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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A avaliação por competências e o futuro do desempenho na escola e na vida


Vem ganhando força em instituições de ensino de todo o mundo a avaliação por competências, uma abordagem alinhada à educação de hoje e do futuro

Instituto Singularidades

Uma abordagem que leva em conta as competências e aptidões dos alunos e não apenas suas notas vem ganhando corpo em escolas, universidades e mesmo no ambiente corporativo, como explica o professor Lucius Provase. É a avaliação por competências.

Segundo ele, trata-se de um sistema recente, mas que leva em conta aspectos educacionais para os quais a educação tradicional ainda não se abriu, como o feedback dado pelo professor ao aluno. Conversamos com Provase, que ministrará o curso de verão Avaliação baseada em competências – da nota ao aprendizado, e ele nos explicou outros aspectos deste método de avaliação tão alinhado com a escola do futuro. Leia mais na sequência.

A avaliação por competências é uma forma muito mais alinhada com a escola dos dias de hoje e do futuro. Como ela foi construída?

A educação baseada em competências é recente na formulação precisa e objetiva como agora vemos, mas sua origem pode ser retomada nas discussões sobre aprendizagem desde o início do século XX, principalmente nos Estados Unidos, quando a ideia de “mastery” ganhava força.

Alguns dos seus pilares, no entanto, como o feedback no centro da aprendizagem, objetivos de aprendizagem claros e explícitos e a crença de que qualquer aluno ou aluna pode dominar uma competência, habilidade ou conceito, o backward design e, principalmente, a organização a partir da aprendizagem e não do horário, são compartilhados por abordagens pedagógicas dos países que dominam os rankings de avaliações internacionais como Finlândia, Estônia e Coreia do Sul.

Da maneira como se organiza hoje, podemos dizer que foi uma sequência de tentativas e erros dos governos norte-americanos, não apenas no âmbito federal, mas também nos estados, já que os EUA são uma federação e os estados têm autonomia para tomar decisões sobre currículo e metodologia.

Essas tentativas buscavam aprimorar a educação naquele país, algo que começa com a ideia de standards (padrões), o mínimo que cada aluno deve saber em cada etapa do ensino.

Este também é o conceito que orienta a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tal conceito se desenvolve a partir das observações dos programas que, nos EUA, adotaram os standards, além do uso de dados e pesquisas específicas sobre a aprendizagem, que chegaram à educação baseada em competências e a sua aplicação, a avaliação baseada em competências

O pilar fundamental deste tipo de avaliação é o feedback aluno-professor. Como essa dinâmica vem se dando, dentro da sua experiência, uma vez que as gerações X e Y tinham dificuldades em lidar com este “cara a cara”, mas a Z, dos nativos digitais, parece estar mais aberta?

O feedback ainda é pouco utilizado como ferramenta de avaliação, pois ainda nos apoiamos na nota para averiguar se um aluno ou uma aluna “sabe” a matéria. Digo isso porque o receio vem, justamente, da falta de contato tanto do educador quanto do estudante com essa forma de aprendizagem/avaliação.

Aliás, é assim que o feedback deve ser visto: tanto como um momento em que o aluno pode ampliar e praticar a metacognição, ou seja, o aprender a aprender, quanto o professor pode avaliar o que o aluno consegue dominar de uma determinada habilidade ou conteúdo.

Dito isso, a falta de familiaridade com o processo do feedback parece ocorrer mais por uma questão cultural do que geracional: nós, brasileiros (com todo o problema que uma generalização desse tamanho pode trazer), ainda não vemos o feedback como uma oportunidade de aprender e avaliar, mas simplesmente como uma crítica.

Fazendo um parêntese, é por essa razão, por ter no feedback seu pilar, que a avaliação baseada em competência também é adotada em ambientes de trabalho, ou seja, vai além do ambiente educacional.
 
É necessário que uma escola que opte por adotar o sistema de avaliação tradicional pelo de competências refaça seu projeto pedagógico?

Não, de forma alguma. É preciso entender que, da maneira como a BNCC foi produzida, ela abre espaço para esse tipo de mudança, já que estamos saindo de uma abordagem mais conteudista para uma abordagem por competências e habilidades.

Assim, é perfeitamente possível que uma escola adote esse sistema de avaliação sem abandonar seu projeto pedagógico. A única mudança seria definir quais competências devem ser avaliadas, quais competências atravessam as diferentes disciplinas daquela escola. Para isso, só é preciso tempo e diálogo entre o corpo docente, não mudança de currículo.

Que dificuldades uma escola que quer migrar do sistema de avaliação tradicional para o por competências pode enfrentar?

A primeira delas é o diálogo entre o corpo docente. Definir quais competências devem ser avaliadas, alinhá-las com a BNCC, não é uma tarefa realizada de um dia para outro ou em uma semana.

A segunda seria uma mudança de mentalidade não apenas de professores e alunos, mas, e talvez o mais complexo, de pais e mães. Estes cresceram acostumados a um sistema de avaliação no qual o número é a única informação necessária.

Como eles vão lidar com um sistema que diz que sua filha ou seu filho “domina”, “está progredindo” ou “desperta preocupação” para competências que podem ser tão díspares quanto “expressar-se de forma corajosa” ou “construir uma comunidade”?

Estes exemplos que dei são reais, de escolas norte-americanas que implementaram a educação baseada em competências e mostram o quanto esse tipo de abordagem se abre para trabalhar pelos alunos.



E quais os benefícios para a aprendizagem dos alunos e seu desenvolvimento pessoal?

Na minha opinião, o maior benefício é dar ao aluno a agência sobre sua aprendizagem. Ao ter o domínio de uma competência como regulador da relação avaliação versus aprendizagem, e não o tempo que o estudante passa na escola, é o estudante quem irá dizer e determinar como se deve dar o processo de aprendizagem, ou seja, é quem irá, de fato, tomar conta de seu aprendizado.

Para isso, ele também deve ter ciência de seu processo de aprendizagem, a metacognição, deve saber quais são os objetivos de cada etapa e como será avaliado. Ao se ver envolvido dessa maneira no processo, a consequência é que o engajamento acontece de maneira muito mais frequente e até mais naturalmente do que em outros contextos.

Na sua opinião, a avaliação por competências pode ser aplicada em qualquer tipo de instituição escolar (pública, privada ou ONG)?

Certamente. Esse tipo de avaliação pode ser usada em ambientes educacionais que trabalhem com projetos e apresentem uma abordagem multidisciplinar, como também pode ser usado por escolas que foquem nas provas mais tradicionais e na organização por disciplinas.

Muitas universidades norte-americanas, sobretudo na área da saúde, têm utilizado a avaliação baseada em competências em seus cursos, pois entendem que é essa abordagem que irá fornecer os dados mais precisos sobre o conhecimento de seus alunos.

Como disse, até mesmo ambientes de trabalho utilizam a avaliação baseada em competências para remanejar funcionários e treiná-los se necessário. A avaliação baseada em competências é flexível por natureza, por essa razão sua adequação a diversos modelos institucionais é bastante simples.

Lucius Provase é mestre e doutor em Teoria
Literária pela Universidade de São Paulo (USP).
Atualmente, conclui estágio pós-doutoral pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Possui
vasta experiência como professor em
escolas brasileiras e internacionais.

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