Tem
alguém aí??
Eu achava que detinha algum conhecimento, ao menos o suficiente para
conseguir atravessar os dias identificando o terreno onde pisava. Lembro
inclusive de ter sido uma criança com ares de veterana, topetuda, mas o tempo
passou, a roda girou, e hoje, à medida que os dias se sucedem, mais amadora me
sinto. Em algum momento dei uma cochilada e esse breve instante de distração
foi suficiente para o mundo fazer um looping e me desalojar. Acordei agorinha e
estou me desconhecendo. Não me transformei numa barata, e sim numa moscona —
cada um com sua metamorfose. O fato é que não sei de mais nada. Estou nauseada,
boiando nesse mar de opiniões contundentes. Quero voltar a pisar em terra
firme, mas para isso preciso que alguém me resgate.
Tem alguém aí?
Tem alguém aí que ainda duvide de alguma coisa? Dúvida é a ausência de
certeza. Não costumava ser pecado mortal ter dúvida, tínhamos várias e de certa
forma era um estado de alerta positivo, nos conduzia à investigação, ao aprofundamento
dos fatos e de nós mesmos. Só que para esclarecer as dúvidas era preciso
paciência.
Tem alguém aí com paciência?
Paciência é a virtude de saber esperar e de ser perseverante. Esperar.
Lembra esperar? É, faz tempo. Coisa que não há mais. Não há mais tempo para
pensar antes de responder, pensar antes de agir, pensar antes de acusar, pensar
antes de ofender. Ninguém dedica nem dois minutos a fim de se portar com
civilidade, nem meio minuto para escolher entre o sim e o não. Hesitou, perdeu.
Azar o seu.
Tem alguém aí com compaixão?
Compaixão é o sentimento de identificação com quem sofre ou passa por
dificuldades. Muito nobre, mas para que serviria compaixão, alguém saberia
dizer? Temperar saladas, evitar rugas, ganhar dinheiro? Antigamente servia para
temperar amizades, evitar conflitos, ganhar paz de espírito. Pouco lucrativo,
entendo.
Tem alguém aí não querendo ganhar nada com isso?
Agride-se. Persegue-se. Humilha-se. Debocha-se. Patrulha-se. Quanto mais
se pega no pé, mais se ganha em estatura. Se eu flagro o outro no erro, ponto
pra mim. Deixo claro que o bom sou eu. Que o certo sou eu. É a forma mais
rápida de se autoelogiar sem dar muito na vista.
O que tenho visto? Muita gente eloquente, inteligente, posicionada,
articulada, bem-resolvida, politizada e não aceitando vacilações: julgamento
sumário para quem não estiver do meu lado. Em outra encarnação, devo ter tido
carteirinha desse clube, mas como eu dizia no início do texto, dormi no ponto,
não paguei todas as mensalidades, mosqueei.
Tem alguém aí que não é tão bom? Que não sabe tudo? Que está meio
perdido?
Então segura aí, me espera, vou com você. Também não estou me achando.
(Martha
Medeiros - Jornal Zero Hora)
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