Trecho de entrevista ao
professor e psicanalista Jacques-Alain Miller, realizada por Hanna Waar e
publicada na Psychologies Magazine de outubro 2008 (n° 278). Tradução de Maria
do Carmo Dias Batista.
“Alguns
sabem provocar o amor no outro, os serial lovers – se posso dizer – homens e
mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não
necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é
necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro,
que ele lhe falta. Os que creem ser completos sozinhos, ou querem ser, não
sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os
pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as
delícias”.(Jacques-Alain Miller)
Psychologies: A
psicanálise ensina alguma coisa sobre o amor?
Jacques-Alain Miller: Muito,
pois é uma experiência cuja fonte é o amor. Trata-se desse amor automático, e
frequentemente inconsciente, que o analisando dirige ao analista e que se chama
transferência. É um amor fictício, mas é do mesmo estofo que o amor verdadeiro.
Ele atualiza sua mecânica: o amor se dirige àquele que a senhora pensa que
conhece sua verdade verdadeira. Porém, o amor permite imaginar que essa verdade
será amável, agradável, enquanto ela é, de fato, difícil de suportar.
Psychologies:
Então, o que é amar verdadeiramente?
Jacques-Alain Miller: Amar
verdadeiramente alguém é acreditar que ao amá-lo, alcançará uma verdade sobre
si. Amamos aquele que conserva a resposta, à nossa questão: “quem sou eu?”.
Psychologies:
Por que alguns sabem amar e outros não?
Jacques-Alain Miller: Alguns
sabem provocar o amor no outro, os serial lovers – se posso dizer – homens e
mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não
necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é
necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro,
que ele lhe falta. Os que creem ser completos sozinhos, ou querem ser, não
sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os
pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.
Psychologies:
“Ser completo sozinho”: só um homem pode acreditar nisso…
Jacques-Alain Miller: Acertou!
“Amar, dizia Lacan, é dar o que não se tem”. O que quer dizer: amar é reconhecer
sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os
bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo.
Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua “castração”, como dizia
Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de
uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco
cômico em um homem. Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na
realidade, não está seguro de sua virilidade.
Psychologies:
Amar seria mais difícil para os homens?
Jacques-Alain
Miller: Ah, sim! Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de
agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição
de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que
não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando
ama. Esse princípio Freud denominou a “degradação da vida amorosa” no homem: a
cisão do amor e do desejo sexual.
Psychologies: E
nas mulheres?
Jacques-Alain Miller: É menos
habitual. No caso mais frequente há desdobramento do parceiro masculino. De um
lado, está o amante que as faz gozar e que elas desejam, porém, há também o
homem do amor, feminizado, funcionalmente castrado. Entretanto, não é a
anatomia que comanda: existem as mulheres que adotam uma posição masculina. E
cada vez mais. Um homem para o amor, em casa; e homens para o gozo, encontrados
na Internet, na rua, no trem…
Psychologies:
Por que “cada vez mais”?
Jacques-Alain Miller: Os
estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena
mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se
feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”:
em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo
tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como
casamento e filiação. Donde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez
generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O
amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman. Cada um é levado
a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de
amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para
neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa.
Texto
de Hanna Waar
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