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domingo, 5 de abril de 2020

Quando acreditamos em alguém, de Renato Cardoso



Era uma típica sexta-feira ensolarada. A vida transcorria naturalmente (se é que vida de professor transcorre naturalmente). Seis tempos de aulas foram dados e, entre chamadas de atenção e explicações, o sinal do sexto tocou.

Os alunos logo se foram e a vida do professor ficou de lado para dar lugar à vida do produtor cultural. Era dia de Diário Itinerante, havia marcado com Erick e Ivone na escola na qual dei aula naquela sexta (sairíamos de lá, direto para a escola onde faríamos o evento).

Ivone já estava a postos, pois trabalhamos no mesmo lugar. Erick chegou no horário combinado, 1 hora da tarde. Chamei um Uber e fomos para o Clube Mauá.

Chegamos, e em seguida a coordenadora da escola chegou no intuito de nos levar para realizar o evento e a premiação do Juventrova. A escola ficava no bairro de Vista Alegre, lugar normal como tantos outros da periferia de São Gonçalo (isso se tem como chamar algum lugar de São Gonçalo de periférico. São Gonçalo é uma grande periferia).

Entramos na escola e fomos encaminhados para o local do sarau itinerante. Os alunos já estavam lá juntos à professora, que aguardava ansiosamente pelo resultado do concurso de trovas.

Às 14 horas iniciamos a atividade. Ivone comandou a tarde de poesia na escola (quando ela está nos Itinerantes deixo a apresentação com ela, pois sabe como cativar os adolescentes como ninguém). O público era de uma grande maioria de meninas, mas um menino chamava atenção devido sua intensa felicidade; ou seria um modo irônico de ser. Não sabíamos distinguir isso.

Uma hora e meia se passou, e todos nós falamos sobre a importância da escrita, da leitura, do futuro. Chamamos Fernanda, a professora, para fazermos a premiação. Todos estavam nervosos pelo resultado, inclusive ela.

Como de costume, eu sempre peço aos professores responsáveis pelo projeto nas escolas, que chequem se os alunos premiados estão presentes. E isso foi feito. Fernanda olhou detalhadamente todos e quando chegou no primeiro lugar… Surpresa! Era o menino da risada contínua.

Fernanda chamou a coordenação e a direção, tamanha foi a surpresa. Até aquele momento não entendíamos nada do que estava acontecendo, mas a vida prosseguiu e o resultado foi sendo divulgado.

Chegamos então no primeiro lugar e a coordenadora pediu a palavra (ela queria anunciar o vencedor). Deixei que realizasse tal feito, pois queria saber que estranheza era essa pelo primeiro lugar.

A história do aluno W (vamos chamá-lo assim) foi contada. Uma história cheia de conflitos e dissabores. Uma história de enfrentamento (lembra-se da dúvida entre felicidade e ironia? Então…). Um aluno que por seu comportamento havia sido deixado de lado e, naquele momento, era o melhor em algo na escola.

O mesmo ouvia tudo com uma única reação, rir. Foi chamado ao palco para receber o prêmio e se recusou, pois não queria ler sua trova. Depois de alguns minutos de convencimento, W foi até o palco e recebeu medalha e certificado.

A coordenadora leu sua trova. Quando ele chegou perto de mim para tiramos a tradicional foto, percebi que estava tremendo. Sim, estava nervoso e rindo (como sempre). Ele parou, olhou para a medalha, tirou a foto individual e depois a coletiva.

Descemos do palco e fomos recepcionados com um delicioso café da tarde. E se dirigiu à professora Fernanda e lhe ofereceu a medalha como agradecimento por ter acreditado nele. A professora recusou, dizendo que o mérito era dele (ato típico de pessoas iluminadas).

O tempo estava passando, precisava voltar para o local de onde saímos, pois ainda tinha que trabalhar (o terceiro turno me esperava. Vida de professor no Brasil). Despedimos-nos de todos. Entramos no carro da coordenadora e seguimos viagem.

Andamos poucos metros e avistamos W voltando para casa. Ele estava observando sua medalha e rindo (desta vez era felicidade, pois ele ainda não havia nos notado). Seus passos apresados nos mostrava que ele queria chegar logo, talvez fosse para mostrar que finalmente foi o melhor em algo.

Baixamos o vidro, novamente o parabenizamos. Ele agradeceu e se despediu. A viagem seguiu, e a última cena que lembro foi a de um garoto contestado, provando para si que pode ser o melhor.

São Gonçalo não deixa, muita das vezes, seus filhos mostrarem o quanto são bons em algo. Vidros fechados e viagem que segue… Afinal o terceiro turno me aguardava.

Poeta Renato Cardoso

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