Pesquisar este blog

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Café com Kafka



Ao caminhar pela Rua Shiroka, localizada na capital da República Tcheca, um excursionista atento encontrará a sua frente o famoso Café Franz Kafka, local frequentado por turistas todos os anos. No entanto, mesmo Praga sendo a cidade natal de Kafka, que nasceu sob o domínio do Império Austro-Húngaro, ninguém encontrará no Café nada além da alusão ao nome do escritor tcheco. O estabelecimento, que induz a uma expectativa de um café ao redor de imagens ilustres de Kafka, se converte apenas em um convite sedutor aos aficionados pela biografia e obras de um escritor que, para muitos, foi tão estranho.

Essa estranheza, típica reação da maioria dos leitores de Franz Kafka, é o resultado do primeiro contato que temos com suas obras. Ao lado desse aspecto hermético, a produção kafkiana adquiriu poderes e enigmas que impossibilitaram uma classificação teórica. Livre de um conceito específico, Kafka foi assimilado como religioso, surrealista, profeta e simbolista, porém, foram nessas múltiplas interpretações que ele alcançou êxito literário e tornou-se, nas palavras de Günther Anders, um “fabulador realista”. O realismo de Kafka tornou-se dinâmico e significativo quando buscou a liberdade diante do poder burocrático, e adquiriu voz profética quando pressentiu os horrores do nazismo.

Percebemos, então, que a grandeza de Kafka não cabe em um espaço mercadológico avulso. Através do talento criador de todo artista, podemos entender os aspectos essenciais da condição humana, o que não é diferente das obras de Kafka, criadora “de mundos absurdos, a que deu forma, nos quais vivemos sem compreender”, como dizia Torrieri Guimarães. Essa criação, que verte o absurdo no real, sem jamais encontrar a paz, concebe uma parábola em resposta às questões metafísicas impostas pela modernidade. A aproximação e o contato direto com a narrativa kafkiana é o único momento disponível e possível para um verdadeiro café com Kafka.

ANDERS, Günther. Kafka: pró e contra. 2 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.



GUIMARÃES, Torrieri. Prefácio. In: KAFKA, Franz. A colônia penal e outros contos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1987.

Nenhum comentário:

Postar um comentário