“…quanto mais elevada for a posição de uma pessoa na escala hierárquica
da natureza, tanto mais solitária será, essencial e inevitavelmente. Assim, é
um benefício para ela se à solidão física corresponder a intelectual.” Arthur
Schopenhauer
Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que
a vida no grande mundo, às fartas e em festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável
existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar
a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras
recíprocas.
Assim como o nosso corpo está envolto em vestes, o
nosso espírito está revestido de mentiras. Os nossos dizeres, as nossas ações,
todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio desse invólucro pode-se, por vezes,
adivinhar a nossa verdadeira mentalidade, assim como pelas vestes se adivinha a
figura do corpo.
Antes de mais nada, toda a sociedade exige
necessariamente uma acomodação mútua e uma temperatura; por conseguinte, quanto
mais numerosa, tanto mais enfadonha será. Cada um só pode ser ele mesmo,
inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama
a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está
livre.
A coerção é a companheira inseparável de toda a
sociedade, que ainda exige sacrifícios tão mais difíceis quanto mais
significativa for a própria individualidade. Dessa forma, cada um fugirá,
suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade.
Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande
espírito, toda a sua grandeza; numa palavra: cada um sente o que é.
Ademais, quanto mais elevada for a posição de uma
pessoa na escala hierárquica da natureza, tanto mais solitária será, essencial
e inevitavelmente. Assim, é um benefício para ela se à solidão física
corresponder a intelectual. Caso contrário, a vizinhança frequente de seres
heterogêneos causa um efeito incômodo e até mesmo adverso sobre ela, ao roubar-lhe
seu «eu» sem nada lhe oferecer em troca. Além disso, enquanto a natureza
estabeleceu entre os homens a mais ampla diversidade nos domínios moral e
intelectual, a sociedade, não tomando conhecimento disso, iguala todos os seres
ou, antes, coloca no lugar da diversidade as diferenças e degraus artificiais
de classe e posição, com frequência diametralmente opostos à escala hierárquica
da natureza.
Nesse arranjo, aqueles que a natureza situou em baixo
encontram-se em ótima situação; os poucos, entretanto, que ela colocou em cima,
saem em desvantagem. Como consequência, estes costumam esquivar-se da
sociedade, na qual, ao tornar-se numerosa, a vulgaridade domina.
Arthur Schopenhauer, in ‘Aforismos para a Sabedoria de Vida’
Nenhum comentário:
Postar um comentário