Um
dos maiores problemas que a educação e o mercado de trabalho brasileiros
enfrentam nos dias de hoje é oferecer opções à Geração Nem Nem, uma massa
gigantesca de jovens que não estudam e nem trabalham, como explica Miguel
Thompson no texto a seguir
O Brasil viveu, nas últimas décadas, o chamado bônus demográfico,
situação etária em que a população economicamente ativa (de 15 a 64 anos)
cresce a taxas mais elevadas do que a população total. Com base em estimativas
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alguns economistas
afirmam que esse ciclo começa a se encerrar neste ano. As taxas se invertem e,
de agora em diante, a população como um todo (incluídos crianças e idosos,
estes, cada vez em maior número) passará a ter maior dependência econômica
daqueles que geram renda.
Um dos efeitos possíveis e desejáveis de um bônus demográfico é o seu
potencial máximo de produção, ideal para o crescimento econômico. No entanto,
por uma série de problemas estruturais e conjunturais o país está deixando essa
oportunidade escapar.
Uma das principais parcelas dessa população ativa encontra-se em um
limbo social de difícil solução. São os chamados nem nem, jovens entre 14 e 29
anos que nem estudam, nem trabalham.
Ainda de acordo com o IBGE, considerada a força total de trabalho, que
corresponde hoje a cerca de 100 milhões de pessoas, 11 milhões são
classificados como nem nem. Entre eles, aproximadamente 70% são mulheres.
Muitas são mães e outras, por razões culturais e econômicas, trabalhadoras do
lar.
Como a escola e a sociedade podem aproveitar este potencial desperdiçado
Esses jovens têm poucas perspectivas de ocupar empregos formais ou de
retornar aos bancos escolares, ainda mais na atual crise econômica. Cerca de
metade deles não possui nem o Ensino Fundamental completo, o que os qualifica
muito pouco para a obtenção de empregos.
Por sua vez, em um país onde a escola tem pouca conexão com o mundo do
trabalho e com os interesses da juventude, é difícil imaginar que esses meninos
e meninas terão motivação efetiva para viver longos anos letivos, repletos de
aulas desinteressantes e sem sentido imediato.
Vivendo em condição de pobreza, muitos abandonaram os estudos à procura
de trabalhos precários e mal remunerados ou para cuidar dos filhos ou dos
irmãos mais novos, enquanto os pais trabalham. A baixa qualificação os impele a
procurar empregos que exigem pouca criatividade, em geral caracterizados por
tarefas mecânicas e repetitivas. São justamente as ocupações mais propensas a
ter a força humana substituída por robôs.
Estimativas apontam que, até 2020, cerca de cinco milhões de postos de
trabalho serão eliminados em decorrência das novas tecnologias. Se hoje o
Brasil tem cerca de 13 milhões de desempregados, poderá atingir recordes
históricos de desocupação nos próximos dois anos.
Para que o contingente dos nem nem não seja abandonada, toda a sociedade
terá de empenhar grande esforço para absorver esses jovens em funções ainda não
imaginadas. O potencial produtivo deles é fabuloso e precisa ser recuperado com
estímulo e remuneração digna. Nenhuma nação que se pretende desenvolvida pode
virar as costas para esse contingente enorme de potenciais trabalhadores.
De maneira estrutural, é necessário criar e implementar políticas
públicas de inclusão e desenvolvimento para os nem nem. A maioria deles é de
negros, pobres e mulheres. Políticas afirmativas precisam extrapolar as
questões ideológicas. Educar, instruir e desafiá-los a desenvolver o máximo
potencial só tem a contribuir com o desenvolvimento do país.
Além de reinseri-los na trajetória educacional, será preciso acompanhar
as reformas educacionais, como a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do
Ensino Infantil e do Ensino Fundamental, que propõe o desenvolvimento de
competências mais adequadas à contemporaneidade.
Todo cidadão brasileiro deve se informar sobre essa fase de elaboração
de novos currículos escolares e questionar, em sua comunidade, se a escola
está, de fato, trazendo significado aos estudantes, empregabilidade e
consciência cívica.
Nesse aspecto, o mundo do trabalho – principalmente, os gestores de RH –
deve acompanhar atenciosamente as modificações que vêm ocorrendo nas políticas
educacionais. Afinal, na escola são preparados os futuros trabalhadores.
Para o país gerar mais riqueza e justiça social, o setor educacional
precisa considerar a formação de jovens preparados para atuar em novos modelos
de produção, baseados na criatividade, na resolução de problemas com autonomia,
com responsabilidade social e ambiental.
Uma escola ágil e atraente será capaz de tirar o primeiro nem dos nossos
jovens. Mas a responsabilidade das empresas também é grande. É preciso oferecer
condições para que os jovens possam trabalhar e se desenvolver ao mesmo tempo.
Por exemplo, jovens mães precisam ter acesso a creche ou ter jornadas de
trabalho com horários mais flexíveis. O mesmo vale para o jovem trabalhador que
quer retomar os estudos.
Por vezes, um vale-transporte a mais, que permitirá ao jovem deslocar-se
do trabalho para a escola e da escola para sua casa, pode fazer enorme
diferença. Sistemas de tutoria e coaching
nas empresas também podem funcionar como incentivo para o empenho nos estudos.
Com ações nesse sentido, vai sendo possível eliminar o segundo nem.
Miguel
Thompson é Diretor Executivo do Instituto Singularidades. Licenciado em Biologia pela Universidade
Mackenzie, doutor e mestre em Oceanografia pela Universidade de São Paulo
(USP), Thompson também tem um MBA em Marketing pela Fundação Instituto de
Administração, da mesma instituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário