Bird Box: Psicóloga
desvenda mensagens subliminares do filme
Protagonizado por Sandra Bullock, o filme “Bird Box”, estreou na Netflix
já fazendo barulho e dividindo opiniões. Há os que não se agradaram, os que
gostaram muito e, como sempre, os que inevitavelmente comparam com o livro, já
que “Bird Box” foi baseado no livro
de mesmo nome de Josh Malerman –
publicado no Brasil pela Editora
Intrínseca com o título “Caixa de
Pássaros”.
O filme mostra a história de pessoas que são obrigadas a viver
escondidas e vendadas, pois criaturas misteriosas e não visíveis para quem
assiste, provocam o suicídio em quem enxergá-las. O maior desafio da personagem
de Sandra Bullock é levar seus dois filhos para um abrigo em segurança, mas
todo trajeto deve ser feito com venda nos olhos.
Segundo algumas interpretações (muito bem elaboradas, diga-se de
passagem), a diretora dinamarquesa Susanne Bier usa o tema do “pós apocalíptico” apenas como metáfora
para passar outra mensagem: a questão da depressão que afeta mais e mais pessoas
em todo o mundo a cada dia.
Aqui apresentamos uma análise elaborada pela psicóloga Gabriela Granero, vale muito a pena a
leitura.
No início do filme a
personagem principal tem dificuldade de se vincular e mostra uma incapacidade
de amar, pinta no quadro a solidão instaurada dentro de si, o que evidencia
seus sintomas depressivos e uma latente infelicidade.
Correlacionado ao período que
vivemos na qual depressão é a doença do nosso século.
Depois o filme mostra que a
“coisa” está se espalhando por todos os países e ninguém está imune, a não ser
aqueles que não olham, a “coisa” que se espalha, faz uma analogia a sociedade
contemporânea, da qual está adoecida, e todos estão se contaminando só de olhar
uns para os outros.
Esse adoecimento contemporâneo
pode ser visto na enorme quantidade de pessoas com transtornos mentais
(depressão, pânico, toc, TAG), além do isolamento social, a invasão
tecnológica, o excesso de consumismo, etc.
O pânico é muito bem
representado no filme em diversas cenas, mas talvez a mais visível seja quando
estão indo ao supermercado e o personagem negro se desespera.
Esses sofrimentos estão
levando as pessoas ao suicídio, muito bem representado no filme.
Também podemos relacionar com
a onda de suicídios coletivos ocorridos nesse último ano, em pessoas de todas
as faixas etárias.
Para não se “contaminar” os
personagens fecham os olhos, às vezes precisamos fechar os olhos frente aos
disparadores que causam adoecimento na contemporaneidade para que possamos
sobreviver, porém mais do que fechar os olhos é preciso descobrir uma nova
forma de viver.
Porém, se reinventar
constitui-se em um árduo trabalho, as vendas fazem alusão a: Ah, como é difícil
se acostumar a viver de uma outra maneira.
A travessia do rio no filme,
representa as travessia diária que temos que fazer para não nos
contaminarmos/adoecermos, porém essa travessia não é um caminho fácil mais
composto de correntezas.
Além do que muitas vezes é
preciso fazer difíceis escolhas, como no momento que a personagem tem que
escolher entre o garoto e a garota.
Quantas vezes na nossa vida
não nos vemos em um beco sem saída? Sem saber qual decisão tomar?
Outro ponto, são os “loucos”
do filme, que fazem alusão aos transtornos mentais inerentes em todos ser
humano, na qual ninguém está imune a escapar.
As cenas de suicídios, pânicos
são chocantes e metaforicamente representam a fragilidade humana, o desespero
muito bem retratado no filme, é o desespero interno que estamos vivenciando.
Outro ponto que não pode ser
esquecido, é com relação aos pássaros, sensíveis a captar quando a “coisa” está
chegando.
Quantas vezes sentimos uma
“coisa” que não sabemos nomear, às vezes não somos capazes de reconhecer nossos
próprios sentimentos.
Em uma determinada parte do
filme, o personagem Tom diz que teve um sonho na qual os pássaros estavam em um
ninho em cima da árvore, e eles foram embora e voaram.
Essa metáfora representa a
liberdade emocional e social que todo ser humano almeja, mas que é muito
difícil encontrar. Somos como pássaros presos em gaiolas.
As gaiolas representam a
escravidão evidenciada no filme, as vendas fazem analogia ao fato de que não
estamos vendo a gravidade da nossa situação, com o pânico instaurado a única
saída possível é o suicídio. Será que não estamos engaiolados?
Será que não ouvimos vozes que
nos querem convencer do contrário? Como a cena em que estão na floresta, a
atriz principal e as crianças ouvem vozes que a confundem.
Quantas vozes nos atrapalham o
nosso crescimento emocional?
Por fim, quando a personagem faz
a travessia do rio, essa desenvolve a sua capacidade de amar, Tom não vai com
ela, pois essa travessia é única, muitas vezes temos que fazê-la sozinha.
O final do filme é o mais
surpreendente, os únicos que não foram contaminados são os cegos, outra metáfora
muito forte.
Eles não veem fisicamente, mas
tem a habilidade de olhar internamente pra si, por isso não são “contaminados
pela coisa”.
Ao final a personagem
principal, aprende a amar e a lidar com seus sintomas depressivos, a capacidade
de amar a salva da sua solidão e dá sentido a sua vida.
Ao dar um nome ao garota e a
garota, fica nítido que ela perdeu o medo de se vincular. E perdeu o medo de
perder as pessoas, já que essa perdeu sua irmã, sua amiga grávida e outros
amigos.
Chegar na comunidade é
alcançar a liberdade, representada ao soltar os pássaros da gaiolas, chegar a
comunidade é desejo de alcançar a “cura” e mais do que isso fugir desse
adoecimento contemporâneo.
Nessa comunidade as pessoas
estão convivendo uma com as outras e as crianças estão brincando, e detalhe as
crianças não estão no celular.
Porém, ainda sim, os
personagens não alcançaram a liberdade em sua completude, pois estão presos em
uma “gaiola de pessoas”.
Será possível alcançar a
felicidade em sua plenitude?
O conceito de saúde mental de
acordo com a OMS é “o completo bem estar físico, mental e social.”
Será possível alcançar essa
completude? O sofrimento não é inerente a nossa condição?
Enfim, o filme está cheio de
mensagens subliminares mas às vezes estamos com os olhos vendados e não
conseguimos ver.
Gabriela
Souza Granero é psicóloga,
pós-graduada
em psicoterapia psicanalítica pelo Uni-Facef
Mestranda
em Psicologia pela UFTM