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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Como redigir Crônicas



Se não fossem as crônicas registradas no Egito antigo, eu diria que a crônica é um gênero brasileiro. Espia só: ela se adapta a tudo (jornal, livro, blog, rede social, rádio, televisão…), tem uma dose considerável de humor, fala de todos assuntos, transita em qualquer área do conhecimento e é tão escorregadia que ninguém consegue classificá-la. Ou seja, é um texto mestiço — livre, leve e solto.


Mas engana-se quem pensa que a crônica, por ser um gênero flexível, é fácil de escrever. Ao contrário, é necessário conhecimento, técnica e muita prática para redigir um texto tão versátil e, ao mesmo tempo, curto e original. A respeito dessa dificuldade, leia a opinião de José de Alencar:

Obrigar um homem e percorrer todos os acontecimentos, a passar do gracejo ao assunto sério, do riso e do prazer às misérias e chagas da sociedade; e isto com a mesma graça, finura e delicadeza. […] O poeta glosa o mote, que lhe dão, o músico fantasia sobre um tema favorito, o escritor adota um título para seu livro ou artigo. Somente o folhetinista (cronista) é que há de sair fora da regra, e ser uma espécie de remédio para todos os males.

E o que Machado de Assis pensava sobre isso?

O folhetinista (cronista) é a fusão admirável do útil com o fútil. […], mas nem todos os dias são tecidos de ouro para ele. Há os dias negros, adivinhem? o dia de escrever. Passam-se séculos nas horas em que o cronista gasta à mesa a construir sua obra (uma crônica). Ora, quando o espirito está disposto, a coisa passa-se bem. Mas quando à falta de assunto une-se a morbidez […], é um suplício! Os olhos negros que saboreiam essas páginas coruscantes de lirismos e de imagens mal sabem às vezes o que custa escrevê-las.

 No Brasil, a crônica que conhecemos hoje era chamada de folhetim no século XIX. Tinham 2 tipos de folhetins nessa época: romance e variedade. As duas espécies de textos eram publicadas nos rodapés dos jornais.


Folhetim de 1905

O folhetim-romance era uma história de ficção, com personagens, publicado em capítulos separados em jornais. Muitos desses folhetins foram reunidos em livros posteriormente e tornaram-se clássicos da nossa literatura, como “O guarani”, de José de Alencar e “O triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto.

Já o folhetim-variedade abordava todos os assuntos do país: política, artes, problemas sociais, lutas de classes ou coisas corriqueiras, tudo em um texto a fim de entreter o leitor. Era uma espécie de sedução verbal, ou seja, muitas pessoas passaram e desenvolver o hábito da leitura através dos folhetins, criando, assim, um público leitor no Brasil.

Também pudera, gente! Com aqueles jornalistas, só não lia quem não sabia ler: Machado de Assis, Olavo Bilac, Raul Pompéia, Aluísio Azevedo e José de Alencar foram alguns dos grandes cronistas do século XIX.

No próximo século, outros nomes enriqueceram a crônica brasileira, tornando esse texto, que era jornalisticamente efêmero — em literariamente duradouro: Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Cecília Meireles, Mario de Andrade, Fernando Sabino, Millôr Fernandes, Nelson Rodrigues, Drummond, Sério Porto e aquele que deu novas formas e outros tons à crônica — Rubem Braga. (Braaasil, sou apaixonada por Rubem Braga! Outro dia, falarei só sobre ele…)

Mas como produzir uma crônica?

Para começo de conversa, o objetivo do cronista é criar uma proximidade com o leitor, como se fosse um amigo, como em uma conversa. Por isso, na crônica predomina a primeira pessoa. Esse caráter intimista, pessoal e até confessional não quer dizer que tudo é real na crônica, pois, como um gênero híbrido, ela pode ser ficcional e verídica ao mesmo tempo.

Além disso, deve ser um texto curto e claro; e, embora fale de coisas profundas, o cronista deve abordá-las de um jeito leve, sem cansar o leitor, o objetivo é torná-lo um amigo, lembra? Nada de espantá-lo com uma leitura longa, chata ou pesada. Como disse Olavo Bilac: “A palavra pesada abafa e ideia leve”.

A crônica é mais conhecida por ser bem-humorada. Contudo, não precisa ter, necessariamente, humor no texto, mas leveza, sim. Aliás, entre as mulheres não há cronistas conhecidas pelo seu bom humor (se bem que uma graça natural não faz mal a ninguém), apenas escritoras que redigiam crônicas com um tom existencial ou social, talvez, sejam essas as características das nossas cronistas, como é o caso de Clarice Lispector e Rachel de Queiroz.

E este nosso trabalho de escrever? Meu Deus, como às vezes é sórdido! Aquele riscar, aquela grosseria do texto primitivo, aquele tatear atrás da palavra desejada e, ainda pior, da combinação de palavras desejadas! Tanta beleza que a gente sonhou, depois de posta do papel como ficou inexpressiva, barata e normal!  Rachel de Queiroz

A crônica saltou das páginas de jornais para a internet. Hoje você pode redigir crônicas históricas, descritivas, psicológicas, políticas, didáticas, poéticas, literárias e humorísticas em seu blog ou na sua rede social — e fisgar leitores que procuram textos breves, acolhedores e inteligentes. (Ou também pode fazer essa bagunça que acabou de ler aqui: um texto falando de tudo e de nada, uma crônica ensinando como redigir crônicas.)

Elaine Rodrigues, professora de Literatura e Redação
Autora do livro Desfragmentos (crônicas), disponível na Amazon.

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