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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Ensaio sobre a Insegurança ou inspirado por Saramago


Nesta última mensagem do ano, vamos fazer uma pausa para refletir na vida pessoal e profissional, que sempre é importante e por isso estou mandando um texto diferente.

Prof. Mário Sobral Jr

Ensaio sobre a Insegurança ou inspirado por Saramago

Apesar das densas nuvens, não chovia, porém, o clima antecipava o início de um triste dia. Antes do café o Técnico de Segurança já havia passado pelo local da obra e havia conversado com o encarregado informando da necessidade de abertura de uma "Permissão de Trabalho" e que já retornaria para fazer esta avaliação e a liberação do serviço.

Minutos passaram e o Técnico não retornou, procuraram o Engenheiro de Segurança e este também havia desaparecido, o gerente de manutenção foi acionado e liberou o serviço, dizendo que não poderia esperar a boa vontade dos "inspetores de EPIs" para iniciar suas atividades. A duas quadras um trabalhador cortou profundamente o dedo indicador e correu para o ambulatório da empresa, mas nem a Técnica de Enfermagem nem o Médico do Trabalho estavam presentes.

Na verdade, todos os profissionais dos SESMTs do país haviam desaparecido, não apenas os de obrigatoriedade legal, mas também aqueles que trabalhavam auxiliando o setor como Fisioterapeutas, Tecnólogos de Segurança, Psicólogos etc. Sem deixar vestígios todos haviam sumido.

Na maioria das empresas a situação inusitada não foi vista como um problema tão grave, pelo menos não precisariam parar de produzir e infelizmente para alguns foi até um alívio, ficaram pensando que caso fosse uma situação que permanecesse poderiam aumentar muito a produção sem que houvesse interrupções. Mas também tiveram empresas em que a situação foi considerada crítica, em uma delas haviam levantado os custos com acidentes e doenças no ano anterior e sabiam do impacto de não manterem a empresa em condições seguras para os trabalhadores.

O governo recebeu a notícia sem entender a gravidade da situação, e apenas liberou uma nota na imprensa lamentando o ocorrido, mas que a princípio este seria um problema das empresas. Quanto ao sumiço, caso os profissionais não aparecessem, a polícia iria iniciar as buscas.

O primeiro dia passou e talvez com os trabalhadores preocupados com a situação, não por não terem mais profissionais de Segurança do Trabalho, mas principalmente por estarem preocupados com o desaparecimento de colegas de trabalho (lógico que alguns desaparecimentos também foram festejados) muitos resolveram, em uma espécie de homenagem aos colegas, trabalhar seguindo os procedimentos de segurança. Porém, apesar deste pensamento nobre alguns acidentes leves ocorreram e uma morte devido a queda do terceiro andar de uma obra mancharam de vermelho aquele dia de nuvens negras.

O dia seguinte passou e nada mudou, ou melhor, tudo mudou, pois as famílias dos prevencionistas entraram em desespero e pressionavam empresas e governo a tomarem alguma ação.

A imprensa vendo que a notícia tinha potencial de venda entrevistou familiares, colegas de trabalho, empresários e autoridades para entender o tema. Em uma destas entrevistas um deputado da oposição surge com uma teoria de conspiração, dizia que o governo havia sequestrado todos estes profissionais para conseguir aumentar a produção do país, outro com mais conhecimento sobre a importância destes profissionais bradava que havia sido os americanos ou chineses que queriam acabar com o comércio interno para poderem aumentar o próprio mercado de exportações.

Os dias passaram e o mistério continuava, nada de profissionais de Segurança do Trabalho. Neste meio tempo as escolas que capacitavam profissionais para esta área acharam que estavam sentadas sobre uma mina de ouro, pois todo mundo iria fazer o curso já que não tínhamos mais profissionais aptos e haviam milhares de vagas nas empresas. Porém a alegria não durou uma semana, as pessoas perceberam que assim que os estudantes se formavam, no dia seguinte estes também desapareciam e todos os alunos trancaram o curso, além disso a maior parte dos professores também já haviam desaparecido, os que não tinham eram aqueles que na verdade nunca haviam concluído o curso e de forma irregular realizavam treinamentos.

Após um mês sem nenhuma solução o presidente resolve fazer um pronunciamento sobre a situação. Com o semblante demonstrando preocupação informa que a polícia, as forças armadas e todos os órgãos de inteligência do país estavam envolvidos no caso e que esperava ter uma rápida solução. Ao final mandou uma mensagem para que as empresas não se preocupassem pois após solicitar um relatório da Previdência Social foi informado que naquele mês os acidentes e doenças do trabalho haviam diminuído, entendendo que os demais trabalhadores, em função da perda dos colegas prevencionistas, estavam mais atentos e haviam se conscientizado sobre a prevenção nos postos de trabalho.

Todos os telejornais, rádios, portais, canais do youtube entram minutos após o pronunciamento com seus "especialistas" (não temos como afirmar qual a formação destes profissionais, mas a mensagem era coerente e defendiam a profissão como se desta área fossem. Provavelmente eram alguns dos estudantes que ainda não haviam concluído o curso, mas que acreditavam na importância do setor) bradavam a todos os pulmões a asneira divulgada pelo presidente. Como acreditar nos dados do relatório da Previdência Social em que as informações dependem do envio pelas empresas e que eram realizadas principalmente por profissionais de Segurança do Trabalho, é óbvio que os acidentes iriam cair, simplesmente por não terem sido informados.

Alguns meses passam e as empresas começam a perceber que o aumento de produção só havia ocorrido no primeiro mês, além disso o aumento de processos trabalhistas nunca esteve tão alto (importante informar que os advogados, mesmo aqueles que atuavam diretamente com o tema não haviam sumido e estavam abarrotados de clientes).

As empresas resolvem tomar uma atitude e abrem vagas para os estudantes de Segurança do Trabalho, seriam contratados como APST – Assistentes Provisórios de Segurança do Trabalho, a solução se espalhou e foi uma corrida para conseguir contratar os poucos estudantes que se sentiam aptos a atuar na área e com coragem para enfrentar o problema. A solução foi copiada por centenas de empresas e em apenas um dia houve a contratação maciça deste novo profissional. Porém no dia seguinte todos os novos contratados também haviam desaparecido.

O desespero tomou conta do país, empresas resolveram fechar e os acidentes que continuavam baixos nas estatísticas do governo, a cada dia aumentavam mais e já não podiam mais ser escondidos devidos aos acidentes diários noticiados por toda a imprensa. Mas nem todas as empresas tiveram problemas tão sérios, algumas que tinham o SESMT apenas como um suporte, pois possuíam uma elevada cultura de segurança, continuaram suas atividades, diminuíram a velocidade do processo e aumentaram os procedimentos de prevenção para suprir o desaparecimento de um setor especializado.

Oito meses haviam passado, com consequência queda de 25% na produção do país, o aumento de mortes aumentou em 15%, os hospitais do governo estavam abarrotados de doentes e acidentados, a população estava nas ruas pedindo o impeachment do presidente, as famílias acampavam nas portas das empresas com protestos diários.

No dia seguinte as nuvens não estavam negras e como se nada tivesse ocorrido, todos os profissionais de Segurança do Trabalho reapareceram, não sabiam o que havia acontecido e nem tinham noção de quanto tempo havia passado, apenas queriam fazer a análise dos acidentes, abrir as CATs atrasadas e entender por que de repente estavam sendo tão festejados por apenas estarem abrindo mais uma Permissão de Trabalho.

Mário Sobral Jr - Eng. de Segurança do Trabalho

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