Pais “muito bonzinhos” são um
dilema existencial para carregar, mais tarde.
Por Ana
Maria Ribas Bernardelli
O que é mais importante para os pais: manter a casa em ordem, ou deixar
os filhos à vontade, sem disciplina, e sem ordem? A resposta adequada seria:
manter a casa em ordem, e esperar que os filhos fiquem à vontade sob disciplina
e ordem. Basta que eles sejam educados para isso.
O que é mais importante para família: um marido satisfeito, feliz,
relaxado, à custa de cuecas jogadas pelo banheiro, e toalhas molhadas sobre a
cama, ou um parceiro ordeiro e colaborativo? A resposta adequada seria: um
marido feliz, satisfeito, ordeiro e colaborativo, que ajude a manter a casa
longe do caos. E para esposa, o que seria?
A verdade é que há situações que não se excluem, pelo contrário, se
complementam.
Esse é um tema nada excludente. Filhos, esposas e maridos devem
colaborar com a mínima ordem reinante sob pena de se tornarem abusivos fora do
convívio familiar. Não há felicidade na desordem. Não pode haver tolerância com
a desordem organizada sistematicamente como se a desordem fosse a ordem.
A criança que cresce sem envolvimento com a ordem, aprenderá a
envolver-se com a desordem. O adulto que foi criança e não guardou o brinquedo
que usou, terá grandes possibilidades de vir a ser pouco colaborativo, daquele
tipo que levanta da mesa na casa da tia sem retirar e lavar o seu prato, ou sem
arrumar a sua cama.
Não é de nenhum tratado filosófico que retirei essas conclusões; é da
vida, da experiência, da análise prática.
Todas as crianças que são deixadas sem a disciplina da ordem criam uma
desordem amplificada, depois de adultos. As casas que habitam são uma bagunça.
As tarefas que deveriam ser resolvidas diariamente passam a ser desempenhadas
em prazos dilatados por semanas, meses, e anos. A louça é lavada quando não há
mais lugar sobre a pia e embaixo da pia. As roupas vão para a máquina, quando a
última calcinha vai para o corpo. Tudo é abusivamente acumulado.
Não há regras que possam valer para quem foi criado sem regra alguma.
Há nos desordeiros domésticos uma forte tendência para se tornarem
acumuladores, aqueles indivíduos que guardam todo tipo de lixo fora e dentro
deles. Começam por não catalogar objetos que, sem lugar definido, se misturam
sob as mais diversas categorias. Livros no chão fazem companhia a chinelos
jogados, documentos espalhados, travesseiros abandonados pelo caminho. As mais
diversas coisas e coisinhas cujo destino é incerto, somam-se às coisas maiores
que se acumulam na superfície.
A Teoria do Caos prevê a grosso modo que, se uma casa for deixada limpa,
arejada, arrumada, com todos os objetos em seus devidos lugares, basta um tempo
relativamente curto para que o abandono se encarregue de instalar o caos.
O que quero dizer com isso? Quero dizer que todas as forças do Universo
decaído trabalham a favor do caos.
Não é preciso que eu e você façamos coisa alguma para que o caos se
instale. Basta que não o façamos.
Dentro de pouco tempo, a poeira fina se depositará sobre a superfície em
camadas sedimentadas, as aranhas farão suas teias, o mofo se expandirá sobre as
áreas que guardam algum vestígio de umidade e tudo- absolutamente tudo- entrará
em processo de desintegração e morte.
A vida cobra a sua e a minha colaboração para que o universo se mantenha
em cadência de ritmo, harmonia, e perfeita intencionalidade da ordem.
Alguns pais parecem ignorar essa necessidade e não colocam os seus
filhos na cadeia da ordem. Preferem que eles se juntem à cadeia da desordem.
É a pior coisa que os pais podem fazer.
Pais muito “bonzinhos” se tornam incubadores de adultos porcalhões e
relaxados. Pais muito “bonzinhos”, inconscientemente, esperam que seus filhos os
amem mais por isso, e, no devido tempo, cobrarão que esse “amor” lhes seja
devolvido.
Pais “muito bonzinhos” são um dilema existencial para carregar, mais
tarde. Choramingam o tempo todo dizendo quão bons foram para os seus filhos, e
exatamente por terem criado filhos irresponsáveis, bagunceiros e
relaxados, não receberão de volta nem o
amor, e nem a ordem minimamente necessária, que a última etapa de vida pede,
para que se morra em paz.
Dia desses, fui testemunha de um fato bastante humano e convincente:
Diante do quarto do menino que apresentava um cenário bagunçado, a mãe o mandou
tomar banho, e enquanto ele tomava o banho, ela entrou no quarto e confiscou o Ipad.
Ao sair, o menino perguntou:
– Mãe você pegou o meu Ipad?
– Peguei. O Ipad só volta quando
o seu quarto estiver tão organizado como você o recebeu pela manhã.
Assim aconteceu por dois dias. Não foi preciso mais do que dois dias
para que o hábito se instalasse.
Haveria três caminhos: fazer tudo pelo filho; repetir todos os dias a mesma
cantilena, elevando a voz; exercer autoridade acompanhada do sequestro de um
privilégio ao qual ele se acostumara: o uso do Ipad.
Penso que ela fez uma ótima escolha.
Então, é isso: pais eduquem os seus filhos para a manutenção da ordem. É
um benefício que fará grande diferença na vida adulta e é tão importante que
até o ar, o céu, o sol, o mar, as árvores, as plantas, os rios, os peixes, os
animais, os homens de boa vontade, a Terra, e o Universo agradecem.
Nota: Pais são aqueles que criam e podem ser mães, pais, avós ou
qualquer outro responsável que esteja a frente da educação da criança.
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