Existe uma explicação para isso, e um jeito de mudar. Maria Montessori
respondeu essas perguntas e explicou como o adulto pode se tornar digno da
obediência da criança, em seu melhor livro, Mente Absorvente.
Por
Gabriel M Salomão para o Lar Montessori
Todas as famílias já se perguntaram
em algum momento: por que meu filho não me obedece? Às vezes, a criança obedece a
professora, mas não aos pais, às vezes, só a um dos pais e não ao outro, e em
alguns casos as crianças obedecem de vez em quando, mas não sempre. Existe uma
explicação para isso, e um jeito de mudar. Maria Montessori respondeu essas
perguntas e explicou como o adulto pode se tornar digno da obediência da
criança, em seu melhor livro, Mente Absorvente.
No livro, Montessori explica que a obediência se desenvolve em três níveis,
e que só no terceiro a criança consegue obedecer de verdade. Vamos conhecer os
três níveis agora, e entender como ajudar a criança em cada um deles.
1. Primeiro Nível da
Obediência
As crianças que estão no primeiro nível da obediência obedecem de vez em
quando, mas não obedecem sempre. A obediência exige que a criança abra mão do
que ela gostaria de fazer, para executar o que outra pessoa pediu. No primeiro
nível, a criança obedece quando a sua vontade e a da pessoa que pediu são
iguais, ou, mais raramente, quando tem sucesso em suplantar a sua vontade pela
do outro.
É muito fácil para um adulto se incomodar com a falta de constância na
obediência da criança. “Se ela consegue me obedecer de vez em quando, por que
não sempre? Ela só faz as coisas quando quer!“, é o que pensa o adulto. E ele
não sabe que está correto, mas que sua raiva está mal colocada. Por enquanto, a
criança ainda não amadureceu o suficiente para abrir mão de sua vontade pela
vontade do outro. Nesse período, precisamos ter paciência e continuar a
oferecer para ela um excelente ambiente, um comportamento adulto paciente e
útil, e escolhas.
2. Segundo Nível da Obediência
O segundo nível da obediência me parece ser o mais crítico de todos.
Nele, a criança tem muito mais sucesso em suprimir a sua vontade e executar a
vontade do outro. Ela está suficientemente desenvolvida para obedecer com muita
frequência. Mesmo assim, de vez em quando falha, porque afinal de contas ela
tem vontades, e por vezes vai se opor à nossa vontade.
Nesse período, quase todos os adultos param, e vivem uma disputa eterna
com as crianças, que pode durar muitos anos. Como sabem que a criança é capaz
de obedecer, os adultos usam todas as ferramentas que têm para chegar à
obediência. Castigos e prêmios surgem com força aqui, e não desaparecem mais.
Recompensas, chantagens, barganhas, tudo aparece nesse período, para conquistar
a obediência da criança. Geralmente não funciona. Mas mesmo quando funciona,
tudo o que essas ferramentas fazem é impedir a criança de chegar ao terceiro
nível.
3. Terceiro Nível da
Obediência
No terceiro nível da obediência acontece a mágica de Montessori. A
criança deixa de obedecer porque é capaz, e passa a obedecer porque deseja e
sente prazer. No terceiro nível, a criança se mostra quase ansiosa para receber
orientações e segui-las com o máximo de perfeição. Mas não são todos os adultos
que chegam a esse ponto com suas crianças. Existe um adulto que a criança gosta
de obedecer.
A criança obedece com prazer os adultos que ela admira. A obediência que
a maioria dos adultos conseguem vem da opressão, do medo, da recompensa, ou da
troca. Mas a obediência que traz felicidade à criança não é essa. Ela obedece
feliz quando obedece porque admira. Quem a criança admira?
O Adulto Admirável
O adulto que consegue compreender as necessidades da criança, organizar
para ela um excelente ambiente, ter com ela um comportamento elegante,
cuidadoso, amoroso e firme, que a ajuda a conquistar a própria independência e
que respeita sua necessidade de trabalhar sozinha sem ser interrompida… Esse é
o adulto admirável. A criança olha para esse adulto e pensa: “Ele é sábio. Ele
me vê por dentro. Se eu seguir o que ele pede, posso me tornar alguém assim”, e
a criança obedece não porque ela é menor e nós maiores, mas porque nós somos
fascinantes e ela deseja se transformar em um adulto fascinante também.
Parar no segundo nível da obediência, como quase todo mundo faz, leva a
um mundo de pessoas obedientes em excesso, que questionam pouco as regras
absurdas de nosso mundo, e estão dispostas até mesmo a matar e morrer por
obediência cega a líderes ruins. Pela felicidade de nossos filhos e pelo bem da
humanidade, devemos saltar para o terceiro nível da obediência, em que a
criança escolhe obedecer as pessoas que ela admira, quando as ordens são
razoáveis.
Nem toda ordem deve ser obedecida. Nem todo adulto merece obediência, e
a criança sabe disso. Se abrirmos mão dos castigos e dos prêmios, descobriremos
de novo nossas crianças, e então, nos tornando adultos admiráveis,
conquistaremos sua confiança, admiração e, se for bom para todos, sua
obediência feliz.
Em Montessori não defendemos crianças disciplinadas, mas
autodisciplinadas, não as que obedecem cegamente, mas as que podem escolher
obedecer quando a vontade do outro é melhor que a sua, e vale a pena abrir mão
da sua para seguir uma que é melhor e, sobretudo, admirável.
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