Marcelo Labes resenha "Adroaldo, de Majestosa", de Eduardo Sens dos Santos
OS BRASIS DE ADROALDO
por Marcelo Labes
http://www.mallarmargens.com
Acabo de ler – com grata satisfação – o romance ‘Adroaldo, de
Majestosa’, de Eduardo Sens (Penalux, 2018), e enumero aqui as razões dessa
satisfação. Mas antes preciso dizer que se trata esta obra.
Adroaldo é um promotor público que, na década de 1920, é enviado do
Recife para uma cidadezinha de migração alemã no sul do país (qualquer
coincidência com o Vale do Itajaí ou com as demais colônias germânicas no sul
do país me parecem bem acertadas) onde precisa combater a ameaça do separatismo
germânico naquela porção que, de certa forma, quase não se considerava Brasil.
A tarefa delicada e que poderia fazer desse um romance tenso e repleto
de lugares comuns sobre o complicado tema germanidade-brasilidade, traz à tona
uma tensão pouco ou quase nunca explorada na literatura que tem o sul do país
como paisagem: os conflitos idiomáticos dentro dos conflitos étnicos. Pois que
Adroaldo, o promotor, grande leitor de romances policiais estrangeiros, não
fala o idioma oficial de Majestosa. E ocupar uma posição de poder tão
importante numa pequena cidade sem dominar o alemão coloca nosso protagonista
em diversas saias justas.
Outra questão – e importantíssima – se deve à maneira como sabemos de
Adroaldo. Um jovem jornalista, em busca de um lugar ao sol, procura escrever a
biografia do já falecido promotor. Acompanhamos o jornalista-narrador em busca
de dados sobre aquela personalidade ambígua de quem pouco se sabe, mas eles são
de difícil acesso – quando existem – e a lembrança de quem conviveu com aquele
recifense migrado para o sul muitos anos antes já é afetada pelos humores, pela
idade dos consultados e pela distância no tempo entre a convivência com
Adroaldo e as entrevistas realizadas.
Mas eu ia enumerar razões, então aqui vão:
1) ‘Adroaldo’ é uma leitura leve e bem-humorada. Sim, porque não se
tratam simplesmente de boas piadas, mas de um humor bem localizado e que faz o
leitor rir de nervoso. Às vezes pelas confusões emocionais de um
promotor-leitor que não consegue exatamente se distanciar dos livros
aventurescos em que vive preso;
2) O narrador é generoso. Pois sempre que há diálogos em alemão, temos
ali a tradução espontânea. O recurso permite que saibamos o que dizem os
habitantes de Majestosa, mas também nos coloca a par do que pensa que ter
entendido Adroaldo. Uma narração bilíngue e dinâmica afasta Eduardo Sens dos
autores blasé que investem em estrangeirismos sem contar com o desconhecimento
da língua por seus leitores. Que bom!
3) Apesar de aparentemente fluida, a leitura de ‘Adroaldo, de Majestosa’
deixa pano para muitas mangas. Um desses temas é o separatismo sulista de cunho
étnico (predominantemente alemão) da primeira metade do século XX – movimento
este que é pai do separatismo contemporâneo, que se disfarça de movimento
político, mas tem em si a discriminação racial como norte.
4) A leveza ácida, a ironia. Em diversos momentos, a realidade de
‘Adroaldo, de Majestosa’ bate à nossa porta. Em se tratando da história de um
servidor público, é impossível não tratar do tema da burocracia: ali se vê que
entre a década de 1920 e a atualidade, os descaminhos burocráticos nos atolam
na lama, seja porque um promotor se afoga em devaneios, seja pela tão conhecida
falta de vontade de servidores públicos em nos dar uma mão quando precisamos.
5) Eduardo não teme retratar os conflitos entre os habitantes de
Majestosa e o exógeno Adroaldo. E aqui a narrativa ganha muito, como ganhamos
nós, leitores, que não somos obrigados a nos curvar em reverência às personagens
e suas posições de descendentes de imigrantes europeus – conclusão cara a quem
vem de uma região de imigração alemã, onde tudo são louvores e nostalgia
construída: é assim quando o autor se refere às confusões de Adroaldo com o
idioma germânico, como também quando somos colocados diante das constrangedoras
cenas em que o forasteiro, simpático à ideia de se integrar à comunidade, é
motivo de risos dos habitantes locais.
Seja pela sociedade realizada em torno de um núcleo duro de imigrantes,
sejam as referências delicadamente dispostas ao longo do texto, esta Majestosa
criada por Eduardo Sens para receber – e em certa medida repelir – Adroaldo me
faz lembrar Blumenau, o tal [enclave] germânico em território brasileiro, lugar
onde nasci e sobre o qual escrevo, volta e meia. E tal como disse ao cineasta
Zeca Pires, autor do documentário “Anauê”, sobre os movimento fascistas em
Blumenau e arredores nas décadas de 1930 e 1940, digo agora ao Eduardo:
precisamos que alguém de fora venha nos mostrar quem somos. E acrescento: é
preciso este olhar estrangeiro também para nos fazer rir, ocupados que somos.
Tão artificialmente germânicos, menos na tristeza. Esta é genuinamente alemã.
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