Douglas
Tufano
A literatura não é matéria escolar, é matéria de vida.
A boa literatura problematiza o mundo, tornando-o opaco e incitando à
reflexão. É um desafio à sensibilidade e inteligência do leitor, que assim se
enriquece a cada leitura. A literatura não tem a pretensão de oferecer modelos
de comportamento nem receitas de felicidade; ao contrário, provoca o leitor,
estimula-o a tomar posição diante de certas questões vitais. A literatura
propicia a percepção de diferentes aspectos da realidade. Ela dá forma a
experiências e situações que, muitas vezes, são desconcertantes para o jovem
leitor, ao ajudá-lo a situar-se no mundo e a refletir sobre seu próprio
comportamento.
Mas essa característica estimuladora da literatura pode ser anulada se,
ao entrar na sala de aula, o texto for submetido a uma prática empobrecedora,
que reduz sua potencialidade crítica.
Se concordarmos em que a escola deve estar mais atenta ao
desenvolvimento da maneira de pensar do que à memorização de conteúdos, devemos
então admitir que sua função mais importante é propiciar ao aluno atividades que
desenvolvam sua capacidade de raciocínio e argumentação, sua sensibilidade para
a compreensão das múltiplas facetas da realidade. A escola, portanto, deveria
ser, antes de tudo, um espaço para o exercício da liberdade de pensamento e de
expressão.
E se aceitarmos a ideia de que a literatura é uma forma particular de
conhecimento da realidade, uma maneira de ver o real, entenderemos que ela pode
ajudar enormemente o professor nessa tarefa educacional, pois pode ser uma
excelente porta de entrada para a reflexão sobre aspectos importantes do
comportamento humano e da vida em sociedade, e ainda permite o diálogo com
outras áreas do conhecimento.
O professor é o intermediário entre o texto e o aluno. Mas, como leitor
maduro e experiente, cabe e ele a tarefa delicada de intervir e esconder-se ao
mesmo tempo, permitindo que o aluno e o texto dialoguem o mais livremente
possível.
Porém, por circular na sala de aula junto com os textos escolares,
muitas vezes o texto literário acaba por sofrer um tratamento didático, que
desconsidera a própria natureza da literatura. O texto literário não é um texto
didático. Ele não tem uma resposta, não tem um significado que possa ser
considerado correto. Ele é uma pergunta que admite várias respostas; depende da
maturidade do aluno e de suas experiências como leitor. O texto literário é um
campo de possibilidades que desafia cada leitor individualmente.
Trabalhar o texto como se ele tivesse um significado objetivo e unívoco
é trair a natureza da literatura e, o que é mais grave do ponto de vista
educacional, é contrariar o próprio princípio que justificou a inclusão da
literatura na escola. Se agirmos assim, não estaremos promovendo uma educação estética,
que, por definição, não pode ser homogeneizada, massificada, despersonalizada. Sem
a marca do leitor, nenhuma leitura é autêntica; será apenas a reprodução da
leitura de alguma outra pessoa (do professor, do crítico literário etc.).
Cabe ao professor, portanto, a tarefa de criar na sala de aula as
condições para o desenvolvimento de atividades que possibilitem a cada aluno
dialogar com o texto, interrogá-lo, explorá-lo. Mas essas atividades não são
realizadas apenas individualmente; devem contar também com a participação dos
outros alunos –– por meio de debates e troca de opiniões –– e com a
participação do professor como um dos leitores do texto, um leitor
privilegiado, mas não autoritário, sempre receptivo às leituras dos alunos,
além de permitir-lhes, conforme o caso, o acesso às interpretações que a obra
vem recebendo ao longo do tempo.
Essa tarefa de iniciação literária é uma das grandes responsabilidades
da escola. Uma coisa é a leitura livre do aluno, que obviamente pode ser feita
dentro ou fora da escola. Outra coisa é o trabalho de iniciação literária que a
escola deve fazer para desenvolver a capacidade de leitura do aluno, para ajudá-lo
a converter-se num leitor crítico, pois essa maturidade como leitor não
coincide necessariamente com a faixa etária. Ao elaborar um programa de
leituras, o professor deve levar em conta as experiências do aluno como leitor
(o que ele já leu? como ele lê?) e, com base nisso, escolher os livros com os
quais vai trabalhar.
Com essa iniciação literária bem planejada e desenvolvida, o aluno vai
adquirindo condições de ler bem os grandes escritores, brasileiros e estrangeiros,
de nossa época ou de outras épocas. Nesse sentido, as noções de teoria literária
aplicadas durante a análise de um texto literário só se justificam quando,
efetivamente, contribuem para enriquecer a leitura e compreensão do texto, pois
nunca devem ser um fim em si mesmas. A escola de Ensino Fundamental e Médio
quer formar leitores, não críticos literários. Só assim é possível perceber o especial
valor educativo da literatura, que, como dissemos, não consiste em memorizar conteúdos
mas em ajudar o aluno a situar-se no mundo e a refletir sobre o comportamento humano
nas mais diferentes situações. Literatura é aprendizado de humanidade.
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