Romance do escritor alagoano Graciliano
Ramos, lançado em 1938, 'Vidas secas' manteve-se atual com o passar do tempo
Por:
Daniel Medeiros
Graciliano
Ramos escreveu "Vidas secas" após período na prisão
Injustiça social, problemas climáticos, fome e migração são componentes
de um cenário facilmente identificável nos dias de hoje. Esses temas já eram
abordados por Graciliano Ramos (1892-1953) no romance "Vidas secas",
que completou 80 anos de publicação em 2018.
Com o passar das décadas, a obra manteve-se atual e entrou para o rol
dos grandes clássicos da literatura brasileira. Para brindar o aniversário, a
editora Record lançou uma edição especial do livro para colecionadores, com
direito a ilustrações exclusivas e reproduções do manuscrito original do
escritor alagoano.
O novo projeto editorial e gráfico é assinado pelo designer Leonardo
Iaccarino, com desenhos assinados por Renan Araújo. Com capa dura, a publicação
recupera detalhes que remetem às origens da obra. Logo nas primeiras páginas é
possível ver riscado o título "O mundo
coberto de pennas". Era esse o nome que Graciliano insistia em
dar ao romance. Mudou de ideia apenas na etapa da revisão, quando as cópias já
estavam prontas para rodar, convencido por seu irmão, Daniel Ramos, e o editor
José Olympio.
A edição comemorativa do livro traz ainda uma réplica da versão original
do conto "Baleia",
feita à mão pelo autor, com todas as emendas. O texto, que retrata a morte de
um cão, foi o ponto de partida para o romance sobre uma família de retirantes
nordestinos. A obra foi escrita em um período de grande turbulência para
Graciliano. Ele havia acabado de ser solto da prisão, onde permaneceu por 11 meses,
acusado de ser militante comunista.
Mesmo antes de sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), em
1945, o escritor já deixava claro as suas convicções políticas. Em "Vidas secas", a condição do protagonista
Fabiano – explorado pelo patrão e oprimido pelo governo – pode ser interpretada
a partir do ponto de vista marxista.
"O romance é uma profunda crítica ao
capitalismo e ao embrutecimento dos seres humanos", pontua
Hermenegildo Bastos. Professor titular aposentado de literatura brasileira da
Universidade de Brasília (UnB), ele é quem assina o posfácio da nova versão do
livro lançada pela Record.
Sem uma linearidade temporal, a obra é dividida em 13 capítulos que, na
opinião de Hermenegildo, "apresentam-se
ao leitor como um mural de Portinari". A trama é centrada na
luta pela sobrevivência de Fabiano, sua mulher os dois filhos, entre uma
mudança e outra, fugindo da fome. Embora o drama da estiagem no semiárido seja
o pano de fundo da narrativa, não é esse o elemento central da história.
Capa
da edição especial de 80 anos de "Vidas secas"
"Na época do lançamento de 'Vidas
secas', o tema da seca na literatura brasileira já estava relativamente
esgotado. A abordagem do tema por Graciliano é absolutamente nova: ele focaliza
as subjetividades dos personagens, inclusive, utopicamente, a da cadela", explica.
O animal de estimação da família, talvez, seja o personagem mais icônico
do romance. Com características humanas, ela pensa, sonha e age como se fosse
gente. "Baleia é um espelho
às avessas, porque numa terra de homens embrutecidos e desumanizados, ela é
'humana'. Graciliano nos diz que é possível recuperar a humanidade e que é
necessário lutar por ela", afirma.
A profundidade com a qual o criador de "Vidas secas" representou os
flagelados da seca, observando mais do que a miséria e aridez, tornou sua obra
universal e atemporal. "Graciliano é o
grande escritor machadiano, que desconfia de todo pitoresco. Ele nos ensinou a
olhar para o interior das pessoas e para as relações sociais de modo crítico.
Sem ele não teríamos Clarice Lispector nem Guimarães Rosa",
defende.
Serviço:
"Vidas secas"
(edição comemorativa de 80 anos)
Autor: Graciliano Ramos
Editora Record, 320 páginas
Preço médio: R$ 69,90
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