"Em todas as épocas a
poesia foi dada como morta, ela porém se tem mostrado centrífuga e sempiterna,
se tem mostrado vitalícia, ressuscita com grande intensidade, parece ser
eterna. Com Dante pareceu que terminava. Porém pouco depois Jorge Marinque
lançava uma centelha, espécie de sputinik, que prosseguia cintilando nas
trevas. E logo Victor Hugo parecia arrasar, não ficava nada para os demais.
Então o senhor Charles Baudelaire apresentou-se corretamente trajado de dândi,
seguido do jovem Arthur Rimbaud, trajado de vagabundo, e a poesia começou de
novo. Depois de Walt Whitman, que esperança!, já ficaram plantadas todas as
folhas de relva, não se podia pisar no relvado. Não obstante, veio Maiakovski e
a poesia parecia uma casa de máquinas: deram-se assobios, disparos, suspiros,
soluços, ruídos de trens e de carros blindados. E assim prossegue a história.
É claro que os inimigos da
poesia sempre pretenderam assestar-lhe uma pedrada num olho ou um golpe de
garrote na nuca. Fizeram-no de diversos modos, como marechais individuais,
inimigos da luz, ou regimentos burocráticos que marcharam com passo de ganso
contra os poetas. Conseguiram a desesperação de alguns, a decepção de outros,
as tristes retificações dos menos. Mas a poesia começou a brotar como uma fonte
ou manar como uma ferida, ou a construir com o braço partido, ou a cantar no
deserto, ou a levantar-se como uma árvore, ou a transbordar como um rio, ou a
estrelar-se como a noite nas mesetas da Bolívia.
A poesia acompanhou os
agonizantes e estancou as dores, conduziu às vitórias, acompanhou os
solitários, foi queimante como o fogo, leve e fresca como a neve, teve mãos,
dedos e punhos, teve brotos como a primavera, teve olhos como a cidade de
Granada, foi mais veloz do que os projéteis dirigidos, foi mais forte pelas
fortalezas: deitou raízes no coração do homem.
[...] A poesia tem comunicação
secreta com os sofrimentos do homem. Há que ouvir os poetas. É uma lição de
história."
-
Pablo Neruda, em "Respondendo a uma pesquisa", no livro “Para nascer
nasci”. [tradução Rolando Roque da Silva]. Rio de Janeiro: DIFEL, 1981. - Texto
extraído 'Releituras'
(acessado em 2.5.2016)
Passeio
ao Crepúsculo, de Vincent van Gogh – 1889-1890
Acervo
Museu de Arte de São Paulo - MASP
GRITA
AMOR, quando chegares na fonte distante,
cuida para não me morder com voz de sonho:
para que a minha dor não morra nas tuas asas,
que na garganta de ouro voz não se afogue.
Amor -
quando chegares
na fonte
mais distante,
sê
turbilhão que assola,
sê rompante
que crava.
Amor,
desfaz o ritmo
da minha
água tranquila:
saibas tu ser a dor que retine e que sofre,
saibas tu ser a angústia que retorce e grita.
Não seja eu
esquecido
não me dês
a ilusão
Porque todas as folhas que caíram na terra
foram tingindo de ouro meu coração.
Amor -
quando chegares
na fonte
mais distante,
desvia
minhas vertentes,
crispa as minhas entranhas.
E assim uma tarde - Amor que tens as mãos cruéis -,
ajoelharei ante de ti e te darei graças.
GRITA
AMOR, llegado que hayas a mi
fuente lejana,
cuida de no morderme con tu
voz de ilusión;
que mi dolor oscuro no se
muera en tus alas,
que en tu garganta de oro no
se ahogue mi voz.
Amor —llegado que hayas
a mi fuente lejana,
sé turbian que desuella,
sé rompiente que clava.
Amor deshace el ritmo
de mi aguas tranquilas;
sabe ser el dolor que
retiemblan y que sufre,
sábeme ser la angustia que se
retuerce y grita.
No me des el olvido.
No me des la ilusión.
Porque todas las hojas que a
la tierra han caído
me tienen amarillo de oro el
corazón.
Amor —llegado que hayas
a mi fuente lejana,
tuérceme las vertientes,
críspame las entrañas.
Y así una tarde —Amor de manos
crueles—,
arrodillado, te daré las
gracias.
-
Pablo Neruda, em "Crepusculário". [tradução José Eduardo Degrazia].
Edição Bilíngue. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2011.
Pablo Neruda
BREVE
BIOGRAFIA DE PABLO NERUDA
Pablo Neruda (Ricardo Neftalí Reyes Basoalto) nasceu na cidade chilena
de Parral, em 12 de julho de 1904. Sua mãe era professora e morreu logo após o
nascimento do filho. Seu pai, que era funcionário de ferrovia, mudou-se, alguns
anos mais tarde, para a cidade de Temuco onde se casou novamente com Trinidad
Candia Malverde. Ricardo passou a infância perto de florestas, em meio à
natureza virgem, o que marcaria para sempre seu imaginário, refletindo-se na
sua obra literária.
Em Temuco, conheceu a poetisa Gabriela Mistral, então diretora de uma
escola, que muito se afeiçoou a ele.
Pablo Neruda
Com treze anos, Ricardo começou a contribuir com alguns textos para o
jornal La montaña. Foi em 1920 que surgiu o pseudônimo Pablo Neruda – uma
homenagem ao poeta tchecoslovaco Jan Neruda (1834-1891) –, sob o qual o jovem
publicava poemas no periódico literário Selva austral. Vários dos poemas deste
período estão presentes em Crepusculário, o primeiro livro do poeta a ser
publicado, em 1923. No ano seguinte, 1924, foi publicado o livro Veinte poemas
de amor y uma canción desesperada, no qual a mulher simboliza o mundo que o
jovem poeta ansia por conhecer.
Além das suas atividades literárias, Neruda estudou francês e pedagogia
na Universidade do Chile. No período de 1927 a 1935, trabalhou como diplomata
para o governo chileno, vivendo em Burma, Ceilão, Java, Cingapura, Buenos
Aires, Barcelona e Madri. Em 1930, casou-se com María Antonieta Hagenaar, de
quem se divorciaria em 1936. Viveu com Delia de Carril a partir de meados da
década de 30 (casaria-se com ela em 1943 e dela se divorciaria em 1955).
Em meio às turbulências políticas de proporções mundiais do período do
entre-guerras, Neruda publicou o livro que marcaria um novo período em sua
obra, Residência na terra (1933). Surgia uma poesia de um pessimismo social
angustiado, marcada pela orientação política e culminando no grito pela
revolução. Em 1936, o estouro da Guerra Civil Espanhola e o assassinato de
Federico García Lorca, a quem Neruda conhecia, aproximam o poeta chileno dos
republicanos espanhóis e faz com que ele seja destituído de seu cargo consular.
Neruda exalta as forças republicanas espanholas em Espanha no coração (1937),
livro de poemas que foi impresso no front da Guerra Espanhola e que,
posteriormente, passou a integrar o livro Terceira residência (1947). Também no
poema Canto a Stalingrado, recolhido em Terceira residência mas escrito nos
anos antecedentes à Segunda Guerra Mundial, se pode perceber a forte inclinação
esquerdista e engajamento político-social do poeta.
Em 1943, Neruda voltou ao Chile, e em 1945 foi eleito senador da
república, filiando-se ao partido comunista chileno. Devido a suas
manifestações contra a política repressiva do presidente Gonzales Videla para
com mineiros em greve, teve de viver clandestinamente em seu próprio país por
dois anos, até exilar-se, em 1949. Em 1950, foi publicado no México e
clandestinamente no Chile o livro Canto geral, escrito por Neruda quando era
cônsul-geral no México. Além de ser o título mais célebre de Neruda, Canto
geral é uma obra-prima de poesia telúrica que exalta poderosamente toda a vida
do Novo Mundo – os vegetais, os homens, os animais –, denuncia a impostura dos
conquistadores e a tristeza dos povos explorados, expressando um grito de
fraternidade através de imagens poderosas.
Pablo Neruda
Após viver em diversos países, Neruda voltou ao Chile em 1952. Muito do
que ele escreveu nesse tempo tem profundas marcas políticas, como é o caso de
As uvas e o vento (1954), que pode ser considerado o diário de exílio do poeta.
Em 1955, ano de seu divórcio com sua segunda mulher, Neruda iniciaria um
relacionamento com Mathilde Urrutia que duraria até a morte do poeta.
Seguiram-se os livros Estravagario (1958), Odas elementales (1954-1959), Cem
sonetos de amor (1959), que inclui poemas dedicados a Matilde, Memorial de isla
negra, obra autobiográfica em cinco volumes publicada em 1964, por ocasião do
60º aniversário do poeta, Arte de pájaros (1966), La barcarola (1967), a peça
Fulgor e morte de Joaquín Murieta (1967), Las manos del día (1968), Fin del
mundo (1969), Las piedras del cielo (1970) e La Espada encendida (1970).
Pablo Neruda, por Xulio Formoso
Em 1971, Pablo Neruda recebeu a honraria máxima para um escritor, o
Prêmio Nobel de Literatura, por causa de sua poesia que, “com a ação de forças
elementares dá vida ao destino e aos sonhos de todo um continente”. Publicou, a
seguir, Geografia infructuosa (1972). Pablo Neruda morreu em Santiago do Chile,
em 23 de setembro de 1973, apenas alguns dias após o golpe militar que depusera
da presidência do país o seu amigo Salvador Allende, em 11 de setembro. Vários
livros de poesia daquele que foi a voz poética mais célebre e universal do século
20 foram publicados postumamente. São eles: El mar y las campanas (1973), El
corazón amarillo (1974), Defectos escogidos (1974), El libro de las preguntas
(1974), Elegia (1974) e Jardim de inverno (1975). Também foram publicados após
a morte de Neruda os livros de prosa Confesso que vivi (memórias), 1974, e Para
nascer he nascido (1978).
Fonte:
LPM Editora (acessado em 2.5.2016)
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