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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O Processo de apropriação da Escrita, segundo Vygotsky



De acordo com Vygotsky (1934/2002), em seu livro A formação social da mente, as relações entre o sujeito e os objetos do conhecimento são sempre mediadas. Vygotsky faz uma analogia entre o uso de instrumentos materiais e os signos. Ao utilizar um dado instrumento, o homem interfere na natureza transformando-a e, assim, torna-se capaz de desenvolver sua relação com o meio num processo histórico-cultural. De forma análoga, assim como realiza essa transformação pelo uso de instrumentos concretos, o homem emprega signos que são instrumentos da atividade psicológica, que, por sua vez, o auxiliam em atividades como lembrar, relatar e comparar. Os signos são, portanto, marcas externas que auxiliam o homem em tarefas que exigem memória ou atenção, podendo referir-se a elementos ausentes no espaço e no tempo presente, ampliando a capacidade de ação do homem sobre o mundo.

Vários tipos de signos são utilizados para melhorar nossa capacidade de armazenamento de informações e de controle de ação psicológica. Estes mediadores aumentam a capacidade de atenção e de memória e permitem maior controle voluntário do sujeito sobre sua atividade. Assim, os instrumentos e os signos são elementos fundamentais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

A mediação, portanto, possibilitada pelo uso de signos e é um processo essencial para tornar possíveis atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo. Ao longo do desenvolvimento humano, os processos de mediação sofreram transformações, ocorrendo uma mudança qualitativa no uso dos signos.

Assim, se, inicialmente, o indivíduo necessita de marcas externas, com seu desenvolvimento promovido pela mediação, ele passa a utilizar os signos internos, ou seja, representações mentais que substituem os objetos do mundo real. O homem passa, assim, a operar mentalmente sobre o mundo por meio de um processo de representação mental. Isto significa que o homem torna-se capaz de estabelecer relações mentais na ausência das próprias coisas e, assim, fazer planos, ter intenções, lidar com representações que substituem o real. Tais representações precisam ser articuladas em sistemas simbólicos, ou seja, signos compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social que permitam a comunicação entre os indivíduos. Assim, o sistema simbólico é socialmente dado.

É o grupo cultural no qual o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, e vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo. Esse sistema simbólico passa a mediar processos mentais superiores: ações conscientemente controladas, atenção voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato e comportamento intencional. Neste sentido, a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. Inicialmente, o _desenvolvimento da linguagem foi impulsionado pela necessidade de comunicação. Para efetivar esta comunicação, era necessário que a mesma fosse feita por meio de signos compreensíveis e capazes de traduzir ideias, sentimentos, vontades e pensamentos. Para isto o mundo da experiência vivida tinha que ser simplificado e generalizado para ser traduzido por signos que pudessem ser traduzidos a outros.

Sendo assim, desde bebê, quando a criança se utiliza dos gestos para estabelecer uma comunicação, ela já iniciou de certa forma, seu processo de apropriação da linguagem escrita, que, progressiva e lentamente, passará do gesto inicial para o gesto fixado por meio dos rabiscos e desenhos até chegar aos signos escritos.

Nessa história há dois momentos que ligam o gesto à escrita: os primeiros rabiscos feitos pelas crianças e o jogo. Com relação aos primeiros rabiscos, Vygotsky (1935/2002) os considera mais gestos do que desenhos propriamente ditos. Para ele, inicialmente, a criança, ao utilizar um lápis, registra um sinal, no papel, que é uma prolongação de um gesto. Por este motivo, ao tentar desenhar um objeto complexo, acaba focalizando apenas suas características mais evidentes, suas propriedades mais gerais, como, por exemplo, formas arredondadas, ou, quando se trata de conceitos, a criança marca no papel algum gesto que possa indicá-los. Uma criança que pretende representar uma corrida indica com os dedos os movimentos; os pontos e os riscos traçados no papel são para criança representações do ato de correr.

Quando quer desenhar um salto, faz movimentos de saltar com a mão e deixa sinais deste movimento no papel. (VYGOTSKY,1935/2002, p. 187).

O outro elemento que liga o gesto ao processo de desenvolvimento da capacidade de representação, ressaltado por Vygotsky (1935/2002), é o jogo. Para ele, no jogo de faz de conta, a criança se utiliza de um objeto para representar outro, de tal forma que este objeto se torna um signo. Trata-se dos jogos simbólicos. Quando se inicia sua capacidade de brincar de faz de conta, a criança atribui ao objeto àquilo que ele representa. O jogo simbólico torna-se assim uma forma de linguagem que se utiliza de gestos para atribuir significados diferentes a um objeto usado.

Uma trouxa de retalho de tecido ou um pedaço de madeira converte em um bebê durante o jogo porque permitem fazer os mesmos gestos que representam a alimentação e os cuidados para com as crianças pequenas. É o próprio movimento da criança, seu próprio gesto, que atribuem sua função de signo, ao objeto e lhe conferem sentido. Toda atividade simbólica representacional está plena desses gestos indicadores. Para a criança, um pedaço de madeira transforma-se em um cavalo porque pode colocá-lo entre suas pernas e fazer com ele o gesto que o identificará, neste caso, como um cavalo. (VYGOTSKY, 1935/2002, 187-188).

Neste processo, com ajuda da fala, o objeto assume a função de signo. Deste modo, este objeto torna-se um simbolismo de segunda ordem. Da mesma forma a escrita é um simbolismo de segunda ordem, pois é constituída por um sistema de signos que representam os sons e as palavras da linguagem oral, que, por sua vez, representam objetos, ações e fenômenos reais.

Como vimos, o processo do desenvolvimento da representação simbólica é fundamental para a linguagem escrita. De acordo com Vygotsky (1935/2002, p. 191)

“[...] a representação simbólica no jogo, é essencialmente uma forma particular de linguagem num estágio precoce que leva diretamente à linguagem escrita.”

Assim, para Vygotsky (1935/2002), o processo de desenvolvimento da linguagem escrita envolve esta compreensão, de que as palavras podem ser “desenhadas”. Contudo, para se chegar a esta compreensão, há um longo caminho a ser percorrido pela criança. Este caminho foi investigado por Luria (1929/1988), teórico que deu prosseguimento aos estudos de Vygotsky.

Nos estudos destes dois importantes teóricos encontra-se a base fundamental que explica como os processos psíquicos da linguagem e escrita se desenvolvem nas crianças antes mesmo delas entrarem na escola.

Artigo Prof. Marcos L Souza
Pedagogo e Historiador. Pós-graduado em Educação Infantil – Alfabetização e Letramento - Educação Musical e Artes. Mestre em Teologia.  Mestrando em Ciências da Educação. Pesquisador e Escritor.


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