Erick Morais
Em meio a uma
vida extremamente dinâmica, em que todos estão sempre com pressa, você tem
perdido tempo para cativar alguém?
Cativar segundo o dicionário significa impressionar
uma pessoa (ou várias) com seu caráter ou jeito de ser, agir ou falar. Isso
mesmo, impressionar com o caráter ou jeito de ser. Entretanto, parece-me que
esse verbo está ficando obsoleto. Talvez, eu esteja errado, mas me consolo, ao
saber que uma das figuras mais sábias da literatura divide a mesma opinião.
Em um mundo cada vez mais dinâmico, em que as pessoas
estão sempre com pressa, perder tempo com alguém não faz parte do cardápio. A
modernidade líquida com a sua fluidez apresenta um problema no que tange às
relações humanas, qual seja, a dificuldade em criar laços.
Essa dificuldade foi percebida como muita
sensibilidade por Saint-Exupéry, no seu magnífico (foi difícil escolher a
palavra) “O Pequeno Príncipe”. Na obra, lá pela parte XXI, o principezinho
encontra uma raposa, a qual lhe transmite ensinamentos sobre a arte de cativar.
“[...] Que quer
dizer “cativar”? É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar
laços.”
Cativar é uma arte que realmente está esquecida. Não
queremos perder tempo com ninguém, logo não buscamos criar laços. Pelo
contrário, temos necessidades de relações com facilidade em desconectar (já se
perguntou por que o Facebook faz
tanto sucesso?). Construir laços é muito trabalhoso e leva tempo. E tempo é o
que não temos no mundo líquido.
Por que devo perder tempo cativando alguém, isto é,
construindo laços, se posso a cada dia ter novos “amigos”? A conta é simples –
quando enjoo de alguns, troco por outros – e o melhor: a conta sempre bate. Os
adultos são especialistas em fazer contas, talvez, por isso se adaptem tanto a
esses relacionamentos.
A resposta à pergunta supracitada pode ser respondida
por qualquer indivíduo minimamente honesto, pois esses relacionamentos podem
garantir até alguma coisa, mas, amizade não é uma delas.
Para ser amigo de alguém é preciso saber cativar, e
para cativar é preciso perder tempo. Criar laços é como construir uma ponte,
uma vez que, se não estiver bem feita, nos faz cair. Criar laços é fazer de
alguém simples, uma pessoa especial; de um em meio à multidão, a multidão em
meio a um. Ou seja, é trabalhoso e ultimamente tenho a impressão de que as
pessoas não gostam de sujar as mãos.
Talvez, ainda não tenham compreendido o que é cativar.
Sendo assim, retiro-me para que uma amiga mais sábia que eu possa falar:
“Exatamente,
disse a raposa. Tu não és nada ainda para mim senão um garoto inteiramente
igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens
também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil
outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro.
Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...”
Ah! Agora, talvez tenham compreendido a importância de
criar laços. É somente quando criamos laços que nos tornamos únicos para o
outro. Só, quando nós cativamos o outro, nos tornamos importante para ele, pois
só carregamos dentro de nós aquilo que não encontramos em nenhum outro lugar.
Cativar é um verbo que tem como complemento direito
alguém, quem em meio a tantos se tornou único. E não há como ser único estando
sempre com pressa, de modo que não esteja presente para dar um abraço ou
decifrar os enigmas de um longo olhar. Também, não há como comprar um amigo em
lojas ou sites de vendas. É preciso saber perder tempo para ter amigos.
“Os homens não
têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas
como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres
um amigo, cativa-me.”
Perder tempo com alguém, como isso nos assusta. Aliás,
a própria expressão “perder tempo” é controversa, pois não perdemos nada
estando com alguém, pelo contrário, ganhamos. Entretanto, por medo ou
conveniência (ou os dois) esquecemos o significado de cativar.
A bem da verdade, criar laços não é fácil, como já
disse, e exige além de esforço, paciência. Paciência para esperar o cimento que
mantém os tecidos coesos secar. Paciência para compreender os mistérios que
permeia o outro. Paciência para conhecer, uma vez que
“A gente só
conhece bem as coisas que cativou.”
Como não andamos com muita paciência, logo, não
cativamos e como não cativamos, não conhecemos ninguém de verdade.
Contentamo-nos em passar pela vida conhecendo apenas representações. Muito
preocupados em aparecer, esquecemos como é bom ser importante para alguém, pois
quando somos importantes, ainda que deixemos de existir, continuamos existindo
no outro.
Existindo em função dos laços que criamos, das horas
“perdidas” cativando. Existindo em cada pedacinho que respira. Existindo em
cada nó que forma o laço. E como nós são pequenos, dificilmente os veremos com
os olhos, mas é um erro procurá-los com os olhos, pois
“[...] só se vê
bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.”
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