.

 

Algo mudou nos últimos dez anos?

Eu acho que muito pouco, infelizmente, porque os tipos de comportamento vêm se repetindo. Nós não temos políticas públicas efetivas, diagnósticos importantes sobre esse tema. Nós não temos formação de professores, o que é fundamental, porque eles não tiveram isso na sua formação.

 

 


 

Qual é o papel da escola no combate ao bullying?

Eu acho que a escola tem que prestar atenção no que está acontecendo com ela: como se dão as relações entre os alunos, as relações com os professores, em todos os fenômenos da violência, que são ameaças, a entrada de armas na escola, a homofobia, a violência de gênero... A escola tem que se dar conta disso.

 

Como combater a violência escolar em comunidades em que a violência já faz parte do cotidiano?

Uma escola que está num local de violência não obrigatoriamente é violenta. A escola tem uma violência de fora para dentro, mas tem a violência que ela produz. Então, você pode ter um lugar supertranquilo em que a escola é superviolenta. E vice-versa. A escola tem as suas próprias características, não é uma consequência direta do que acontece fora dela. Não obrigatoriamente a comunidade tem interferência nas relações entre os alunos, no racismo, na homofobia, em como os professores tratam os alunos, porque isso pode ser violência também. Se você tem uma concepção de violência como só a violência dura, que é a entrada de tráfico e de armas nas escolas, então você tem razão, quanto mais a comunidade é violenta mais a escola é violenta. Mas se você tem uma concepção de que violência é uma coisa mais ampla, que existe uma violência simbólica, não obrigatoriamente a comunidade vai fazer com que as relações sociais sejam piores. Dependendo dos professores, dos alunos, da relação com a família, a escola pode ser um lugar de proteção, independente do bairro ou da comunidade ser violenta ou não.

 

Há uma relação entre a participação dos pais e a violência escolar?

Nós fizemos uma pesquisa há muito anos que mostrava que quanto mais havia a participação dos pais na escola mais a escola poderia se tornar uma escola protetora. Ou seja, abrir as portas para os pais, os pais buscarem entender o que está acontecendo com os filhos, pedirem ajuda, [fazer com] que essa relação escola e família não seja de competição, é fundamental para o clima escolar.

 

Em que momento a polícia pode entrar na escola?

Está acontecendo um fenômeno hoje que é a judicialização da educação. Quer dizer, a escola joga para a Justiça seus principais problemas. A polícia tem que entrar na escola quando a violência é dura, quando existe droga e armas dentro da escola. Senão, não existe nenhum sentido de a polícia estar dentro da escola. Mas está acontecendo o contrário, quer dizer, o conselho tutelar a toda hora é chamado por coisas mais banais que acontecem. O que a escola está dizendo é “eu não tenho autoridade de resolver os meus problemas e vou chamar a polícia para isso”.

 

Qual é o papel do Estado na redução da violência nas escolas?

Eu acho que nós temos que ter uma política pública sobre esse tema, que abarque diagnósticos, formação de professores. Não adianta só ter pequenos programas, nós temos que ter políticas para a gente saber o que está acontecendo, depois pensar muito na formação de professores, para eles saberem o que fazer.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Artigo: Indisciplina escolar e formação de professores

 REFLEXÕES SOBRE INDISCIPLINA ESCOLAR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Rosimary Lima Guilherme de Oliveira - Univale

Mônica Aparecida de Macedo Golba - Univale

 

RESUMO

 

O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre a indisciplina escolar e a formação de professores. Para tanto tratamos inicialmente de algumas questões relacionadas ao cenário educacional na atualidade e o contexto escolar enfocando as finalidades e responsabilidades da educação relacionadas ao desenvolvimento do ser humano em um contexto social e democrático, considerando a necessidade do ser humano tomar consciência de si mesmo e do ambiente que o rodeia. Na sequência apresentamos alguns conceitos atrelados à indisciplina uma vez que este é um tema que tem ocupado cada vez mais espaço nas discussões referentes à prática docente no cenário educacional brasileiro. Esse fato não é de causar estranheza se considerarmos que uma das queixas frequentes que os professores apresentam quando são questionados acerca de suas práticas diz respeito às dificuldades que os mesmos apresentam para lidar com as expressões de indisciplina escolar dos alunos, ou seja, é possível observar, através da fala dos professores, que eles atribuem à indisciplina escolar uma grande parte de suas dificuldades enquanto profissionais. Para finalizar, falaremos especificamente da formação de professores uma vez que através das questões discutidas anteriormente se torna possível observar que a Educação na contemporaneidade demonstra uma exigência na transformação dos papéis tradicionais do professor.

 

Palavras-Chave: Indisciplina Escolar, Formação de Professores, Educação.

 

1. INTRODUÇÃO

 

A indisciplina escolar tem se configurado enquanto uma queixa frequente dos professores quando os mesmos são questionados acerca de suas práticas. É muito comum eles atribuírem a este fenômeno uma grande parte de suas dificuldades enquanto profissionais. Em suas falas é possível perceber que eles se sentem angustiados, sem saber o que fazer, partindo então para a busca de possíveis causas e tentativas de soluções para o que eles consideram um problema.

É compreensível a angústia desses profissionais diante das expressões de indisciplina dos alunos, pois, um dos locais onde a indisciplina escolar se manifesta é na sala de aula, o que remete a uma análise específica de como os professores estão sendo preparados em sua formação, seja inicial ou continuada, para exercer as funções que competem a um educador no contexto da escola, e, especificamente, na relação com os alunos em sala de aula.

Pimenta (2002) aponta para a importância de desenvolver pesquisas voltadas à formação de professores, considerando estar na formação um dos principais processos de construção identitária docente. Chama a atenção justamente para o fato de que na formação inicial, a maioria dos futuros professores não se identifica como tal, na medida em que visualizam o ser professor e a escola sob a perspectiva de aluno. Para tanto a autora sugere que um dos principais desafios da formação é colaborar no processo de passagem dos alunos em se verem como professores.

 

2. O CENÁRIO EDUCACIONAL NA ATUALIDADE E O CONTEXTO ESCOLAR

 

A Educação na contemporaneidade tem demonstrado uma exigência na transformação dos papéis tradicionais do professor. Na escola tida como tradicional, privilegiava-se o papel do professor como transmissor do conhecimento, cabendo ao mesmo selecionar os conteúdos e os recursos necessários para o acesso ao mesmo, tornando o ato pedagógico uma “relação de dominação-submissão fundamentada na diferença de estatutos, reveladora de inferioridade e menoridade do aluno” (ESTRELA, 1992, p. 19).

Uma nova concepção de escola está se configurando na atualidade, onde privilegia-se a formação do aluno no sentido de prepará-lo para viver em democracia. Para isso, pressupõe-se a Educação enquanto prática da liberdade, não havendo mais espaço para uma relação pedagógica fundamentada na dominação por parte do professor e subordinação por parte do aluno. Essa concepção de Educação privilegia a “conquista de autonomia individual através da participação responsável que fundamenta a liberdade do aluno” (ESTRELA, 1992, p. 23).

É importante observar que nenhuma sociedade possui escolas que funcionem sem atritos nem desajustamentos e que estejam distantes das influências difusas e involuntárias do meio social em seu conjunto. Silva (1969) afirma que algumas sociedades terão condições mais favoráveis e outras menos, nunca, porém serão estas condições ideais, harmonizando totalmente a vida social e o processo educacional com o processo sociocultural geral.

A escola se caracteriza enquanto uma instituição contextualizada, isto é, sua realidade, sua configuração e seus valores variam de acordo com as condições histórico-sociais que a ela estão relacionadas. CUNHA (2001) afirma que existe uma confluência de fatores que determinam tanto o seu perfil como também as suas manifestações.

No que diz respeito às suas funções e finalidades, MARQUES (2001) coloca que a escola é o instrumento privilegiado de transmissão do legado civilizacional. A escola sempre foi, simultaneamente, um espaço de conservação e de criação, onde a tradição e a inovação se cruzam e dão as mãos. Logo, quando os sistemas educativos conseguem esse cruzamento de forma equilibrada, podemos afirmar que a escola está a cumprir as suas finalidades. Além disso, a escola é o instrumento e o espaço que as sociedades culturalmente complexas encontraram para proporcionar a educação. A escola é, portanto, um instrumento de cultura e o professor um agente cultural.

Ao se tratar do funcionamento da escola, é importante considerar que a mesma, assim como os grupos que dela participam, à semelhança de outros grupos e organizações que constituem uma determinada sociedade, é regida por normas e regras de funcionamento, que facilitam não apenas a interação de cada membro no grupo e na respectiva organização, mas também a convivência social em decorrência da definição de um quadro de expectativas que tornam previsíveis os comportamentos das pessoas que dela fazem parte (FREIRE, 2001).

Considerando que os objetivos da escola estão relacionados à promoção do desenvolvimento pessoal a nível mental, moral, emocional e físico; à formação de indivíduos que exerçam o papel de cidadãos livres e cultos e, finalmente, à preparação do aluno para ser capaz de ganhar a vida através de uma ou outra ocupação além de continuar a aprender quando sair da escola, torna-se importante destacar que, ao incluir o papel da escola no cenário educacional é necessário que a mesma se adapte às condições atuais, ou ela não dará mais conta de “cumprir seu papel social de transmissora do saber consagrado e, ao mesmo tempo, de geradora de novos conhecimentos; não será mais o locus ideal para a formação da cidadania e para a aprendizagem dos relacionamentos, dos ritos, das tradições” (VASCONCELOS, 2001, p. 16).

É nesse contexto, portanto, que a indisciplina escolar se insere, devendo a mesma ser analisada no seu macrocosmo para que se possa entender as relações nas instâncias específicas da educação.

 

3. SOBRE A INDISCIPLINA ESCOLAR

 

A indisciplina escolar tem exigido tanto novas respostas teóricas como avanços efetivos na prática docente decorrentes da crescente complexidade que ela tem assumido nas escolas de educação básica (GARCIA, 2002, p. 375).

Roure (2001) corrobora essa afirmativa ao apontar que a indisciplina escolar consiste em um desafio duplo aos objetivos educacionais. Inicialmente devido ao fato dos conteúdos curriculares não se efetivar sem uma normatização e organização das relações e atividades em sala de aula. Também porque o desenvolvimento das noções de respeito à coletividade são considerados processos constitutivos da consciência moral a ser desenvolvida na escola. Em decorrência disso, o fracasso na constituição da disciplina escolar pode implicar em um entrave quanto à organização do trabalho pedagógico e à formação ética dos indivíduos que constituirão a sociedade.

Ainda sobre as implicações na falha de estabelecer um ambiente disciplinar no contexto escolar, SILVA, RUIZ e LAZZARIN (2001), afirmar que os efeitos negativos da indisciplina não ocorrem apenas no tocante ao aprendizado escolar e à socialização dos alunos. A tensão gerada, o estresse, a sensação de tempo perdido, a baixa autoestima, o sentimento de ineficiência, gerados pelo ambiente indisciplinado das salas de aula, têm provocado nos educadores frustração, desalento e até mesmo desejo de abandonar a profissão.

Apesar de todos esses sentimentos os professores muitas vezes têm adotado uma posição de conformismo e comodismo que pode ser observada quando os mesmos afirmam que o problema da indisciplina sempre existiu e sempre vai existir (ESTRELA, 1992, p. 107; VASCONCELLOS, 2000, p. 13).

Isso não significa que os professores deixam de demonstrarem suas angústias ao não saberem como agirem, pois professores têm relatado que a situação em sala de aula no que diz respeito à indisciplina escolar nunca esteve tão difícil como atualmente, sendo que a mesma tem provocado um estado geral de perplexidade.

A falta de perspectiva sobre o que fazer em sala de aula tem sido uma das causas geradoras de diferentes posturas diante da indisciplina escolar, o que demonstra uma desorientação na forma de agir em relação à mesma. De modo geral, os professores têm adotado posturas que podem ser caracterizadas como: liberais, autoritárias, conformadas, comprometidas, bem resolvidas, acusadoras, desesperadas, em vias de desistir. Essas diferentes posturas adotadas por eles provocam repercussão em sala de aula, uma vez que os alunos percebem a falta de firmeza e convicção daquilo que está sendo proposto pelos diversos professores com os quais eles convivem (VASCONCELLOS, 2000, p. 27-28).

 

4. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

 

As demandas educacionais da atualidade não comportam mais um modelo de professor transmissor de conhecimentos. Novas competências precisam ser adquiridas, competências estas em grande parte desenvolvidas na formação docente.

Dessa forma, a formação do professor deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva que forneça a ele “os meios de um pensamento e que facilite as dinâmicas de autoformação participada” (NÓVOA, 1997, p. 25). Além disso, ainda de acordo com o autor, o desenvolvimento profissional do professor pode ser estimulado através de sua formação, com o desenvolvimento de uma autonomia contextualizada da profissão docente.

É necessário que se trabalhe no sentido de diversificar os modelos e as práticas de formação, instituindo novas relações dos professores com o saber científico e pedagógico, sem deixar de se considerar que a formação é constituída pela experimentação, inovação e ensaio de novos modos de trabalho pedagógico, além de uma reflexão crítica sobre sua utilização.

Apesar da importância explícita das questões acima mencionadas, Estrela (1992) aponta para uma negligência ou inadequação dos sistemas de formação que, em sua maioria não estão considerando as transformações na estrutura social da população escolar e as novas condições de exercício profissional decorrentes das mesmas.

Tardif (2002) levanta algumas questões que podem estar relacionadas a essa inadequação dos sistemas de formação apontada acima pela autora. Primeiramente, o autor afirma que os professores não são responsáveis nem pela definição e nem pela seleção dos conteúdos a serem transmitidos pelas escolas, ou seja, os conteúdos transmitidos pelos professores estão situados em uma posição de exterioridade em relação à prática docente.

Na impossibilidade de controlar esses saberes, ainda de acordo com o autor, os professores produzem ou pelo menos tentam produzir saberes a partir de suas práticas. Esses saberes formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, orientam e compreendem sua profissão e sua prática cotidiana, sendo que para eles, esses saberes adquiridos através da experiência profissional constituem os fundamentos de sua competência.

Tardif (2002) também aponta para o fato de a formação de professores não considerar a vivência dos mesmos, se limitando, na maioria das vezes, a uma transmissão de conhecimentos. De acordo com o autor, os futuros professores passam alguns anos “assistindo aulas”. Depois ou durante essas aulas, eles vão estagiar para “aplicar” esses conhecimentos. Finalmente, quando a formação termina, eles começam a trabalhar sozinhos, aprendendo seu ofício na prática e constatando, na maioria das vezes, que esses conhecimentos disciplinares estão mal enraizados na ação cotidiana.

Em relação à formação inicial de professores, Santos (2002) aponta para a necessidade de se repensar o currículo no sentido de ultrapassar a lacuna existente entre a teoria e a prática, isto é, a necessidade de se estabelecer a interligação entre ambas.

Os professores, em sua formação inicial, precisam estar preparados para identificar e confrontar as dificuldades existentes na atividade docente, no sentido de serem colocados em situações de antecipação do seu futuro profissional, clarificando as expectativas sobre as possíveis situações com que irão se confrontar (JESUS, 2002, p. 67).

Para Esteve (1997 apud JESUS, 2002, p. 167) a formação inicial do professor deveria desenvolver a capacidade do mesmo identificar seu estilo de ensino, de discriminar os problemas relacionais que podem ocorrer na sala de aula e também de perspectivar a resolução de problemas em decorrência das atividades de ensino-aprendizagem.

No que diz respeito à formação contínua de professores, esta Marin (1995) afirma que a utilização do termo educação continuada possui a significação fundamental do conceito de que a Educação consiste em auxiliar os professores a participarem de forma ativa no mundo do qual fazem parte, incorporando tal vivência no conjunto dos saberes de sua profissão.

O professor, independentemente das condições nas quais efetuou sua formação na graduação, precisa dar continuidade nos estudos para ficar atualizado quanto às modificações na área do conhecimento da disciplina que leciona e também por uma razão “muito mais premente e mais profunda, que se refere à própria natureza do fazer pedagógico. Esse fazer que é o do domínio da práxis e, portanto, histórico e inacabado” (BARBIERI, CARVALHO E UHLE, 1995, p. 32).

Há mais, a formação básica do professor, mesmo que tenha sido bem alicerçada, possivelmente não dará mais conta das mudanças rápidas e diversificadas que acompanham a evolução das condições do exercício profissional, pois a formação do professor é um processo que não se finaliza com a formação inicial, mas sim, impõe-se como condição indispensável para a formação continuada (PERRENOUD, 1993; PORTO, 2000).

Borges (2000) também aponta para a necessidade de superar a visão que se tem da formação continuada como complementar, no sentido de suprir as deficiências da formação inicial, uma vez que é importante considerar que a formação inicial constitui o primeiro estágio da formação continuada, a qual deve acompanhar o profissional durante toda sua carreira e auxiliá-lo a construir sua identidade profissional.

Embora pesquisas tenham indicado que um programa sistemático de formação de professores reduz o número de preocupações dos mesmos sobre a prática docente além de aumentar a eficácia da ação docente e, que a formação de professores auxilia tanto para aquisição quanto para o aperfeiçoamento das competências de gestão da sala de aula para prevenção da indisciplina escolar é possível afirmar que os professores, em sua formação, não são preparados para a resolução de comportamentos de indisciplina de seus alunos (McBRIDE, 1984 apud JANUÁRIO 1996; ESTEVE 1992 apud JESUS, 2002; SANTOS, 2002).

Logo, tanto na formação inicial quanto na formação continuada de professores é necessário que os mesmos sejam submetidos a uma formação teórica adequada que forneça a eles, instrumentos de reflexão para uma análise coerente das possíveis situações de indisciplina escolar com que pode vir a confrontar-se, permitindo uma atuação fundamentada, e não às cegas face a essas situações.

 

REFERÊNCIAS

 

BARBIERI, M. R.; CARVALHO, C. P.; UHLE, A. B. Formação continuada dos profissionais de ensino: algumas considerações. Cadernos Cedes, Campinas, v. 36, p. 29-35, 1995.

 

BORGES, A. S. Análise da formação continuada dos professores da rede pública de ensino do estado de São Paulo.  In: MARIN, A. J. (Org.).  Educação continuada: reflexões, alternativas.  Campinas: Papirus, 2000.  p. 39-61.

 

CUNHA, M. I. O bom professor e sua prática.  13. ed.  Campinas: Papirus, 2001.

 

ESTRELA, M. T. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula.  3. ed.  Portugal: Porto, 1992.

 

FREIRE, I. (In)disciplina e contextos escolares: duas escolas vistas por dentro. In: COLÓQUIO DA SECÇÃO PORTUGUESA DA AFIRSE/AIPELF. 11, 2001, Lisboa. Atas. Lisboa: Estrela e Ferreira. 2001.  p. 132-143.

 

GARCIA, J.  A gestão da indisciplina na escola.  In: ESTRELA, A.; FERREIRA, J. (Orgs.).  Indisciplina e violência na escola. XI Colóquio na AFIRSE, 2002.  p. 375-381.

 

JANUÁRIO, C. Do pensamento do professor à sala de aula.  Coimbra: Almedina, 1996.

 

JESUS, S. N.  Indisciplina e formação de professores. In: ESTRELA, A.; FERREIRA, J. (Orgs.).  Indisciplina e violência na escola. XI Colóquio na AFIRSE, 2002.  p. 166-175.

 

MARIN, A. J.   Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções.  Cadernos Cedes, Campinas, v. 36, p. 13-20, 1995.  

 

MARQUES, R.   Saber educar: guia do professor.  Lisboa: Presença, 2001.

 

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: _____ (Org.).  Os professores e sua formação.  3. ed.  Lisboa: Dom Quixote, 1997.  p. 13-33.

 

PERRENOUD, P.   Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas.  Lisboa: Dom Quixote, 1993.

 

PIMENTA, Selma Garrido. (Org.). Saberes Pedagógicos e Atividade Docente. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002.

 

PORTO, Y. S.  Formação continuada: a prática pedagógica recorrente.  In: MARIN, A. J. (Org.).  Educação continuada: reflexões, alternativas.  Campinas: Papirus, 2000.  p. 11-37.

 

ROURE, S. A. G.  Concepções de indisciplina escolar e limites do psicologismo na educação.  In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED. 24, 2001, Caxambu. Anais. Rio de Janeiro: Vozes. 2001, s/p.

 

SANTOS, B. Gestão da sala de aula para prevenção da indisciplina: a importância da formação inicial.  In: ESTRELA, A.; FERREIRA, J. (Orgs.).  Indisciplina e violência na escola. XI Colóquio na AFIRSE, 2002.  p. 159-165.

 

SILVA, G. B. A educação secundária: perspectiva histórica e teoria. São Paulo: Nacional, 1969.

 

SILVA, A. M.; RUIZ, A. B.; LAZZARIN, S.  Problemas disciplinares mais freqüentes e suas causas: a visão do professor.  In: VASCONCELOS, M. L. M. C. (Org.).  (In)disciplina, escola e contemporaneidade.  Niterói: Intertexto.  São Paulo: Mackenzie, 2001.  p. 77-91.

 

SANTOS, B. Gestão da sala de aula para prevenção da indisciplina: a importância da formação inicial.  In: ESTRELA, A.; FERREIRA, J. (Orgs.).  Indisciplina e violência na escola. XI Colóquio na AFIRSE, 2002.  p. 159-165.

 

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

 

VASCONCELLOS, C. Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola.  13. ed.  São Paulo: Libertad, 2000.

 

VASCONCELOS, M. L. M. C. A pesquisa como princípio pedagógico: discutindo a (in)disciplina na escola contemporânea. In: _____ (Org.).  (In)disciplina, escola e contemporaneidade.  Niterói: Intertexto.  São Paulo: Mackenzie, 2001.  p. 9-26.