A era tecnológica tornou ainda
mais complexas as discussões sobre a forma de se relacionar do ser humano. Com
a internet, ter contato dá menos trabalho, a distância não parece
intransponível, e é possível até mesmo o cultivo de laços com pessoas que nem
sequer conhecemos pessoalmente. Mas até que ponto o contato propiciado pela
tecnologia supre, de fato, as necessidades afetivas do homem? Qual é a medida
para não se deixar adoecer pelas relações estabelecidas on-line?
O questionamento – comum,
considerando o aprofundamento de contradições nas relações sociais da
atualidade – é um dos pontos tocados pelo filósofo Luiz Felipe Pondé em
entrevista à Deutsche Welle Brasil. Sem fazer ataques ferrenhos à interação das
pessoas nas redes sociais, Pondé reflete sobre o sentimento generalizado de
solidão da sociedade contemporânea, e critica a dificuldade encontrada pelos
jovens em desenvolver a generosidade e realizar concessões ao se relacionar.
Luiz Felipe Pondé e
psicanalista, filósofo, Ph.D em Epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, e
trabalha hoje como professor na Pontifícia Universidade de São Paulo e na Fundação
Armando Álvares Penteado. O pensador brasileiro escreve semanalmente para a
Folha de S.Paulo e já publicou diversas obras, como O homem insuficiente,
Crítica e profecia, Conhecimento na Desgraça e Ensaios de filosofia da
religião.
Ser solteiro ou, como
diz o termo vigente, ser single está na moda? Por quê?
Toda hora inventam uma modinha
para dar um nome a um comportamento. Por exemplo, à dificuldade de partilhar a
vida com uma pessoa, agora se dá o nome de single; não é mais solteiro ou
sozinho, é single. E tem tanta gente single no mundo hoje porque as pessoas
estão exigentes demais, insatisfeitas, e porque a vida sozinho é mais possível,
mais barata. Para viver com uma pessoa, você tem de fazer concessões, precisa
ser corajoso, tem de investir na pessoa com todos os riscos que o
“investimento” traz. A vida single está na moda porque há um ônus enorme na
vida partilhada.
Quem é sozinho acaba
cada vez mais solitário?
Quanto mais sozinha, mais
viciada na solidão a pessoa fica. E aí é mais difícil fazer concessões. Não
estou falando só de amor romântico, mas de amizade, de vínculos. Hoje se tem
todo um equipamento urbano pra viver sozinho. A pessoa pode falar com amigos
que estão longe – ou mesmo que não existem – pode comprar comida sozinha, pode
ter um cachorro, para brincar de parceria com ele. O cachorro tem sempre amor
incondicional, por isso é mais fácil do que gente.
Então viver sozinho
é um caminho sem volta?
Quando alguém fica sozinho,
não precisa se submeter às vontades, taras, desejos e dificuldades do outro. À
medida que você vai ficando sozinho porque está bom, uma hora tenta ficar com
alguém e não consegue. Está acostumado.
Mas há quem queira
encontrar alguém e não consegue.
Não consegue porque ninguém
quer mais saber de ninguém. Os jovens estão cada vez mais narcisistas. Quando
uma pessoa fala que quer alguém, ela quer alguém pra preencher o vazio que
sente. Mas esse alguém não é real, que vem com os problemas de alguém real.
E mais: as pessoas estão
cansadas do cotidiano. Elas têm de trabalhar muito, têm que investir muito na
carreira. Às vezes, é mais seguro investir na carreira e na grana do que numa
parceria. Os mais jovens têm cada vez mais medo da vida, e ficam cada vez mais
cansados. Porque viver com medo cansa.
Você sente uma inquietação
na sociedade para mudar isso?
Existe, sim, a inquietação.
Mas acho que isso é fruto da estrutura capitalista. O capitalismo – e não sou
marxista –, mas, analisando o contexto histórico, o capitalismo produz pessoas
sozinhas e produtivas. Claro que eles continuam fazendo propaganda para família
porque família consome. É uma contradição. Porque ao mesmo tempo que o
capitalismo gera como efeito colateral o narcisismo, a solidão, o egoísmo, essa
autonomia do ser single produz sofrimento.
As mídias sociais
têm alguma responsabilidade nesse cenário?
Elas não criaram isso, mas têm
responsabilidade no sentido de que são uma mensagem de solidão. Como o conceito
da Teoria da Comunicação, de que o meio é a mensagem. As mídias sociais são uma
mensagem no seguinte sentido: você pode ter vínculos com as pessoas desde que
não sejam “sujos”. “Sujos” no sentido de que sejam reais. É mais ou menos como
você ter uma vida mergulhada no álcool-gel. As mídias sociais são uma
ferramenta da solidão. Claro que ela também faz você encontrar pessoas, fazer
networking, mas observo que as pessoas mais jovens – dou aula e trabalho com
jovens – têm cada vez mais uma alienação da vida real.
Nós estaríamos mais
felizes hoje se vivêssemos mais o afeto em relações duradouras?
A vida afetiva faz parte da
experiência humana ancestral. Na hora em que você não tem vida afetiva, isso
causa sofrimento. Mas quando uma pessoa opta por ter uma vida afetiva porque
está infeliz não dá certo. Não vai adiantar fazer uma fórmula: você está
infeliz porque está sozinho. Procura um parceiro que você vai ser feliz. Não
vai funcionar. Você vai procurar um parceiro porque quer que ele te faça feliz.
O que falta para
revertermos esse cenário?
Não é só uma coisa que falta,
mas uma seguramente é a generosidade. Ninguém é mais generoso, todo mundo só
quer ser feliz. Uma vida afetiva pode deixar a pessoa mais equilibrada, com
capacidade melhor de convívio, menos egoísta, mais tolerante.
Mas então você defende que as
pessoas são mais felizes com alguém?
Eu acredito que tem pessoas
que vivem bem sozinhas. E são mais felizes assim. Assim como acho que tem
pessoas que são mais felizes não tendo filhos. A questão é outra. A questão é
que existe hoje uma epidemia de solidão por fruto de narcisismo, egoísmo, falta
de generosidade, entropia afetiva. Sempre existiram pessoas que viviam melhor
sozinhas, mas é a minoria.
(Via
Deutsche Welle)
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