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sábado, 13 de agosto de 2016

A empolgação precisa ser costurada com a linha da razão


Coloque o orgulho no seu devido lugar!
Júlio Furtado

A Olimpíada está aí, com todo o glamour e na contramão das previsões catastróficas, funcionando dentro que podemos chamar de “normalidade”. O Rio está mais bonito, mais seguro, mais bem cuidado e transpirando cortesias e “welcomes”. É normal sermos invadidos por um sentimento de orgulho e torcida para que tudo seja tão impecável quanto a Cerimônia de Abertura. Afinal, estamos há bastante tempo num baixo-astral crônico, alimentado por escândalos, inflação, desemprego e doenças. A festa de abertura funcionou como um poderoso analgésico em meio a tanta dor.

Já vi escolas colando cartazes com frases de otimismo e motivação dizendo coisas como “Provamos que somos capazes e mostramos ao mundo o que é o Brasil!”. Essa frase me fez pensar nos efeitos dessa convulsão motivacional, bem típica do caráter mágico que permeia nossa cultura. De fato, a cerimônia foi linda, bem ensaiada, emocionante, arrancando elogios de grande parte da imprensa internacional.

Emocionei-me ao assistir à entrada dos atletas palestinos, dos refugiados e, claro, ver nossos atletas explodindo de alegria. Algumas passagens foram marcantes, como o hino cantado por Paulinho da Viola e o desfile da Gisele, eternizando a Garota de Ipanema.
A empolgação, porém, precisa ser costurada com a linha da razão e com a agulha da realidade, sob pena de se transformar em otimismo compulsivo e ingênuo. Achei bonita a mensagem de preservação do planeta, mas soou-me falsa quando lembrei que não houve “tempo” nem “dinheiro” para despoluir a Baía de Guanabara. Gostei da representação estética da favela e de sua cultura ao fundo, mas não conseguia parar de pensar que o processo de “pacificação” está em risco por causa da falta de investimento em recursos, urbanização e programas de inclusão social. Foi bacana ver tantas representações de pluralidade cultural e respeito às diferenças, mas isso não me fez esquecer a realidade que ainda massacra as minorias.
Vamos torcer e até mesmo sentir arrepios como um bálsamo ao nosso momento de preocupações, mas sintamos esperança que fortalece para enxergarmos a realidade e lutarmos para transformá-la. Que seja um orgulho que sirva de matéria-prima para a elaboração de nossa consciência e de combustível para ações.
Júlio Furtado é professor e escritor
Fontes: 
Imagens: Internet 
Texto: Jornal O Dia

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