Pedagoga
sueca Inger Enkvist diz: ‘A nova pedagogia é um erro. Parece que não se vai à
escola para estudar’
“O
novo desafio é controlar o acesso ao celular.
As
escolas fazem bem em proibi-lo e os pais devem vigiar seu uso em casa.
Devem
saber dizer ‘não’”
Pedagoga sueca, com mais de
quatro décadas de experiência na educação, critica método que dá mais
iniciativa aos alunos na sala de aula e defende um ensino mais tradicional
– por
Cristina Galindo, El País Brasil*
O silêncio reina na rua de pedras onde mora Inger Enkvist, em Lund, uma
das cidades mais antigas da Suécia, com uma das universidades mais importantes
deste país nórdico. Ninguém diria que a poucos minutos a pé fica o centro
urbano. Esta calma chega ao interior de seu apartamento, uma sobreloja com
grandes janelas e um jardim traseiro comunitário. Seu escritório, luminoso e
cheio de livros, é um reflexo de sua ideia de como é preciso se entregar a
qualquer tarefa intelectual: com ordem, concentração, seguindo regras…, lendo.
Enquanto a maioria dos pedagogos questiona a utilidade de decorar
informações na era do Google e prega o fim das carteiras enfileiradas e das
disciplinas estanques, com mais liberdade para os alunos, Enkvist (Värmland,
Suécia, 1947) defende a necessidade de voltar a uma escola mais tradicional,
onde se destaquem a disciplina, o esforço e a autoridade do professor. Seu
ponto de vista contraria os postulados dessa nova pedagogia, mas também se
distancia daqueles que acreditam que a escola é uma fábrica de alunos em série
e que deve centrar seus esforços em competir com outros colégios para subir nos
rankings mundiais.
Começou sua carreira educativa como professora do ensino secundário, e
agora é catedrática emérita de espanhol na Universidade de Lund. Centrou sua
pesquisa na obra de Mario Vargas Llosa e Juan Goytisolo, e escreveu ensaios
sobre José Ortega y Gasset, Miguel de Unamuno e María Zambrano. Publicou vários
livros sobre pedagogia – como Repensar a Educação (Bunker Editorial, 2006,
digital) – e centenas de artigos, além de ter assessorado o Governo sueco no
assunto. Sentada na sala de sua casa, Enkvist conversa em espanhol sobre como
acredita que as escolas deveriam ser, enquanto bebe um suco de frutas vermelhas
servido num jarrinho de barro comprado em Segóvia. Falando com ela, não é nada
difícil imaginá-la no seu colégio, ainda menina, tirando ótimas notas.
Eis a entrevista:
Como recorda sua escola?
Era pública e tradicional. Não tenho más recordações. Talvez houvesse
algumas aulas chatas, mas às vezes a vida é assim. Os alunos chegavam na hora e
não havia conflitos com os professores. A Suécia me deu uma educação gratuita e
de qualidade.
Os tempos mudaram. Continua
valendo a disciplina daquela época?
A relação entre pais e filhos se baseia mais do que nunca nas emoções.
Temos uma vida mais fácil, e queremos que nossos filhos também a tenham. Mas a
escola deve estar consciente de que sua tarefa principal continua sendo formar
os jovens intelectualmente. A escola não pode ser uma creche, nem o professor
um psicólogo ou um assistente social.
Qual deve ser a finalidade do
ensino infantil?
Deve ser muitas coisas, mas sua tarefa principal é dar uma base
intelectual. Dar conhecimentos aos jovens, prepará-los para o mercado de
trabalho, transmitir-lhes uma cultura e proporcionar-lhes uma ideia da ordem
social, porque a escola é a primeira instituição com a qual as crianças se
deparam, e é importante que vejam que há algumas regras, que o professor é a
autoridade e que é preciso respeitar tanto ele como os colegas.
Mas a tecnologia torna mais
difícil controlar crianças hiperestimuladas.
Sempre houve dificuldades na aprendizagem. Há 50 anos, era o fato de
precisar andar uma hora para chegar ao colégio, ou oferecer refeições
nutritivas. Hoje se trata da enorme quantidade de estímulos. O novo desafio é
controlar o acesso ao celular e ao computador para que se concentrem. As
escolas que proíbem o celular fazem bem. Em casa, os pais devem vigiar o tempo
de uso da tecnologia. Proibir é muito difícil, porque se criam conflitos, mas
um pai moderno deve saber dizer “não”. Deve resistir.
Há pedagogos que afirmam que a
escola tradicional é chata e educa crianças submissas, e que é preciso aprender
a aprender.
A escola é um lugar para aprender a pensar sobre a base dos dados. Isso
de insistir em aprender a aprender sem falar antes de aprendizagem é uma
falsidade, porque não podemos pensar sem pensar em algo. Sem dados não há com o
que começar a pensar.
A escola não deveria ser um
lugar onde se divertir?
A satisfação na escola deve estar vinculada ao conteúdo: entrar numa
aula e que lhe contem algo que você não sabia. Mas é preciso saber que, para
entender algo novo, é necessário fazer um esforço. Além disso, é fundamental
que o professor nos ensine a ler e também como nos comportar. É impossível
aprender bem sem que haja ordem na sala de aula. Essa é a base principal:
comportamento, leitura e avaliação pelo conhecimento.
O que opina da tendência de
pôr almofadas na sala de aula para que os alunos se deitem?
Isso é enganar os jovens. Para aprender a escrever, uma criança precisa
sentar-se bem, olhar para frente, ter lápis e papel, concentrar-se… Aprender
pode ser um prazer, mas, insisto, exige um esforço e um trabalho. É preciso
dizer isso às crianças. Se não, estamos enganando-as. Tocar violino, por
exemplo, não é fácil. Exige muita prática. Os estudos do psicólogo sueco Anders
Ericsson mostraram que é necessário um esforço prolongado para melhorar em
algo. Para ser bom em algo você tem que se dedicar 10.000 horas. E precisa
fazê-lo de forma consciente e trabalhar com um professor. Sua pesquisa avaliza
a ideia tradicional de uma escola baseada no esforço do aluno, sob a orientação
de um professor.
Há quem diga que não é preciso
decorar porque tudo está no Google.
Essa é outra falsidade. O Google é uma ferramenta genial. É de grande
ajuda para os adultos, porque sabemos o que procuramos. Mas, para quem não sabe
nada, o Google não serve de nada. Há intelectuais que andam por aí dizendo que
estudar geografia não foi útil. Acredito que se esqueceram de como e quanto
aprenderam na escola. Afirmar essas coisas é uma falta de honradez com os
jovens. E menosprezar a importância em si da vida intelectual do aluno.
Em que consiste a nova
pedagogia que você critica?
A nova pedagogia é um pensamento que se vê por toda parte no Ocidente. A
Suécia a adotou nos anos sessenta. Consiste, por exemplo, na pouca gradação das
notas, por isso muitos pensam que não há razão para estudar muito se isso não
for se refletir no histórico escolar. Dá-se muita importância à iniciativa do
aluno, trabalha-se em equipe e, ao mesmo tempo em que as provas desaparecem,
aparecem os projetos e o uso das novas tecnologias. Em geral, parece que se vai
à escola para fazer atividades, não para trabalhar e estudar. Dá-se mais ênfase
ao social que ao intelectual. Acho que é um erro. Por um lado, os alunos com
mais capacidade não desenvolvem todo o seu potencial e, por outro, os que têm
uma menor curiosidade natural por aprender não avançam. Além disso, muitos
gostos são adquiridos, como a história, a leitura e a música clássica. No
começo podem parecer chatos, mas, se alguém insistir para que tenhamos um
primeiro contato, é possível que acabemos gostando. Atualmente, muitos jovens
escolhem sem terem conhecido e, claro, escolhem o fácil.
A Espanha é um dos países da
OCDE que dedica mais horas à lição de casa. Isso tem alguma utilidade?
Quando a jornada é muito longa, como na Espanha, não faz sentido. Se um
aluno está cansado, a lição de casa não melhora o seu rendimento. É preciso
buscar um número ideal de aulas pela manhã, quando a criança está mais
acordada, dar-lhe um tempo de descanso e, à tarde, talvez uma tarefa de revisão
do que fez durante aquele dia. Um bom exemplo é a Finlândia, onde os alunos
entram às oito da manhã e saem às duas da tarde, incluindo o almoço; exceto às
quintas-feiras, quando saem às quatro da tarde.
Quando criança, você era um
grande leitora. Como despertar esse prazer se uma criança não está interessada?
Era uma leitora compulsiva. Ninguém teve de insistir para que eu pegasse
um livro. Mas há crianças que precisam disso. Talvez no começo seja necessário
forçá-las um pouco, encorajá-las para que se tornem leitoras de lazer. Como se
faz isso da escola? Comprar bons livros para a biblioteca e recomendar um a
cada sexta-feira. Um aluno pode contar o que leu naquela semana. Fazer pequenas
competições para ver quem leu mais. Medir como o seu vocabulário aumenta. E
explicar que a leitura lhes permitirá, quando adultos, um melhor desenvolvimento.
Se os alunos começam a ler, quase todos descobrirão que é um prazer. Mas eles
precisam de horas. Calcula-se que na maioria dos países se dedicam 400 horas à
aprendizagem da leitura na escola primária. Para ser um bom leitor, são
necessárias 4.000 horas. É impossível ter tanto tempo na aula. Eles têm de
fazer isso em casa. O que os pais podem e devem fazer é ler com os filhos:
apoiar a leitura e servir de modelo.
Mas as humanidades estão
perdendo peso.
Dizem que o amanhã será dominado pela tecnologia e pelas ciências
naturais, e que o que é histórico não é importante. Além disso, as provas do
PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], um conjunto de exames
organizados pela OCDE para avaliar as competências de alunos de 15 anos em
ciências, matemática e leitura] não levam em conta as humanidades porque é
difícil comparar esses conhecimentos entre países, então a vontade de
competição os leva a dar mais ênfase às matérias que fazem parte do PISA e
negligenciar as outras. Tanto a escola quanto a família devem dar mais ênfase
às humanidades.
A visão do PISA é a de uma
escola que deveria funcionar como uma empresa?
A OCDE é uma organização econômica e analisa a educação a partir dessa
perspectiva. O que o PISA não revela é se existe uma boa atmosfera na sala de
aula, se bons princípios de trabalho são inculcados, se as ciências humanas, as
ciências sociais, as matérias estéticas como arte e música, que são essenciais,
são bem ensinadas. O PISA é uma prova muito específica que analisa algumas
coisas. As escolas e os países deveriam defender que eles ofereçam muito mais
do que isso.
Em seus livros, você aponta a
Finlândia como um dos grandes modelos.
A educação na Finlândia foi tradicional, embora há dois anos o Governo
tenha lançado um programa mais parecido com o da Suécia, porque meu país tem um
desempenho escolar inferior, mas tem um comportamento econômico superior e
criou empresas de tecnologia como Spotify e Skype. O Governo finlandês parece
pensar que com um pouco de desordem suas escolas serão mais criativas. Não
acredito nisso.
A Finlândia era tradicional?
Não há exames no ensino obrigatório nem os havia antes dessa reforma que você
menciona.
É preciso repensar a fobia aos exames. O exame ajuda a se concentrar em
um objetivo. Que em tal dia você tem de saber esses conhecimentos. Um bom
professor ensina coisas aos alunos, revisa com eles e faz algumas provas. E
constroem outros ensinamentos sobre o que já foi aprendido, então esses
conhecimentos voltam a aparecer mais tarde. Não faz um exame sobre algo sem
importância. Com a prova final acontece a mesma coisa. É um objetivo claro.
Ajuda a ter uma visão global.
Na Finlândia não se compara tanto as escolas, o que é comum na Espanha.
É assim?
Na Finlândia continuam com a tradição de confiar nos professores. Quando
existe um controle estatal do desempenho e se fazem comparações entre as
escolas, o ambiente se deteriora. Para os professores, gera estresse e rancor
em relação a quem te controla.
Como deve ser um bom
professor?
Responsável e bem formado. Deve acreditar no poder do conhecimento. Não
se é bom professor apenas pelo que se sabe sobre a matéria, nem só porque sabe
conquistar os alunos. É preciso combinar ambos os elementos: atrair os alunos
para a matéria para ensiná-la adequadamente. É preciso recrutar professores
excelentes em que alunos, pais e autoridades possam confiar. E a menos que haja
uma situação grave, devemos deixá-los trabalhar.
Como foi sua experiência na
sala de aula?
O aluno tem de respeitar as instruções do professor, fazer as lições de
casa e, por exemplo, não mentir. Antes, mentir era muito grave. Agora parece
que não acontece nada. Vi jovens que inventam motivos para justificar por que
não fizeram um trabalho, que escrevem de forma pouco legível para gerar dúvidas
ou discutem o tempo todo com os professores. Sei o quão desagradável é que um
aluno tente mentir para você. Vi isso no ensino médio e na universidade. Quando
um professor sente que não é respeitado, que tentam enganá-lo, todas as
relações de ensino se rompem.
O que fazer com as crianças
que incomodam e não deixam os outros trabalharem?
Isso é um tabu. É considerado pouco democrático. Diz-se que devemos dar
uma oportunidade a todos. Mas o que acontece quando uma criança problemática
não deixa os outros trabalharem, quando se fala com ela e com os pais, mas não
se corrige? É preciso colocá-lo em um grupo separado para ver se percebe e
muda.
E as crianças que se esforçam,
mas não atingem o nível?
Elas podem ter aulas de reforço. E podemos oferecer itinerários
diferentes, como no caso de Cingapura.
E repetir de ano?
Fazer repetir uma criança às vezes serve e às vezes não, porque cada um
é diferente. Gosto do sistema de Cingapura, onde o lema é que cada criança pode
atingir seu nível ótimo. Existem diferentes maneiras de conseguir isso: uma
maneira, digamos, normal e outra, expressa. A segunda inclui mais conteúdos em
menos tempo. Há quem diga que é menos democrático, mas creio que, pelo
contrário, é mais democrático porque convém à criança, à família e ao Estado. E
há menos evasão escolar, um problema muito mais grave.
Não está aprendendo também por
imitação? Ou seja, os alunos adiantados podem puxar aqueles que ficam para
trás?
Funciona quando o grupo tem um bom nível e um bom professor. E se
aqueles que têm de se integrar são poucos e querem fazê-lo. Se não, o que geralmente
acontece é que aqueles que não querem trabalhar arrastam os outros.
O bilinguismo que combina
inglês e espanhol prolifera nas escolas espanholas. Você matricularia seus
filhos em uma dessas escolas?
Primeiramente, eu analisaria outras opções. Aprender inglês é bom, mas é
preciso perguntar o que deixamos de aprender de outras matérias. Tenho dúvidas.
Acredito que se pode aprender bem inglês com algumas horas de aula sem
sacrificar outros conhecimentos, como por exemplo, as ciências. Na Suécia, as
aulas de inglês só começam aos 9 ou 10 anos.
*Originalmente
publicado no jornal El País Brasil, em 25.7.2018.