Julho,
1957 – Rubem Braga. Melhores crônicas. São Paulo: Global, 2013, pp. 197-198.
Coleção Melhores Crônicas.
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que
está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse,
risse tanto que chegasse a chorar e dissesse – “ai meu Deus, que história mais
engraçada!”. E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou
três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse, rissem muito e
ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história
fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida
de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o
próprio riso, e depois repetisse para si própria “mas essa história é mesmo
muito engraçada!”.
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante
aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse
casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a
rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua
má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem
os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo
aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem
os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha
história chegasse – e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e
tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o
comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados
e também aquelas pobres mulheres colhidas na
calçada e lhes dissesse – “por favor, se comportem, que diabo! eu não
gosto de prender ninguém!”. E que assim todos tratassem melhor seus empregados,
seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha
história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil
maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em
Dublin, a um japonês, em Chicago – mas que em todas as línguas ela guardasse a
sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma
aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse:
“Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida;
valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido
inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou
aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto;
sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso
conhecimento; é divina”.
E quando todos me perguntassem – “mas de onde é que você tirou essa
história?” – eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na
rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal
começara a contar assim: “Ontem ouvi um sujeito contar uma história...”.
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a
minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que
está doente, que sempre está doente e sempre está de luto sozinha naquela
pequena casa cinzenta de meu bairro.
Sobre
o autor:
Rubem
Braga [Cachoeiro do Itapemirim
(ES), 1913 – Rio de Janeiro (RJ), 1990]. Cronista, poeta e jornalista. Em 1929,
escreveu suas primeiras crônicas para o jornal Correio do Sul, de Cachoeiro do
Itapemirim. Ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, mas finalizou
a graduação na Faculdade de Direito de Belo Horizonte, em 1932. Ainda
estudante, iniciou no jornal Diário da Tarde a sua carreira como jornalista. Considerado
um dos maiores escritores brasileiros, produziu cerca de 15.000 crônicas,
publicadas em diversos jornais e revistas. Para entender em sua obra o apego à
linguagem simples e ao lirismo das coisas do cotidiano e da vida, o próprio
autor afirmava que um dos versos mais bonitos de Camões ”A grande dor das
coisas que passaram” fora escrito apenas com palavras corriqueiras do idioma.
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