“Releio passivamente,
recebendo o que sinto como uma inspiração e um livramento”, aquelas frases
simples de Caeiro, na referência natural do que resulta do pequeno tamanho de
sua aldeia. Dali, diz ele, porque é pequena, pode ver-se mais do mundo do que
da cidade; e por isso a aldeia é maior que a cidade…
“Porque
eu sou do tamanho do que vejo
E não
do tamanho da minha altura.”
Frases como estas, que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito,
limpam-me de toda a metafísica que espontaneamente acrescento à vida. Depois de
as ler, chego à minha janela sobre a rua estreita, olho o grande céu e os
muitos astros, e sou livre com um esplendor alado cuja vibração me estremece no
corpo todo.
“Sou do tamanho do que vejo!” Cada vez que penso
esta frase com toda a atenção dos meus nervos, ela me parece mais destinada a
reconstruir consteladamente o universo. “Sou
do tamanho do que vejo!” Que grande posse mental vai desde o poço das
emoções profundas até às altas estrelas que se refletem nele e, assim, em certo
modo, ali estão.
E já agora, consciente de saber ver, olho a vasta metafísica objetiva
dos céus todos com uma segurança que me dá vontade de morrer cantando. “Sou do tamanho do que vejo!” E o vago
luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago o azul meio-negro do
horizonte. Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvageria
ignorada, de dizer palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova
personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia.
Mas recolho-me e abrando-me. “Sou
do tamanho do que vejo!” E a frase fica sendo-me a alma inteira, encosto a
ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade
por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer.
Do
“Livro do Desassossego”
Sobre o Autor:
Fernando Pessoa foi um dos
mais importantes escritores e poetas do modernismo em Portugal. Nasceu em 13 de
junho de 1888 na cidade de Lisboa (Portugal) e morreu, na mesma cidade, em 30
de novembro de 1935. É mundialmente conhecido como poeta dos heterônimos.
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