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sábado, 9 de novembro de 2019

A inusitada e singular estória de Franz Kafka e a boneca viajante


Um ano antes de sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência singular. Passeando pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando porque havia perdido sua boneca. Para acalmar a garotinha, inventou uma história – a boneca não estava perdida, mas viajara, e ele, um ‘carteiro de bonecas’, tinha uma carta em seu poder que lhe entregaria no dia seguinte. Naquela noite, ele escreveu a primeira de muitas cartas que, durante três semanas, entregou pontualmente à menina, narrando as peripécias da boneca vividas em todos os cantos do mundo.

Durante anos, Klaus Wagenbach, um estudioso de Kafka, procurou a menina pela região próxima ao parque, investigou com os vizinhos, colocou anúncio nos jornais, mas nunca conseguiu encontrar a pista da menina ou dos originais das cartas. Segundo Dora Dymant, sua última companheira, Kafka se envolveu com tanta seriedade na tarefa de consolar a pequena Elsi como se escrevesse mais um de seus romances ou contos que nunca foram publicados em vida. Toda essa inusitada situação, verdadeira ou não, acabou inspirando Jordi Sierra a escrever este livro e inventar as supostas cartas, criando desta forma um final imaginário para esta estranha e bela história.

O livro é dividido em quatro partes: primeira ilusão: a boneca perdida – quando Kafka encontra a menina chorando no parque; segunda fantasia: as cartas de Brígida – quando se torna o carteiro de bonecas, e passa a escrever as cartas da então boneca perdida que se tornou viajante; terceira ilusão: o longo percurso da boneca viajante – quando começam as cartas de despedida da boneca; quarto sorriso: o presente – quando há a aceitação e superação da perda.

“Quanto a mim, permiti-me a transgressão: inventar essas cartas, terminar a história, dar-lhe um final imaginário. Pode ter sido este ou outro qualquer, não acho que seja muito importante. O que aconteceu é tão belo em si mesmo que o resto carece de importância. A única coisa evidente é que aquelas cartas devem ter sido mais lúcidas que as recriadas por mim.”

– Jorri Sierra I Fabra, declara no final do livro “Kafka e a Boneca Viajante”. [tradução Rubia Prates Goldoni]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008.

“Por que a dor infantil é tão poderosa?
Mas, enfim por que existe tanto poder na dor infantil? Essa indagação movimenta as peripécias com que o personagem se depara tentando aplacar a sua própria angústia em ver aquela criança inconsolável diante da perda de sua boneca. E por que será que isso acaba também nos envolvendo? Talvez essa dor nos remeta ao desamparo e à solidão que um dia já experimentamos e por compaixão nos aflija e nos solicite para algum tipo de auxílio, ou quem sabe por solicitar de nós uma resposta, uma prontidão, afinal, quando nos propomos a trabalhar com crianças assumimos um pouco esse papel de correspondente, tentando, de algum modo, nos comunicar com a criança e seu mundo, não é esse o desafio ao qual somos freqüentemente convocados? Afinal, como diz o autor: – Salvar uma menina não é salvar o mundo?“

– José Carlos Neves Machado (médico pediatra), trecho da resenha sobre o livro “Kafka e a Boneca Viajante”. in: Boletim – Deptº de Psicanálise da Criança, Instituto Sedes Sapientiae. Ano III, nº 17, agosto 2010.

ILUSTRAÇÕES E TRECHOS DO LIVRO

“[…] você deve saber que viver é seguir sempre em frente, aproveitar cada momento, cada oportunidade e cada necessidade. Você também vai fazer a mesma coisa daqui a alguns anos. As pessoas e as bonecas são feitas de sentimentos e emoções que é preciso ir usando aos poucos. São nossa energia vital. Depois desses anos a seu lado, sou a boneca mais feliz que existe, cheia de energia. Quero que fique contente, e muito, porque tudo que sou devo a você. Você cuidou de mim, me ensinou muitas coisas, me amou e me fez ser uma boa boneca. Agora que me preparo para iniciar uma nova vida, a partida foi triste por deixá-la, mas bonita porque graças a você sou livre para fazer isso.”

– Jordi Sierra I Fabra, em ‘Kafka e a boneca viajante’. [tradução Rubia Prates Goldoni]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008.

 Kafka e a boneca viajante | Kafka y la muneca viajera. de Jordi Sierra I Fabra. Ilustrações Pep Montserrat

“Não sabia o que fazer. As crianças eram um completo mistério, seres de alta periculosidade, um conjunto de risadas e lágrimas alternadas, nervos e energia à flor da pele, perguntas sem fim e exaustão absoluta.”

– Jordi Sierra I Fabra, em ‘Kafka e a boneca viajante’. [tradução Rubia Prates Goldoni]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008.

 Kafka e a boneca viajante | Kafka y la muneca viajera. de Jordi Sierra I Fabra. Ilustrações Pep Montserrat

“… quanto a mim, seria incapaz de matar um leão ou um elefante. Totalmente incapaz. Para que destruir uma vida? Esses animais selvagens são tão lindos, Elsi. Tão lindos e nobres em sua liberdade. A natureza é tão pródiga com seus filhos. Às vezes percebo que o mundo é o lugar mais bonito que existe, e vejo a imensa sorte que temos de viver nele…”

– Jordi Sierra I Fabra, em ‘Kafka e a boneca viajante’. [tradução Rubia Prates Goldoni]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008.

§

“O rosto de Elsi era um poema, uma canção. Toda a fascinação da infância flutuava em seus traços e toda a inocência da sua idade, talvez a melhor, rebentava naquela sinfonia de cores e enorme alegria.”

– Jordi Sierra I Fabra, em ‘Kafka e a boneca viajante’. [tradução Rubia Prates Goldoni]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008.

 Kafka e a boneca viajante | Kafka y la muneca viajera. de Jordi Sierra I Fabra. Ilustrações Pep Montserrat

“Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”

– Jordi Sierra I Fabra, em ‘Kafka e a boneca viajante’. [tradução Rubia Prates Goldoni]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008.

 Livro: Kafka e a boneca viajante, de Jordi Sierra I Fabra [ilustrações Pep Montserrat; tradução Rubia Prates Goldoni]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008.

O livro publicado no Brasil

:: Kafka e a boneca viajante | Kafka y la muñeca viajera. de Jordi Sierra I Fabra [ilustrações Pep Montserrat**; tradução Rubia Prates Goldoni***]. São Paulo: editora Martins Fontes, 2008; 2010.

Breve biografias

Franz Kafka (1883-1924) é um dos nomes incontornáveis da literatura do século XX, e um escritor que soube, como poucos, dar expressão às questões cruciais do homem moderno. Sua obra, relativamente pequena (escrita ao longo de menos de doze escassos anos), é um exemplo de concisão bem como de uma escrita perturbadora. Ao mesmo tempo em que trabalha angústias universais do ser humano– medo, vergonha, repulsa, culpa, impulso sexual –, o autor é emblemático de seu (nosso) tempo por descrever, como ninguém, a ansiedade de personagens presos a engrenagens institucionais e burocráticas – simbolizando, em última análise, a existência humana.

* Jordi Sierra I Fabra é um premiado escritor com mais de 300 obras publicadas. Criou a Fundação Jordi Sierra i Fabra, em Barcelona, e a Fundação Taller de Letras Jordi Sierra i Fabra para a América Latina, na Colômbia, que desenvolvem intenso trabalho com crianças e jovens para estímulo à leitura e à criação literária. O livro Kafka e a boneca viajante, ganhou o “premio nacional de literatura infantil y juvenil” em 2007.

** Pep de Montserrat (Espanha, 1966). Ilustrador de diversos livros infantis e juvenis. Também trabalha como ilustrador para jornais como El país, na Espanha, e The New York Times, nos Estados Unidos. Desde 1998 é professor na escola de arte Massana de Barcelona.

*** Rubia Prates Goldoni é doutora em Letras pela USP e tradutora, com cerca de quarenta títulos publicados. Foi professora de Literatura Espanhola e de Prática de Tradução na Unesp. Entre os autores que traduziu estão Federico García Lorca, Ricardo Piglia, Mario Benedetti, Jules Verne e Carmen Laforet. Em 2009, recebeu o Prêmio FNLJ Monteiro Lobato de Melhor Tradução Jovem, por Kafka e a boneca viajante, de Jordi Sierra I Fabra.

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