Pesquisar este blog

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Ensinem afeto nas escolas!


Ensinem afeto nas escolas. Os bons profissionais precisam ser, antes de tudo, bons seres humanos


Ana Helena Lopes


Um médico que saiba calcular as doses do medicamento é um bom profissional, mas um médico que saiba dosar as palavras na hora de dar um diagnóstico terrível é um bom ser humano.

Um professor que saiba transmitir o conteúdo é um bom profissional, mas um professor que consiga transformar o conteúdo de cada aluno é um bom ser humano. Um repórter que cubra notícias com informações precisas é um bom profissional, mas um repórter que se (re)descubra fazendo uma matéria é um bom ser humano. Um policial que resgata uma criança sequestrada é um bom profissional, mas um policial que se emocione enquanto entrega a criança de volta para a mãe é um bom ser humano.

É que acontece que bons profissionais são confundidos com máquinas – precisas, frias e incansáveis – e, por isso, ecoa pelo mundo inteirinho um pedido: ensinem afeto nas escolas. Precisamos formar seres humanos. Os bons profissionais precisam ser, antes de tudo, bons seres humanos.

A matemática não basta se as contas não servirem para mostrar como a divisão do dinheiro é injusta, como uns poucos ganham muito e uns muitos ganham pouco.

A história não é suficiente se os livros não contarem que os povos indígenas já moravam aqui antes de serem descobertos e roubados e explorados pelos europeus. A gramática não serve de nada se as regras não explicarem que pode haver um sujeito oculto sentado ao lado da sua carteira e você nem notou que ele também gosta de conversar, de dar risadas e de trocar figurinhas na hora do recreio.

Ensinar afeto é tarefa complexa, muito mais que as matérias que são ensinadas na escola. Porque ensinar afeto é abrir a porta para os sentimentos, é se colocar na pele do outro, é sofrer com a dor do colega, é se alegrar com a conquista do amigo. É reservar um tempo para olhar para o céu, para acompanhar a formiguinha trabalhando, a flor se abrindo, o feijãozinho crescendo no algodão. É dar a mão, o colo, o abraço, o calor.

Ensinar afeto é explicar que tudo bem sentir medo, que não é o fim do mundo tirar uma nota baixa na prova, que não tem problema errar, que não faz mal algum cair e que é permitido pedir ajuda.

Aliás, ensinar afeto é compartilhar diferentes maneiras de ajudar e de ser ajudado. É entender que a gente também está vivendo e errando e aprendendo durante a viagem e não vale focar apenas na chegada.

Eu sei, isso não cai no vestibular, nem no concurso público. Isso não conta muitos pontos no Lattes e nem faz o perfil no Linkedin ganhar mais visualizações. Isso não é pré-requisito para a vaga disputada e isso não é diferencial no processo seletivo. Isso não aumenta as chances de passar de ano e nem de ser escolhido para a entrevista de emprego.

Mas é que isso não tem nada a ver com passar na frente, com ser escolhido, com se dar bem no mercado de trabalho, com virar bicho na faculdade. Isso tem a ver com ser humano.

E, no fim, afeto é tudo o que importa, acredite! Você vai preferir encontrar pela vida bons seres humanos do que bons profissionais.

Acontece que só consegue ensinar afeto quem aprendeu a escutar (pois já não bastava apenas ouvir), quem aprendeu a enxergar (pois já não bastava apenas ver), quem aprendeu a sentir (pois não bastava apenas tocar).

E coisas como o afeto, depois que se aprende, nunca mais se esquece, feito andar de bicicleta: a gente passa a usar os ouvidos da alma e os olhos do coração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário