Nesta
última mensagem do ano, vamos fazer uma pausa para refletir na vida pessoal e
profissional, que sempre é importante e por isso estou mandando um texto
diferente.
Prof. Mário Sobral Jr
Ensaio sobre a
Insegurança ou inspirado por Saramago
Apesar
das densas nuvens, não chovia, porém, o clima antecipava o início de um triste
dia. Antes do café o Técnico de Segurança já havia passado pelo local da obra e
havia conversado com o encarregado informando da necessidade de abertura de uma
"Permissão de Trabalho" e que já retornaria para fazer esta avaliação
e a liberação do serviço.
Minutos
passaram e o Técnico não retornou, procuraram o Engenheiro de Segurança e este
também havia desaparecido, o gerente de manutenção foi acionado e liberou o
serviço, dizendo que não poderia esperar a boa vontade dos "inspetores de
EPIs" para iniciar suas atividades. A duas quadras um trabalhador cortou profundamente
o dedo indicador e correu para o ambulatório da empresa, mas nem a Técnica de
Enfermagem nem o Médico do Trabalho estavam presentes.
Na
verdade, todos os profissionais dos SESMTs do país haviam desaparecido, não
apenas os de obrigatoriedade legal, mas também aqueles que trabalhavam
auxiliando o setor como Fisioterapeutas, Tecnólogos de Segurança, Psicólogos
etc. Sem deixar vestígios todos haviam sumido.
Na
maioria das empresas a situação inusitada não foi vista como um problema tão
grave, pelo menos não precisariam parar de produzir e infelizmente para alguns
foi até um alívio, ficaram pensando que caso fosse uma situação que
permanecesse poderiam aumentar muito a produção sem que houvesse interrupções.
Mas também tiveram empresas em que a situação foi considerada crítica, em uma
delas haviam levantado os custos com acidentes e doenças no ano anterior e
sabiam do impacto de não manterem a empresa em condições seguras para os
trabalhadores.
O governo
recebeu a notícia sem entender a gravidade da situação, e apenas liberou uma
nota na imprensa lamentando o ocorrido, mas que a princípio este seria um
problema das empresas. Quanto ao sumiço, caso os profissionais não aparecessem,
a polícia iria iniciar as buscas.
O
primeiro dia passou e talvez com os trabalhadores preocupados com a situação,
não por não terem mais profissionais de Segurança do Trabalho, mas
principalmente por estarem preocupados com o desaparecimento de colegas de
trabalho (lógico que alguns desaparecimentos também foram festejados) muitos
resolveram, em uma espécie de homenagem aos colegas, trabalhar seguindo os
procedimentos de segurança. Porém, apesar deste pensamento nobre alguns
acidentes leves ocorreram e uma morte devido a queda do terceiro andar de uma
obra mancharam de vermelho aquele dia de nuvens negras.
O dia
seguinte passou e nada mudou, ou melhor, tudo mudou, pois as famílias dos
prevencionistas entraram em desespero e pressionavam empresas e governo a
tomarem alguma ação.
A
imprensa vendo que a notícia tinha potencial de venda entrevistou familiares,
colegas de trabalho, empresários e autoridades para entender o tema. Em uma
destas entrevistas um deputado da oposição surge com uma teoria de conspiração,
dizia que o governo havia sequestrado todos estes profissionais para conseguir
aumentar a produção do país, outro com mais conhecimento sobre a importância
destes profissionais bradava que havia sido os americanos ou chineses que
queriam acabar com o comércio interno para poderem aumentar o próprio mercado
de exportações.
Os dias
passaram e o mistério continuava, nada de profissionais de Segurança do
Trabalho. Neste meio tempo as escolas que capacitavam profissionais para esta
área acharam que estavam sentadas sobre uma mina de ouro, pois todo mundo iria
fazer o curso já que não tínhamos mais profissionais aptos e haviam milhares de
vagas nas empresas. Porém a alegria não durou uma semana, as pessoas perceberam
que assim que os estudantes se formavam, no dia seguinte estes também
desapareciam e todos os alunos trancaram o curso, além disso a maior parte dos
professores também já haviam desaparecido, os que não tinham eram aqueles que
na verdade nunca haviam concluído o curso e de forma irregular realizavam
treinamentos.
Após um
mês sem nenhuma solução o presidente resolve fazer um pronunciamento sobre a
situação. Com o semblante demonstrando preocupação informa que a polícia, as
forças armadas e todos os órgãos de inteligência do país estavam envolvidos no
caso e que esperava ter uma rápida solução. Ao final mandou uma mensagem para
que as empresas não se preocupassem pois após solicitar um relatório da
Previdência Social foi informado que naquele mês os acidentes e doenças do
trabalho haviam diminuído, entendendo que os demais trabalhadores, em função da
perda dos colegas prevencionistas, estavam mais atentos e haviam se
conscientizado sobre a prevenção nos postos de trabalho.
Todos os
telejornais, rádios, portais, canais do youtube
entram minutos após o pronunciamento com seus "especialistas" (não
temos como afirmar qual a formação destes profissionais, mas a mensagem era
coerente e defendiam a profissão como se desta área fossem. Provavelmente eram
alguns dos estudantes que ainda não haviam concluído o curso, mas que
acreditavam na importância do setor) bradavam a todos os pulmões a asneira
divulgada pelo presidente. Como acreditar nos dados do relatório da Previdência
Social em que as informações dependem do envio pelas empresas e que eram
realizadas principalmente por profissionais de Segurança do Trabalho, é óbvio
que os acidentes iriam cair, simplesmente por não terem sido informados.
Alguns
meses passam e as empresas começam a perceber que o aumento de produção só
havia ocorrido no primeiro mês, além disso o aumento de processos trabalhistas
nunca esteve tão alto (importante informar que os advogados, mesmo aqueles que
atuavam diretamente com o tema não haviam sumido e estavam abarrotados de
clientes).
As
empresas resolvem tomar uma atitude e abrem vagas para os estudantes de
Segurança do Trabalho, seriam contratados como APST – Assistentes Provisórios
de Segurança do Trabalho, a solução se espalhou e foi uma corrida para
conseguir contratar os poucos estudantes que se sentiam aptos a atuar na área e
com coragem para enfrentar o problema. A solução foi copiada por centenas de
empresas e em apenas um dia houve a contratação maciça deste novo profissional.
Porém no dia seguinte todos os novos contratados também haviam desaparecido.
O
desespero tomou conta do país, empresas resolveram fechar e os acidentes que
continuavam baixos nas estatísticas do governo, a cada dia aumentavam mais e já
não podiam mais ser escondidos devidos aos acidentes diários noticiados por
toda a imprensa. Mas nem todas as empresas tiveram problemas tão sérios,
algumas que tinham o SESMT apenas como um suporte, pois possuíam uma elevada
cultura de segurança, continuaram suas atividades, diminuíram a velocidade do
processo e aumentaram os procedimentos de prevenção para suprir o
desaparecimento de um setor especializado.
Oito
meses haviam passado, com consequência queda de 25% na produção do país, o
aumento de mortes aumentou em 15%, os hospitais do governo estavam abarrotados
de doentes e acidentados, a população estava nas ruas pedindo o impeachment do
presidente, as famílias acampavam nas portas das empresas com protestos
diários.
No dia
seguinte as nuvens não estavam negras e como se nada tivesse ocorrido, todos os
profissionais de Segurança do Trabalho reapareceram, não sabiam o que havia
acontecido e nem tinham noção de quanto tempo havia passado, apenas queriam
fazer a análise dos acidentes, abrir as CATs atrasadas e entender por que de
repente estavam sendo tão festejados por apenas estarem abrindo mais uma
Permissão de Trabalho.
Mário Sobral Jr -
Eng. de Segurança do Trabalho
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