"O que acontece no meio
Vida é o que existe entre o nascimento e a morte. O que acontece no meio
é o que importa. No meio, a gente descobre que sexo sem amor também vale a
pena, mas é ginástica, não tem transcendência nenhuma. Que tudo o que faz você
voltar pra casa de mãos abanando (sem uma emoção, um conhecimento, uma
surpresa, uma paz, uma ideia) foi perda de tempo.
Que a primeira metade da vida é muito boa, mas da metade pro fim pode
ser ainda melhor, se a gente aprendeu alguma coisa com os tropeços lá do
início. Que o pensamento é uma aventura sem igual. Que é preciso abrir a nossa
caixa preta de vez em quando, apesar do medo do que vamos encontrar lá dentro.
Que maduro é aquele que mata no peito as vertigens e os espantos.
No meio, a gente descobre que sofremos mais com as coisas que imaginamos
que estejam acontecendo do que com as que acontecem de fato. Que amar é
lapidação, e não destruição. Que certos riscos compensam – o difícil é saber
previamente quais. Que subir na vida é algo para se fazer sem pressa.
Que é preciso dar uma colher de chá para o acaso. Que tudo que é muito
rápido pode ser bem frustrante. Que Veneza, Mykonos, Bali e Patagônia são
lugares excitantes, mas que incrível mesmo é se sentir feliz dentro da própria
casa. Que a vontade é quase sempre mais forte que a razão. Quase? Ora, é sempre
mais forte.
No meio, a gente descobre que reconhecer um problema é o primeiro passo
para resolvê-lo. Que é muito narcisista ficar se consumindo consigo próprio.
Que todas as escolhas geram dúvida, todas. Que depois de lutar pelo direito de
ser diferente, chega a bendita hora de se permitir a indiferença.
Que adultos se divertem mais do que os adolescentes. Que uma perda,
qualquer perda, é um aperitivo da morte – mas não é a morte, que essa só
acontece no fim, e ainda estamos falando do meio.
No meio, a gente descobre que precisa guardar a senha não apenas do
banco e da caixa postal, mas a senha que nos revela a nós mesmos. Que passar
pela vida à toa é um desperdício imperdoável. Que as mesmas coisas que nos
exibem também nos escondem (escrever, por exemplo).
Que tocar na dor do outro exige delicadeza. Que ser feliz pode ser uma
decisão, não apenas uma contingência. Que não é preciso se estressar tanto em
busca do orgasmo, há outras coisas que também levam ao clímax: um poema, um
gol, um show, um beijo.
No meio, a gente descobre que fazer a coisa certa é sempre um ato
revolucionário. Que é mais produtivo agir do que reagir. Que a vida não oferece
opção: ou você segue, ou você segue. Que a pior maneira de avaliar a si mesmo é
se comparando com os demais. Que a verdadeira paz é aquela que nasce da
verdade. E que harmonizar o que pensamos, sentimos e fazemos é um desafio que
leva uma vida toda, esse meio todo.”
(Martha
Medeiros)
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