“O ódio é uma interrupção do pensamento e uma irracionalidade
paralisadora. Como pensar é árduo, odiar é fácil. [...]
O mundo deve concordar conosco. Quando não concorda, está errado. Somos
catequistas porque somos infantis. A democracia é boa sempre que consagra meu
candidato e a minha visão do mundo. A democracia é ruim, deformada ou
manipulada quando diz o contrário.
Todo instituto de pesquisa é comprado quando revela algo diferente do
meu desejo. Não se trata de pensar a realidade, mas adaptá-la ao meu eu. As
crianças contemporâneas (especialmente as que têm mais 50 anos como eu) batem o
pé e fazem beicinho, mandam mensagem no WhatsApp e argumentam. Mas, como toda
criança, não ouvimos ninguém. Ou melhor, ouvimos, desde que o outro concorde
comigo; então ele é sábio e equilibrado. Selecionamos os fatos que desejamos
não pelo nosso espírito crítico, mas por uma decisão prévia e apriorísticas que
tomamos internamente. Grosso modo, isso foi explicado em Uma Teoria da
Dissonância Cognitiva, de Leon Festifnger.
Seria bom perceber que ódio fala muito mim e pouco do objeto que odeio.
Mas o principal tema do ódio é meu medo da semelhança. Talvez por isso os ódios
intestinos sejam mais virulentos do que os externos. Odeio não porque sinta a
total diferença do objeto do meu desprezo, mas porque temo ser idêntico. Posso
perdoar muita coisa, menos o espelho.
Mas o ódio é feio, um quasímodo moral. A ira continua sendo um pecado
capital. Assim, ele deve vir disfarçado da defesa da ética, do amor ao Brasil,
da análise econômica moderna. Esses são os polos que banham de luz a fealdade
(desonra, feiura). E, como queria... sempre teremos 999 professores de virtude
para cada pessoa virtuosa. Em oposição, encerro acrescentando: sempre teremos
999 pessoas odiando para cada pessoa que pensa. Isso às vezes me dá ódio…”.
“Trecho
de “O ódio nosso de cada dia” – de Leandro Karnal - Revista Pazes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário