O primeiro dia de aula de um professor: o que fazer?
– Conversas com um Jovem Professor – Leandro Karnal
Escrito por
Leandro Karnal em “Conversas com um jovem professor“
Vai começar.
Você estudou anos para isto. Preparou aquela aula. Leu e debateu autores que
tratam do tema. Porém, nada no planeta pode substituir a experiência de
enfrentar uma turma pela primeira vez. Uso o verbo enfrentar porque é esta a
sensação: dezenas de olhos colocados sobre você. Um pouco mais de silêncio se
for uma turma que não se conhece ou… muito barulho se for uma turma que se
reencontra depois das férias. E, finalmente, cadernos e livros na mão, ei-lo entrando
para o local privilegiado da sua profissão: a sala de aula.
A faculdade
antecipa pouco essa experiência real. Onde eu enfio Piaget e Vigotsky quando
vou fazer a chamada? Dúvidas banais substituem os grandes temas da
psicopedagogia: coloco 'P' ou 'ponto' para a presença? E aqueles trabalhos
imensos sobre a produção do conhecimento numa sociedade dependente periférica
capitalista? Agora só ocorrem perguntas triviais e pouco nobres: é permitido
rasurar o diário? Será que eu posso autorizar a ida ao banheiro daquele aluno
que está de pé desde que eu entrei?
Na verdade, o
banho realístico veio antes da sua solene entrada na turma. Começou na sala dos
professores. Colegas deram conselhos práticos: 'Não mostre os dentes no
primeiro dia'. Para quem não está acostumado a essa linguagem, significa não
sorrir de imediato para não perder o controle da sala. Os mais experientes
soltaram risadinhas: 'Você vai ver aquela sétima B'! A advertência é quase uma
praga ou, talvez, um desejo velado de que você fracasse. Disseram-me há uns 30
anos: 'Deus inventou o conhecimento e o diabo, invejoso, criou o colega…'. Na
época, muito jovem, eu achava a frase amarga.
Aqui, um
conselho prático: antes de entrar em sala, ouça os colegas, desde os muito
interessantes até os indiferentes. Alguns querem ajudar. Outros não toleram sua
juventude ou entusiasmo. Ouça a todos. Porém, nunca se esqueça: a fala do
colega diz respeito, exclusivamente, à experiência dele e não à sua. O
aluno-problema dele talvez seja apenas dele e a turma fácil talvez não flua tão
bem com você.
Ouça sempre. A
experiência tem valor, mas esteja atento a essa verdade pétrea que vale até
para este livro: bons conselhos podem ser úteis, mas seu caminho será
construído exclusivamente por você.
Passados quase
30 anos do primeiro momento que dei aula na vida, o impacto de entrar numa nova
sala, com alunos novos, no primeiro dia de aula ainda me dá medo. Não é mais o
medo de antes. Comecei a dar aulas no ensino fundamental e médio antes de me
formar. Eu tinha pavor que meus alunos descobrissem que eu ainda não tinha
diploma. Um pouco mais tarde, aos 23 anos, comecei a dar aulas na universidade
e me vestia de forma a parecer mais velho. Eu tinha um dos medos mais
ancestrais de um professor: perder o controle de uma turma. Definitivamente, o
medo de parecer jovem demais desapareceu e foi quase substituído pelo receio
oposto. Aqueles medos sumiram. Mas o friozinho na barriga continua. Continua o
incômodo de não saber os nomes no começo. Estabelecer uma relação semanal com 30,
40, 50 jovens pensando neles apenas como: o de vermelho, a menina de saia, o
cabeludo (ou coisas até um pouco pejorativas…). Pior: se eu tiver 10 turmas de
50 (número comum), terei 500 seres humanos para saber o nome a cada ano, e
ainda devo considerar que novos entram como se fosse uma cistite permanente
pingando no meu diário.
Aqui, nossa
função tem vantagens sobre outras. Uma primeira aula ruim tem efeitos menos
visíveis do que uma primeira cirurgia ruim ou uma primeira ponte mal projetada.
Porém, o sutil da função de professor é que a primeira cirurgia ruim ou pontes
ruins podem ter relação com… aulas ruins. Quando pego um aluno em pleno
doutorado que ainda não domina regras básicas do uso da crase, penso: há uns 10
ou 15 anos um professor errou e eu noto isso só agora.
Regressemos para
a aula. Vamos imaginar uma aula típica, de uns 40 a 50 minutos. Você entra e
aquela dúvida volta: devo ser simpático ou seco? Sorrir ou mostrar cara de
autoridade séria? Meu irmão psicólogo usa uma metáfora que aprecio: a relação
profissional guarda semelhanças com o salva-vidas. Se ele se aproxima muito do
afogado e o abraça fraternalmente, ambos afundam. Se ele fica muito distante, a
vítima cumpre sua sina de afogar-se sem ajuda. É inútil fingir uma dureza que
você não tem ou que nem quer ter. É perigoso usar de muita intimidade. A aula é
um momento profissional e você não é amigo dos alunos. Amizade implica
isonomia, igualdade, algo inexistente na sala de aula. Pelo mesmo motivo que
você não é amigo, você não é o inimigo, pois amizade e inimizade implicam
relações pessoais, frequentemente íntimas. Repita para si sempre: sou o
professor (porque, em muitas ocasiões, alunos, direção e pais tentarão
convencê-lo de outras coisas).
Já demos o
primeiro passo. No início, talvez seja importante pensar nesse equilíbrio entre
a familiaridade e a distância. Com o tempo, isso deveria tornar-se mais
natural. Há variantes também de cultura para cultura e de escola para escola. É
mais fácil ser próximo quando o aluno é adulto numa universidade e escolheu
aquele curso.
Mas… devo ser
sincero. Não é fácil começar. É como aprender a andar de bicicleta: há um
momento que tiram as rodinhas auxiliares ou a pessoa que nos apoiava desaparece
e estamos sozinhos. É o medo do goleiro na hora do pênalti. É o medo de todo
profissional: estou diante do que quero, mas não tenho certeza de como fazer o
que quero. Ansiedade natural e universal, mas intensa.
Chegou o dia: a
aula começou e seus alunos sabem por instinto, como feras selvagens, se a
pessoa a sua frente está segura ou não, farão uso disso. Distancie-se um pouco
e deixe diminuir a importância da situação. Aquela aula não decidirá o destino
do universo e, com sorte, a cada semana ela será um pouco melhor ou mais segura
ao menos. Enfrente. Não tem jeito. A vítima inicial será seu orgulho, mas o
mundo prosseguirá. Respire fundo e entre. É como injeção: a espera pela picada
da agulha costuma causar mais angústia do que a espetada em si.
A aula
Do ponto de
vista prático, uma boa aula é um cruzamento de quatro linhas de força. A
primeira diz respeito a você. A segunda é o conteúdo em si. A terceira está nas
condições externas (ambiente, barulho externo, iluminação, calor, conforto da
sala etc.). A quarta e mais importante diz respeito aos alunos.
Primeira linha: você
Digamos o óbvio:
você é, como todo ser humano, um elemento variável. Há dias bons e ruins. Há
biorritmos: tenho colegas que adoram dar aula à noite e eu amo sempre dar aula
no primeiro momento da manhã. Há problemas pessoais que interferem na sua
atuação profissional. Com o tempo, você perceberá que há infecções específicas
do magistério, como a 'outubrite',
mal que acomete educadores quando o ano está no fim. Não tem jeito. Não somos robôs.
Tenha sempre presente: você varia muito e seu aluno ainda mais. Entenda um
pouco esse ritmo. Mas há um recurso para enfrentar essas oscilações. Antes de
começar a jornada de trabalho pense: como estou hoje? Estou bem? Ótimo. Estou
ansioso ou angustiado com a conta de luz que não consegui pagar? Tente afastar
esse pensamento de forma prática: depois da aula, eu verei isso. Estou com um
pouco de dor de cabeça? Posso resolver uma indisposição com algum remédio?
Essas perguntas são importantes porque a consciência de um mal-estar ou de uma
aflição costuma diminuir o controle que essa angústia tem sobre mim. Aprenda a
se conhecer. O sintoma mais normal (e ruim) de quem não se conhece bem é a
reação excessiva a coisas pequenas. Um aluno não abriu o livro na página certa
e você teve vontade de matá-lo? Isso é um sintoma. É muito sábio ter um pouco
de consciência sobre seu estado de ânimo para ser, no mínimo, justo com os
alunos e, no máximo, eficiente como profissional.
Segunda linha: conteúdo
A segunda linha
de força é o conteúdo em si. Existem programas, livros, apostilas,
coordenadores, vestibulares e muitas variáveis que nos fazem, permanentemente,
parecer atrasados com o conteúdo. Não importa o quanto você corra: na última
etapa, com frequência a mais interessante, você está defasado. Para piorar:
tudo e todos retardam o avanço do conteúdo. Avisos da direção, indisciplina,
feriados e um mundo infinito de coisas que acontecem na sua aula e que impedem
de falar ou de ensinar.
Planeje a
quantidade de conteúdo que permita uma aula produtiva. Dar demais ou de menos
atrapalha o ritmo dos alunos. Se sua aula tem 45 minutos, digamos, pense que
quase 15 (geralmente mais) serão perdidos nos bueiros da chamada, indisciplina,
avisos, mãos que se levantam para ir ao banheiro etc. Então, imaginando que
todo conteúdo deve fazer link com o que você deu na aula anterior naquela turma
(lembre-se de que o aluno acabou de sair de uma aula sobre Tabela Periódica e
está entrando numa sobre Império Bizantino), que este link demore uns cinco
minutos e que você precisa reservar uns cinco minutos para fechar o conteúdo
retomando conceitos centrais e reforçando o que foi dado restam… vinte minutos
de aula. Evite começar lento e começar a correr quando o tempo se esgota. A
técnica não pode ser superior ao conteúdo: você não pode passar mais tempo
escrevendo do que explicando, mais tempo montando Datashow do que analisando e
mais tempo removendo cadeiras para um debate do que realizando o evento.
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Karnal
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